Pessoas trans ainda não são incluídas no debate sobre o câncer de próstata
Freepik e montagem iG Queer
Pessoas trans ainda não são incluídas no debate sobre o câncer de próstata

A campanha Novembro Azul, que se concentra no rastreio e conscientização do câncer de próstata, deve ser inclusiva e abranger todas as pessoas suscetíveis a essa doença. Isso inclui mulheres trans e travestis, pessoas intersexo  e  não binárias.

Pensando nisso, o iG Queer conversou com dois médicos urologistas sobre a importância do rastreio, como a doença pode se manifestar em mulheres trans e a falta de preparo dos espaços de saúde para atender esta população. 

“Pessoas trans e travestis também correm risco de desenvolver câncer de próstata. Não existem dados que indiquem a real incidência de câncer de próstata em populações trans, pois faltam estudos. Infelizmente, não há muita atenção a esse respeito, mas existem alguns relatos de casos”, explica o médico urologista Marcelo Magalhães, que integra o Núcleo de Medicina Afetiva (NuMA). 

“Todas as pessoas que possuem próstata devem buscar atendimento urológico na idade adequada, aos 50 anos, sejam elas pessoas não binárias ou de qualquer outra identidade de gênero”, completa o urologista Ubirajara Barroso Jr., chefe da divisão de cirurgia urológica reconstrutora do Hospital da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e cirurgião responsável pela primeira cirurgia de redesignação de gênero pelo SUS (Sistema Único de Saúde) na Bahia. 

Os dados acerca da incidência de câncer de próstata em mulheres trans e travestis são escassos, assim como para as outras identidades de gênero não cis masculinas.

Um dos motivos para isso ocorrer com as mulheres trans é a expectativa de vida dessa população que é 35 anos de idade, segundo informações da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), e o câncer de próstata só surgir após os 50 anos — ou aos 45, para os que se enquadram no grupo de risco. 

“A expectativa de vida reduzida é uma das razões pelas quais as mulheres trans são diagnosticadas com câncer de próstata menos frequentemente do que os homens cisgênero. Como o câncer de próstata geralmente ocorre em pessoas mais velhas, nesses casos, as pessoas trans podem morrer antes que a doença se manifeste”, destaca Ubirajara. 

Além disso, os especialistas afirmam que há muita desinformação sobre o câncer de próstata em mulheres trans e travestis. Eles explicam que, tanto a hormonoterapia, quanto a cirurgia de redesignação não excluem a chance de desenvolvimento do câncer. 

“Mulheres trans que estão sob efeito de hormonização podem, embora as chances sejam menores, desenvolver câncer de próstata. No entanto, quando isso acontece, costuma ser um câncer mais agressivo, pois o câncer se tornou independente da testosterona para poder surgir. Portanto, a atenção a essa população é fundamental”, explica Marcelo, que completa alertando que mulheres trans e travestis que não fazem hormonoterapia têm chances iguais às dos homens cisgêneros.

“Nos casos em que a mulher trans iniciou a transição hormonal mais tarde, após os 40 anos, os problemas com a próstata podem ocorrer com mais frequência”, acrescenta Ubirajara. 

Além disso, ainda é possível o surgimento de câncer de próstata após a cirurgia de redesignação sexual, uma vez que a próstata não é removida durante o procedimento.

A cirurgia geralmente envolve a remoção dos testículos, a criação de uma vagina, a realização de uma clitoroplastia (criação de um clitóris) e a formação dos lábios vaginais.

“A grande maioria das mulheres transgênero tem próstata, pois não é recomendado retirá-la na cirurgia de afirmação de gênero, devido aos riscos de incontinência urinária. Assim, é essencial que elas também recebam atenção médica adequada sobre os problemas que acometem a próstata como a hiperplasia benigna da próstata, a prostatite e o câncer”, pontua Ubirajara.


Há diferença no tratamento? 

Novembro Azul precisa abarcar as vivências de mulheres trans e travestis
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Novembro Azul precisa abarcar as vivências de mulheres trans e travestis

"O procedimento para o câncer de próstata em mulheres trans seguirá basicamente o mesmo protocolo utilizado para homens cisgêneros", esclareceu o especialista Marcelo, que ressalta que a abordagem terapêutica depende do momento do diagnóstico, fatores de agressividade e expectativa de vida da pessoa afetada. "Todos esses elementos influenciam diretamente na estratégia de tratamento do câncer", afirma

"Normalmente, o procedimento envolve a realização de cirurgia para a remoção radical da próstata", conta o médico. "Em certos casos, a radioterapia é uma opção viável".

Ele também menciona que, em estágios muito avançados da doença, são adotados tratamentos hormonais ou quimioterapia como parte do protocolo terapêutico. "Portanto, o procedimento nessas situações segue uma linha semelhante para todos", conclui.

Ubirajara também esclarece que, em certos casos raros, o câncer de próstata pode ser apenas monitorado, mas geralmente é tratado por meio de cirurgia, radioterapia ou medicamentos. "A detecção precoce é fundamental para garantir a cura em todos os casos", destaca.

Para ele, a única forma de prevenir o câncer de próstata, tanto para o homem cis quanto para a mulher transgênero, é procurar precocemente um urologista para a realização do exame de PSA (um teste feito a partir da coleta de amostra de sangue do paciente) e do toque retal.

O Novembro Azul é para todas as pessoas com próstata

A nova bandeira LGBTQIAP+
Divulgação/Parada LGBT+
A nova bandeira LGBTQIAP+

“Independentemente do gênero, quem tem próstata pode tomar medidas para prevenção do câncer de próstata, embora sejam medidas gerais. Levar uma vida saudável ao longo da vida, evitar uma dieta rica em gorduras, combater o sedentarismo, tratar a obesidade e evitar o cigarro são algumas dessas medidas. Existe um fator genético que não pode ser modificado. Portanto, de uma forma geral, um estilo de vida saudável durante os anos pode diminuir a chance de desenvolver câncer de próstata, mas não previne completamente”, pontua Marcelo.

“Tentamos descobrir o câncer cedo, caso ele vá surgir, porque é quando a chance de cura é altíssima. Às vezes, as pessoas confundem prevenção com rastreamento, que é o que fazemos”, enfatiza.

Para o médico, pessoas intersexuais e não binárias não são consideradas da mesma forma que mulheres trans e travestis nas campanhas de rastreamento de câncer de próstata, o que também merece discussão.


“Desde que a pessoa tenha uma próstata, ela entra nessa discussão. Por exemplo, se uma pessoa não binária nasceu com genitália feminina e não tem próstata, então não cabe entrar nessa campanha.”

Ele também destaca as particularidades para as pessoas intersexo. “Depende se essa pessoa nasceu com testículos ou não, se tem próstata ou não. E se a pessoa tem próstata, então, sim, ela entra nesse rastreamento, e seguirá a mesma lógica de tratamento que os homens cis.”

Mulheres trans e travestis não buscam atendimento na saúde por medo 

Falta de capacitação adequada de profissionais impacta na experiência de pessoas trans em ambientes de saúde
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Falta de capacitação adequada de profissionais impacta na experiência de pessoas trans em ambientes de saúde

“De uma forma geral, mulheres trans e travestis não costumam procurar o exame de próstata. Esse é um assunto ainda pouco discutido e difundido. Existem também muitos tabus associados a isso, seja pela falta de acesso aos serviços de saúde ou pelo preconceito existente. Todos esses são obstáculos significativos para que essa população não receba a devida atenção e cuidado.” 

Marcelo acredita que, tecnicamente, a medicina está apta para tratar o câncer de próstata em todas as identidades de gênero. No entanto, o que realmente não está pronto é “o aspecto humano de lidar com essas diferentes identidades e realidades”.

“Nesse sentido, realmente faltam políticas de rastreamento, políticas de conscientização. Os profissionais não são treinados para lidar com situações assim. Essa é uma questão que realmente merece discussão e avanço.”

Mulheres transgêneros e travestis podem evitar procurar serviços de saúde devido ao preconceito, à falta de preparo dos profissionais e às dificuldades de acesso. Todos esses são obstáculos para que elas não cuidem da saúde, especialmente quando se trata de questões sexuais, incluindo a próstata, mas também questões de libido, ereção e diversidade sexual de uma forma geral.

“Além do câncer de próstata, doenças como fimose, incontinência urinária, infecções sexualmente transmissíveis e até hiperplasia prostática benigna, também podem afetar as mulheres trans. As lesões na pele do pênis também são recorrentes nesse público em razão da prática de se aquendar, que estica a pele para trás, o que pode ser um problema inclusive para a cirurgia afirmativa de gênero”, destaca Ubirajara.

Ele também ressalta que há muita dificuldade para a mulher transgênero procurar um médico. “Não somente pelo nível socioeconômico, que é baixo e muitas vezes dificulta tanto para os homens cisgênero quanto para as mulheres trans o acesso a um especialista, mas também pelo medo de serem discriminadas.”

Ele finaliza: “Isso pode ocorrer tanto por parte dos próprios pacientes que frequentam os hospitais, quanto pelos atendentes ou pelos médicos. Por isso, as mulheres transgênero muitas vezes procuram o médico tardiamente ou evitam a busca por atendimento médico.”

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