Segundo Datafolha, 73% afirma que escola deve promover debate sobre educação sexual
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Segundo Datafolha, 73% afirma que escola deve promover debate sobre educação sexual

O debate sobre sexualidade e gênero nas escolas brasileiras sempre foi encarado como tabu e esta é uma discussão que vem ganhando corpo ao longo dos anos. Em uma pesquisa divulgada no último dia 3 de julho, divulgada pelo Datafolha, aponta que 73% das pessoas ouvidas afirmaram que a educação sexual deve estar no currículo escolar. Foram ouvidos 2.090 brasileiros com idades entre 16 anos ou mais de 130 municípios.

Estes dados mostram uma abertura para esta discussão, o que pode ajudar docentes e diretores a traçar caminhos mais eficazes para trazer um debate saudável à escola e que de fato minimize os preconceitos sobre a educação sexual e de gênero.

A diretora Paula Beatriz de Souza Cruz, 51, é pedagoga e a primeira diretora transexual de uma escola pública de São Paulo. Ela ocupa o cargo há 19 anos na Escola Estadual Santa Rosa Lima.

"Todos lá sabem que quem está na gestão da unidade escolar é uma mulher transgênero, negra, tataraneta de indígenas, periférica e professora. Isso já é uma resposta do caminho que deve ser seguido”, afirma a professora.

Para a pedagoga, as maiores dificuldades de realizar uma educação sexual e de gênero nas escolas brasileiras é a estrutura conservadora em que a sociedade está organizada.

"As maiores dificuldades são inerentes ao machismo, ao sexismo, à misoginia e ao conservadorismo que se perpetuam no nosso país. Em Santa Rosa de Lima, a tratativa dos temas de educação sexual e gênero ocorrem naturalmente, e em todos os momentos", diz.

Na escola onde a diretora atua estudam crianças de seis a 10 anos. Paula conta que o espaço é acolhedor e que propicia o respeito mútuo: "Se não for na escola, onde essas discussões vão ocorrer? Eu não vejo nenhum outro lugar".

Debate sobre múltiplas diversidades

Para a pedagoga, além da diversidade sexual, também é importante que o debate se estenda às múltiplas formas de diversidade que a sociedade apresenta.

"É importante que as famílias entendam, não apenas a diversidade sexual e de gênero, mas também as outras múltiplas existentes, como de raça, religiosa, de pessoas com deficiência, políticas, e tantas outras, porque é isso que representa o diverso", diz que Paula, que completa: "Diversidade é viver em um mundo que garante a equidade de direitos".

A diretora ainda comenta que tem percebido muitas iniciativas na sociedade que estimulam a reparação de danos de grupos culturalmente minorizados, mas que é importante também falar sobre a prevenção ao preconceito.

"Se não prestarmos a atenção sobre a prevenção contra atos LGBTfóbicos vamos nos estagnar em um ciclo vicioso de reparação, o que não vai eliminar os abusos sofridos por esta população diariamente. Eu acredito que essa prevenção ao preconceito deva ser estimulada já nas crianças, e de forma urgente. Elas amam o ódio que é ensinado a elas e não podemos permitir isso", defende Paula.

A experiência de ser uma diretora trans


Paula entende a importância de ocupar o cargo de diretora sendo ela uma mulher trans negra, mas que "não basta ser a primeira". Ela conta ainda que construiu uma relação de "respeito mútuo" entre os pais, os alunos e o corpo docente da escola onde atua.

"Eu tenho o princípio de que a gestão tem que ser participativa, democrática e é onde conseguimos caminhar muito bem. Os conflitos existem, mas eles nos ajudam a evoluir, repensar e remodelar. Trazem movimento para a escola", finaliza.


Homofobia no ambiente escolar

Escolas precisam garantir espaço acolhedor para alunos LGBT+
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Escolas precisam garantir espaço acolhedor para alunos LGBT+

A discussão sobre educação sexual, gênero e diversidade pode ter muitos resultados positivos para a vida dos alunos e ao convívio no ambiente escolar e, no lado oposto a isso, a falta de diálogo sobre estes temas gera estigmatização e falta de acolhimento.

A pedagoga Adriana Valle Mota, 50, conta que esta falta de diálogo gerou consequências para seu filho, o estudante de História Flávio Mota Sevalho, 23. Quando o jovem estava com 16 anos e no ensino médio, um professor fez comentários homofóbicos em sala de aula direcionados a ele.

"Na sala de aula e diante de todos os alunos e alunas, um professor comentou, referindo-se a ele, que 'preferia ver seu filho morto, afogado numa piscina, do que saber que ele era gay'. Na ocasião em que isso ocorreu, meu filho ficou bastante afetado emocionalmente e os traumas e consequências desse episódio foram variados", conta a pedagoga, que conta também que chegou a procurar a direção da escola, mas que não foi bem recebida.

"A escola foi extremamente relapsa e negligente. A fala homofóbica do professor desencadeou uma série de agressões simbólicas, verbais, psicológicas e físicas por parte de alunos, que se sentiram autorizados a praticar violências contra meu filho. O ambiente não era seguro e não houve nenhum acolhimento. Acabamos optando, ao final do ano, por trocar de escola", diz.

Na outra instituição, Adriana relata que o ambiente era bem diferente e que "havia diálogo, acolhimento e um projeto político pedagógico que valorizava as diversidades". Para a pedagoga, a educação sexual, de gênero e diversidade "não pode ser uma atividade de espaço blindado da realidade da vida".

"Conhecer seu próprio corpo, sua sexualidade, sua identidade enquanto pessoa, é algo que passa pela afirmação de ser de uma determinada raça, cor, sexo, identidade de gênero e classe social. Os alunos são tudo isso e a escola precisa lidar com as questões que são importantes para a cidadania dos estudantes. Educar para a diversidade é ampliar os horizontes da cidadania", finaliza.

 A criança trans no ambiente escolar

O bullying no ensino médio é algo que pode deixar marcas por toda a vida, mas quando isso ocorre em fases anteriores, como no ensino fundamental e na educação primária, os danos podem ser ainda maiores. A discussão sobre gênero e sexualidade já na idade infantil é um dos tabus mais enraizados ao tema e que precisa ser superado.

A professora universitária Marcelle Alencar Urquiza, 49, vem enfrentando esse dilema ao apoiar a transição de gênero de sua filha de 11 anos, que está no sexto ano do ensino fundamental. A criança estuda em uma escola particular de Boa Vista, no Estado de Roraima.

"A minha filha, de 11 anos, que está na sua jornada de se identificar como uma menina trans, desde muito cedo já demonstrava interesses expressivos pelo universo feminino", relembra a professora, que ressalta que, embora a escola onde a menina estuda tenha uma atidude acolhedora, para a mãe ainda faltam medidas mais efetivas para combater a transfobia que a criança sofre.

"A escola sempre procurou pacificar os ânimos, mas muitas vezes enxerguei que as propostas para trabalhar e desmistificar a questão sobre a identidade de gênero não são de fato trazidas com clareza à sala de aula", diz a professora, que complementa: "Simplesmente promover o dia da troca de brinquedos - menina brinca de carrinho e menino de boneca - não parece que reconstrói conceitos enraizados em casa".

Marcelle ainda afirma que "houve episódios graves na escola por causa de bullying" e que também já ocorreram falas transfóbicas e gordofóbicas em grupos de whatsapp, por exemplo. Todas estas situações causaram danos graves à menina.

Acolhimento da família

Acolhimento é importante para o combate à LGBTfobia.
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Acolhimento é importante para o combate à LGBTfobia.





Segundo a docente, o pai da criança sempre teve dificuldades com o jeito feminino da filha, antes mesmo do processo de transição ser iniciado: "Nas fases de querer bonecas, de amarrar pano na cabeça para simular cabelos grandes, foram inúmeros 'nãos', 'deixa disso', 'para com isso'.

A 'virada de chave' ocorreu quando a menina decidiu reunir a família - a mãe, o pai e o irmão de nove anos - para relatar sua jornada de transição de gênero. Isso ocorreu quando a criança tinha oito anos de idade.

"Ela disse que não aguentava mais esconder isso e que queria saber se nós a aceitávamos. Nunca esqueci desse dia, da expressão de dor que ela sentia ao ter que por um ponto final naquilo tudo, e tão pequenina", diz.

Marcela encerra dizendo que desde esse dia se concentra em ajudar a filha e que ela seja feliz em suas escolhas.

"Desde sempre, mas especificamente deste dia, me concentro em ajudar essa filha, esse ser humano, a se educar, a buscar sua independência pelos estudos, a construir amizades sinceras - que são pouquíssimas -, para que ela cresça com saúde, se fortaleça e seja uma adulta feliz e realizada", finaliza

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