As
cirurgias de redesignação de gênero
ajudam pessoas trans a se sentirem mais confortáveis quanto às suas experiências de gênero, apesar de não serem obrigatórias para que uma pessoa trans afirme sua identidade enquanto homem, mulher ou não-binário.
Para as mulheres trans que optam pelo procedimento, uma das maiores preocupações é como elas vão conseguir ter uma lubrificação natural com a neovagina. Antes de entender a questão é preciso saber que existe, pelo menos, três tipos de procedimentos de redesignação: inversão peniana , cirurgia peritoneal e cirurgia intestinal.
Emmanuel Nasser, médico obstetra e ginecologista, especializado em saúde LGBTQIAP+, explica que a técnica de inversão peniana “é mais antiga e tida pelos especialistas como a mais segura, além de ser a realizada pelo SUS (Sistema Único de Saúde) atualmente”.
“Ela consiste em construir a neovagina pela inversão peniana, em que partes do testículo e do pênis vão ser transformadas no canal vaginal”, diz o especialista, que é confirmado pelo médico especializado em cirurgias de redesignação de gênero e procedimentos estéticos feminilizadores, José Carlos Martins Junior.
“Essa técnica [inversão peniana] é a mais segura porque não envolve entrar no abdômen da paciente, como a técnica peritoneal, que utiliza o peritônio [pele que recobre a parte interna do abdômen] ou cortar pedaços do intestino, por exemplo”, comenta o médico ao falar sobre as outras duas técnicas.
De acordo com os dados do Ministério da Saúde, em 2017 foram realizadas 39 cirurgias na categoria na redesignação sexual em mulheres trans, 34 em 2018, 37 em 2019 e 15 em 2020 - a queda de quase 60% se deu devido a pandemia do coronavírus.
Cirurgia abdominal provoca lubrificação, mas não é a mais indicada
Nasser explica que a cirurgia intestinal vem com a promessa de permitir que a paciente tenha uma lubrificação natural, que não ocorre nas outras duas técnicas. Isto porque “o intestino é uma mucosa, como a mucosa que nós temos no ânus, na boca e na vagina para as pessoas que nascem com o órgão sexual, por exemplo”.
“A neovagina feita a partir do intestino vai conseguir produzir um muco, o que dará ao órgão um pouco mais de hidratação e lubrificação”, diz.
Contudo, essa lubrificação não é a mesma que as vaginas de mulheres cis produzem. Junior alerta que é importante que a paciente esteja atenta a esta informação para que não se frustre com o resultado da procedimento.
“Muitas pacientes têm a ilusão de que a cirurgia intestinal é a melhor de todas porque se utiliza da mucosa que gera, em tese, uma lubrificação natural para a neovagina. A questão é que esta é uma lubrificação intestinal que não é estimulada, mas sim constante, amarelada e com um odor mais forte”, explica.
Nasser complementa informando que, além de ser uma lubrificação diferente, esta cirurgia é ainda mais complexa que a mais adotada [inversão peniana] e seu pós-operatório é mais díficil.
“O tempo cirúrgico é maior e a recuperação mais longa. As chances de efeitos colaterais também são maiores, assim como dores, mais tempo com sonda, maior demora para voltar a ter sua atividade sexual penetrativa, entre outras questões”, explica.
Para Junior, a cirurgia intestinal é mais indicada como um procedimento secundário, como uma correção de um problema originado na inversão peniana “como infecção, a paciente não conseguir dilatar o canal da vagina, ou alguma outra complicação que a faça ‘perder’ a cirurgia”.
“Neste cenários, como não haverá mais pele do pênis e da bolsa escrotal para utilizar na correção dos problemas, o mais indicado é se aplicar a cirurgia intestinal para resolver as questões”, diz.
Como estimular a lubrificação da neovagina
Mesmo que a cirurgia intestinal provoce uma lubrificação constante, ambos os especialistas concordam que a mulher trans que fazem a cirurgia de redesignação, independemente da técnica utilizada, precisam utilizar estimuladores para que a lubrificação ocorra.
“Todas as pessoas que fizerem a cirurgia de redesignação sexual para a construção de uma neovagina vão precisar utilizar métodos de lubrificação auxiliar à base de água, como uso de KY e K Med”, comenta Nasser, que compara a lubrificação de uma neovagina com a vagina de uma mulher cis na menopausa.
“Como se trata de uma vagina construída cirurgicamente, a lubrificação às vezes fica mais próxima de uma mulher cis na menapousa, quando há uma redução na produção de hormônios e o ambiente vaginal fica mais seco, o que pode ocasionar atrofias dentro do canal vaginal”, explica.
Para resolver as atrofias, a paciente também precisa ter em mente que alinhado aos lubrificantes, será necessário realizar a dilatação do canal vaginal por toda a vida.
“A mulher trans precisa sempre dilatar o canal com
brinquedos sexuais
ou
atividades sexuais penetrativas
para que esta atrofia não ocorra. A recomendação é que se inicie a utilização dos dilatadores após um mês da cirurgia e a frequência vai depender do uso da vagina, se há relações sexuais penetrativas recorrentes ou não”, explica.
E o prazer?
Outra preocupação das pacientes que está ligada diretamente com a questão da lubrificação é o estímulo de prazer na neovagina. Junior explica que muitas pacientes já começam a ter sensações de prazer logo na primeira semana após a cirurgia, a partir do autoestímulo na região. Ele ainda elenca as áreas da neovagina que são responsáveis pela sensação de prazer sexual.
“A fonte de prazer da neovagina vem de três áreas: do clitóris - formado por um pedaço da antiga glande, a região peniana de sensibilidade -; da própria cavidade vaginal; e da próstata - uma importante fonte de prazer da mulher trans, porque o canal vaginal vai ficar atrás da próstata e na frente do reto, sendo assim, a penetração vai estimular a região prostática”, explica.
Ele conclui comentando ainda sobre outro fator importante para as pacientes que recorrem à cirurgia de redesignação de gênero: o resultado estético.
O médico explica que cada paciente vai ter a sua própria “configuração vaginal”, de acordo com “a quantidade de gordura que já havia no púbis, a quantidade e a coloração da pele, e a anatomia da região, por exemplo”.
“O resultado estético final da cirurgia considero que ocorra de fato entre 18 e 24 meses. Após a cirurgia, a pele e os tecidos vão se adaptar à região e a gordura vai se conformar no local inserido. Existe ainda sempre a possibilidade de revisão da cirurgia, aplicação de laser, ressacamento da região, depilações específicas, entre outros”, finaliza.
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