1. Divulgação; 2. Reprodução/Instagram - 13.12.2023
"As Sambixas" e "Molhar as Palavras" se apresentam em São Paulo

No cenário musical brasileiro, em que o samba e o pagode sempre foram influenciados pela comunidade LGBTQIAP+ e negra , dois grupos se destacam ao trazerem a diversidade de volta ao ritmo contagiante desses gêneros musicais: “As Sambixas” e “Molhar as Palavras”, ambos nascidos em São Paulo

Os grupos se sobressaem não apenas por seu talento musical, mas também por reacenderem o protagonismo LGBTQIAP+  no universo do samba. Nomes como Ismael Silva , Leci Brandão , Oswaldo Nunes e Emílio Santiago, — pessoas da comunidade queer que influenciaram o gênero musical, mas foram esquecidos ao longo dos anos, — evidenciam a forte presença desse grupo nesta manifestação cultural. 

Em um país onde o samba é parte intrínseca da identidade cultural, projetos como "As Sambixas" e "Molhar as Palavras" não só resgatam a diversidade perdida, mas também pavimentam um novo caminho, celebrando a riqueza cultural brasileira com inclusão e autenticidade.

As Sambixas 

O projeto "As Sambixas" nasceu em setembro de 2019 pelas mãos de Gustavo Reis, filho de Cláudio Temóteo e Nilce Reis, donos do antigo Pau Brasil, uma casa de samba de quase 14 anos de existência no meio da Vila Madalena, em São Paulo , que precisou ser fechada por conta da pandemia da Covid-19.

Percebendo a falta de representação do samba LGBTQIAP+ na cena musical , Gustavo fundou o projeto com a intenção de dar visibilidade a essa comunidade.

“O convite foi feito um a um, chamando pessoas LGBT+ para eventuais substituições no caso de algum dos músicos não puder comparecer a uma apresentação. As primeiras seis apresentações do projeto ‘As Sambixas’ se deram no próprio bar Pau Brasil”, conta. 

O grupo, composto por sete pessoas, realiza apresentações que vão além do samba clássico e pagode dos anos 90. As rodas de samba de “As Sambixas” abrem espaço para a diversidade, incluindo elementos como ijexá, baião e seresta, além de outras brasilidades.

A proposta é clara: atrair pessoas LGBTQIAPN+ e criar um ambiente acolhedor onde todos se sintam à vontade. No início de cada apresentação, eles abrem as bandeiras da comunidade queer e ao som de agogô, tamborim, surdo, tantan, violão e cavaco, a banda toca o samba clássico e o pagode dos anos 90. 

Gustavo Reis é responsável pela voz e percussão, juntamente com Simone Mello, que toca violão e também canta. Café Silva se destaca com seu pandeiro de couro e voz, enquanto Caio Villani se encarrega do surdo e do pandeiro. Luciana Fernandes contribui com o tantan e a percussão geral, Iaiá Samba com o pandeiro e a percussão, e Bruna Callegari encanta com seu cavaco. 

“A intenção é atrair cada vez mais as pessoas LGBT+ e mostrar que elas podem se sentir à vontade em uma roda de samba. Também aceitamos canjas de musicistas que chegarem na hora e pedirem o tom, privilegiando sempre as pessoas LGBT+ e mulheres”, completa. 

Molhar as Palavras

Por outro lado, o grupo "Molhar as Palavras" teve um início despretensioso, surgindo entre amigas que se reuniam para tocar após partidas de futebol. A liderança de Priscila Alves caracteriza o grupo como um coletivo, abrindo espaço para mulheres talentosas.

As integrantes muitas vezes colaboram com outros grupos em eventos específicos, e por isso o "Molhar as Palavras" não têm uma equipe fixa. Além do protagonismo feminino, há também o LGBTQIAP+. 

A proposta do conjunto vai além da música. A interação e a alegria do público nas apresentações também são pontos importantes a serem atingidos. Com um repertório adaptado, o grupo procura fazer com que as pessoas se sintam parte do universo do samba, cantando com paixão e envolvimento.

“Nos eventos, nossa maior preocupação é com a alegria do público, então nosso repertório é adaptado. Buscamos interagir com as pessoas e fazer com que se sintam pertencentes ao universo do samba em toda sua magnitude, cantando com paixão e ‘sentindo’ cada pagode com a mãozinha no peito!”, diz Priscila.

O desafio do protagonismo LGBTQIAP+ no samba e no pagode

Integrantes de
Divulgação
Integrantes de "As Sambixas"

Ambos os grupos reconhecem o desafio do protagonismo LGBTQIAP+ no samba e no pagode. “As Sambixas” destacam que a luta contra o apagamento é constante, e que a comunidade enfrenta investidas do sistema que tentam relegá-las a segundo plano.

“Acreditamos que o lugar que as pessoas LGBT+ têm no samba sempre foi inibido de alguma forma. Assim como as mulheres, pessoas LGBT+ são mais notadas quando são intérpretes — isso falando da carreira solo, em bares, restaurantes, eventos e shows. No Carnaval, há muitas pessoas LGBT+ na produção da beleza dos desfiles, nos bastidores, escondidas”, argumentam. 

“Acreditamos que no samba o protagonismo é bastante masculino. As mulheres tiveram um lugar imprescindível para a existência do samba, pois escutavam, aprendiam e cantavam os sambas, em um mundo sem gravadores, além de defenderem a composição e a interpretação de forma magistral, como Dolores Duran, Liette de Souza, Araci e outras. Quando as mulheres tinham condições financeiras melhores a elas eram destinadas às aulas de instrumentos como piano, para se tocar em casa, não tendo acesso à prática boêmia por excelência. Portanto, o protagonismo feminino e das pessoas LGBT+ nunca foi o destaque; ele não diminuiu, mas vem, aos poucos, aumentando”, pontuam ambos os grupos.

“Molhar as Palavras” acrescenta que a questão é muito complexa para uma resposta única, uma vez que a sigla LGBT+ é bastante heterogênea, composta pelos mais diferentes recortes.

“O samba e o pagode dos anos 90 têm um protagonismo masculino muito grande e, tendo sido uma década de estrondoso sucesso do gênero, isso ecoa para as décadas à frente, moldando o perfil do ouvinte. Assim, as pessoas abarcadas pela sigla LGBT+ podem não se sentir tão confortáveis com o conteúdo das músicas e com os ambientes onde as rodas de samba geralmente acontecem.” 

Além disso, o grupo também concorda que o protagonismo feminino se dá em escala menor em comparação aos homens. “É um mercado que ainda carece, e muito, do protagonismo feminino em todos os formatos, motivo pelo qual o ‘Molhar as Palavras’ viu uma oportunidade e se agarrou a ela.” 

Celebrando a inclusão e a diversidade

Pedro Queiroz
"Molhar as Palavras" se apresentando no Ibirapuera

Para “As Sambixas”, a presença de corpos LGBT+ nos espaços de samba não é apenas uma questão de diversidade, mas também um ato de liberdade. Em um ambiente seguro, o grupo proporciona uma experiência única, onde aqueles que se identificam com a comunidade LGBTQIAP+ podem desfrutar do samba e das brasilidades sem receio.

Além disso, o projeto adota uma abordagem criativa fazendo releituras que transformam letras potencialmente pejorativas em expressões mais respeitáveis. Um exemplo disso é a adaptação de "Volta por cima", de Paulo Vanzolini, em que o grupo substitui trechos para promover uma mensagem de respeito e inclusão.

"Há um trecho [na canção] que diz que um homem de moral não fica no chão, em vez disso cantamos "(...) pessoa de moral não fica no chão, nem quer que ninguém lhe venha dar as mãos." 

Para o “Molhar as Palavras”, a importância de permitir que corpos LGBT+ frequentem espaços culturais vai além da diversidade; é sobre o direito de viver plenamente. O grupo destaca a relevância de proporcionar a todos a oportunidade de apreciar atividades culturais e vivenciar experiências de maneira completa.

Quando se trata de apresentar os sambas, “Molhar as Palavras” adota a mesma abordagem que “As Sambixas”: a equipe geralmente faz releituras ou retira do repertório letras que possam ser consideradas depreciativas, pois a intenção é criar um ambiente leve, onde o público possa se divertir com alegria. “Queremos que nosso público se divirta com leveza e samba no pé.” 

Ambos os grupos estão pavimentando o caminho para uma nova era no samba, em que a diversidade é celebrada, as letras são repensadas e a música reflete a rica tapeçaria cultural do Brasil com autenticidade e abertura. Não é apenas sobre música; é sobre criar espaços seguros, promover liberdade, respeito e inclusão, acreditam os grupos. 

Além disso, tanto “As Sambixas” como “Molhar as Palavras” estão empenhados em projetos musicais autorais. “As Sambixas” estão estruturando um projeto que resultará no lançamento de um EP em 2024, enquanto “Molhar as Palavras” está produzindo músicas autorais, refletindo seu compromisso com um repertório autêntico e inclusivo, mas ainda sem data. 

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