Empreender é uma forma de fornecer para a comunidade LGBT um serviço com o qual ela se identifique
Karolina Grabowska/Pexels
Empreender é uma forma de fornecer para a comunidade LGBT um serviço com o qual ela se identifique

Principalmente após a pandemia, o Brasil coleciona uma grande quantidade de empreendedores. Segundo o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), entre 2020 e 2021 a taxa de empreendedores no país foi de 8,7% para 9,9%, que corresponde a 14 milhões, e ocupou o 7º lugar no ranking global. Ainda de acordo com o órgão, só em 2021 o Brasil registrou mais de 3,9 milhões de empreendimentos formalizados como micro e pequenas empresas ou microempreendedores individuais (MEIs). 

Esta tendência se mostrou efetiva na garantia de certa qualidade de vida por parte dos indivíduos que tiveram a vida profissional diretamente afetada pela pandemia. Além dos reflexos do surgimento do coronavírus,  o próprio mercado de trabalho por si só é hostil com LGBTs. Uma pesquisa da consultoria Mais Diversidade divulgada em junho deste ano ouviu mais de 2 mil pessoas da comunidade. Desse total, 70% não se sente seguro no ambiente de trabalho. 

Ao mesmo tempo, mais de 1200 entrevistados acreditam que revelar a sexualidade dificulta o crescimento profissional. Já 759 pessoas presenciaram casos de preconceito dentro das empresas, o que justifica o fato de mais de 400 entrevistados escolherem não falar da própria sexualidade ou identidade de gênero no local em que trabalham. 

Entre os empreendimentos, pode-se citar uma infinidade de nichos, mas vale refletir onde a comunidade LGBTQIAP+ se posiciona neste meio. Essa parcela da população está empreendendo? Se sim, no quê? Quais os perrengues e benefícios? 

A fim de elucidar estas questões, o iG Queer conversou com alguns empreendedores da comunidade para compreender como é ser queer e construir um negócio próprio no país em diferentes áreas e com diferentes públicos. 

Pela autoestima queer

Ruan Antiqueira é um dos sócios da Queerida , uma loja virtual de joias voltada para a comunidade LGBT. Ao iG Queer, ele conta que ele e o irmão não estavam mais contentes com o trabalho que desenvolviam anteriormente e encontraram um nicho inesperado. “Em julho de 2019, eu e meu irmão estávamos infelizes com o nosso negócio na época. Trabalhávamos com a produção de semijoias e vendíamos para atacadistas. Fomos para a parada LGBT de São Paulo e conversamos com alguns amigos sobre um filme que tínhamos visto, chamado Kink Boots”, conta ele.

“A história é sobre um personagem que herdou do pai um loja de sapatos com dificuldades e viu uma saída na fabricação de calçados para drag queens. A partir disso, tivemos a ideia de ter uma marca com a nossa cara. O nome ‘Queerida’ é uma brincadeira que junta queer com uma frase muito dita por nós: ‘tá, querida?’”. De acordo com Ruan, a receptividade da comunidade foi bem satisfatória. “Muita gente fica feliz em encontrar uma marca feita por LGBTs para LGBTs. Sentimos esse carinho e ficamos muito gratos”, comenta. 

Contudo, nem sempre o cotidiano é fácil. A loja já recebeu ataques de ódio, e Ruan explica que isso acontece principalmente quando alguém que não faz parte do nicho consumidor entra em contato com o trabalho deles. Apesar de desanimador, ele destaca que o foco principal do trabalho não deve ser desviado. 

“Quando as campanhas de tráfego acabam atingindo o público 'errado', geralmente os ataques vêm. Normalmente são trolls da internet que falam que um negócio LGBT não vai prosperar por ter esse nicho. Para ser sincero, não lembro muito dos ataques em si, pois não queremos direcionar nossa energia para isso”, destaca. 

Mesmo com os contratempos, a Queerida se coloca em uma posição de resistência e representatividade que, de acordo com Ruan, é muito importante. Para ele, existir uma loja de acessórios voltada para a comunidade LGBT ajuda a promover a autoestima dessa população “não apenas pelos produtos, mas pelo significado de ter um negócio LGBT e mostrar para mais pessoas da comunidade que elas podem e devem empreender”, diz. 

Além disso, para a comunidade queer, que encontra muita dificuldade em se sentir representada nos mais diversos ambientes, ter contato com marcas e iniciativas que refletem as demandas e a cultura desse grupo é um artifício importante de empoderamento. “A gente compra produtos que nós mesmos usamos, e acho que outras lojas não tem muita ideia do que a nossa comunidade gosta de usar”, explica Ruan. Em vista disso, ele lista alguns dos principais planos para o empreendimento atualmente. 

“Querermos atingir melhor a nossa comunidade por inteiro”, começa. “Como somos homens gays fazendo a produção de vídeos, ainda não conseguimos entregar campanhas que atinjam todas as letras da sigla, mas queremos nos organizar melhor para sermos uma marca de referência para todes”, declara. 

Diferentes cores e sabores

PabloBA é uma franquia especializada em pavlova, uma sobremesa em forma de bolo com base feita de merengue. O nome é uma homenagem à bailarina russa Anna Pavlova. Mariano Grosso é o fundador da franquia e deu início a ela justamente na pandemia, mais especificamente em 2020. “Percebi que as relações de vizinhança, uso e apoio de comércio de proximidade estavam sendo reforçadas nesse contexto”, explica ele ao iG Queer. “Aproveitando a minha formação como chef de cozinha e confeiteiro e a novidade que a pavlova representa para o mercado brasileiro, vi uma excelente oportunidade na qual investir”. 

Mariano se define como um profissional que “admira processos, metodologias de trabalho, criação de novos projetos e conquista de novos mercados”. Com isso, começar um novo negócio garantiu a ele algumas habilidades que naquele momento foram extremamente convenientes. “Com a PabloBA, consegui aplicar minha energia e concentração, o que auxiliou no enfrentamento da situação de isolamento e notícias ruins que a pandemia nos trazia todos os dias. Aperfeiçoei várias técnicas de confeitaria e trabalhei com ingredientes novos também”, relembra ele. 

O empreendedor afirma que nunca recebeu ataques pessoais por ser uma pessoa LGBT a frente de um negócio, mas sofre com os contratempos inevitáveis da vida de quem gesta um negócio. “Os maiores perrengues estão vinculados ao posicionamento da marca, conquistar o paladar dos clientes e lidar com os malabarismos financeiros que todo empresário precisa fazer para fechar as contas do mês. Isso envolve, claro, conhecer mais o seu mercado consumidor, entender as preferências dos clientes e assimilar as dificuldades dos intermediários”, ressalta. 

Além destas questões rotineiras, há aspectos do mercado em si que também influenciam no desempenho do negócio e nas estratégias necessárias para continuar crescendo. “Após a pandemia, os preços dos aluguéis não retrocederam, os custos aumentaram devido à inflação e a falta de recursos humanos empenhados em trabalhar para crescer trazem impacto”, conta ele. Apesar de tudo isso, Mariano enxerga no empreendedorismo uma forma de pessoas LGBT se posicionarem profissionalmente de uma forma que não conseguem no mercado de trabalho tradicional. 

“Veja, há um mercado enorme que está despertando e encontrando reconhecimento e tratamento especial por várias marcas e empresas”, comenta. “Isso permite que novas ideias sejam criadas e novos negócios surjam. Se até meados da década passada predominava a heteronormatividade, acredito que desta década em diante, sobretudo as novas gerações, haverá maior sintonia e sinergia para o público LGBT conquistar cada vez mais espaço e representatividade”, conclui.

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