O surto da varíola dos macacos - também chamada de monkeypox - que teve início há pouco mais de dois meses na Europa, vem chamando a atenção de médicos e cientistas ao redor do mundo pelo avanço do vírus em locais inéditos até então.
Segundo levantamento da Agência CNN, até o último dia 12, ao menos 58 países confirmaram casos da doença, nos cinco continentes do globo. Vale lembrar que este tipo de varíola foi descoberto em 1958 em um macaco, daí o nome atribuído. O primeiro ser humano infectado foi uma criança na República Democrática do Congo, na África, em 1970. No continente, o vírus circula de forma endêmica há décadas.
Aqui no Brasil, segundo balanço mais atualizado do Ministério Público da Saúde, há 266 casos conhecidos de infecção por monkeypox no país. São Paulo tem a maior concentração, com 196 casos, seguido por Rio de Janeiro (37), Minas Gerais (18), Paraná (3), Rio Grande do Sul (3), Ceará (3), Rio Grande do Norte (3), Goiás (2) e Distrito Federal (1). Bahia e Pernambuco também registraram seus primeiros casos, mas estes não foram incluídos no balanço.
O surto da doença tem se concentrado na população LGBTQIAP+, mais especificamente no público HSH cis (homens gays e bissexuais que fazem sexo com outros homens), e começou em Londres, no Reino Unido. No início de junho, o país divulgou uma pesquisa que apontava que entre 26 de maio e 10 de junho, dos 152 pacientes infectados que concordaram em participar do levantamento, 151 se identificaram como homens cis gays ou bissexuais.
Diante dos dados, como evitar que a monkeypox crie estigmas que relacionem um vírus específico com a comunidade queer, como ocorreu com o HIV e a Aids nas décadas de 1980 e 1990? Para o infectologista Vinicius Borges, especializado em saúde LGBT+, o primeiro passo é entender que este cenário não é permanente, e que existe uma justificativa para que o público HSH cis seja o mais vulnerável no momento.
"Atualmente o grupo HSH cis é o mais vulnerável porque o surto, quando começou na Europa, foi nesta população em específico. Como os homens gays e bissexuais fazem muitas atividades em grupo - por questões de segurança -, como viagens, por exemplo, isso acaba os tornandos vulneráveis para transmissão de vírus", explica o especialista, que alerta: "Apesar dessa concentração inicial, toda a população, independentemente de gênero, raça ou orientação sexual, está vulnerável ao contágio".
O infectologista Ralcyon Teixeira, do Hospital Emílio Ribas, especializado em atendimento, ensino e pesquisa de doenças infectocontagiosas, compartilha da mesma ideia e afirma que "precisamos trabalhar com a informação correta".
"É importante ficar claro que os casos que estão acontecendo neste momento estão concentrados nesta população, mas que este é um nicho atual e não permanente. O vírus não tem relação direta com os homens gays e bissexuais", diz.
Ações do poder público
Umas das ações que devem ser tomadas pelo poder público para conter um alastramento do vírus pelo país é a vacinação. Contudo, ainda não há imunizantes suficientes para vacinar toda a população.
"Algumas prefeituras já estão divulgando cartilhas, como a de São Paulo e Curitiba, além dos serviços de referência, que são os locais para onde os pacientes são enviados para recolherem amostras, receberem atestados e orientações. Agora, o que falta são as vacinas. No Brasil ainda não há nenhuma movimentação neste sentido", alerta Vinicius Borges.
Ralcyon Teixeira explica que já há uma vacina específica para esta variação do vírus, mas que a própria vacina contra varíola pode ser aplicada: "Estamos tentando o acesso à vacina, seja a direta - a de monkeypox -, ou a indireta, - a de varíola -, que tem até 85% de eficácia para a variação dos macacos".
O especialista, que faz parte do Conselho Gestor da Secretaria de Ciência, Pesquisa e Desenvolvimento em Saúde do Estado de São Paulo, integrou o time da Sala de Situação Brasileira - grupo emergencial que estava acompanhando os casos do vírus no país e no mundo. O comitê teve suas atividades encerradas após 50 dias. Em comunicado, o Ministério da Saúde informou que vai continuar monitorando a monkeypox no país.
Sintomas
O infectologista Borges explica que os principais sintomas da monkeypox são "aumento de gânglios, febre, dor no corpo e aparecimento de lesões de pele", mas que é preciso ficar atento a outros aspectos que envolvem a contaminação.
"Tentar investigar com os parceiros sexuais se realizaram viagens à Europa e aos Estados Unidos; se tiveram contato com pessoas infectadas; e se ocorreu o contato, aguardar o período de incubação do vírus - que pode chegar até 21 dias -, antes de ter outra relação sexual, além de procurar ajuda médica caso algum dos sintomas apareça", diz.
O DJ, modelo e influenciador digital Doug Mello, de 22 anos, foi o décimo caso confirmado de contaminação por varíola dos macacos no Brasil e conta que a experiência foi "dolorosa". Ele acredita que contraiu o vírus durante suas férias.
"Estava de férias e fui a uma festa eletrônica. Lá eu abracei e cumprimentei muita gente! Vim embora dessa festa com uma dor muito forte nas costas e na mesma noite acordei cinco vezes para trocar de roupa, porque estava toda encharcada de suor. Eu estava queimando de febre e com muita dor no corpo", conta o influenciador.
Mello procurou ajuda médica e foi encaminhado ao Hospital Emílio Ribas para fazer um exame de detecção da varíola dos macacos - que já era suspeita pelos sintomas que o modelo apresentava.
"Fiquei isolado em uma sala e dois enfermeiros, bem cobertos, vieram realizar o exame. Eu chorei de dor. Os machucados pelo meu corpo viraram bolhas bem dolorosas, que além de doerem também queimavam. Eles retiraram um pedaço da minha pele e enfiaram um cotonete dentro do machucado para coletar todo material necessário. No final eu não aguentava mais de tanta dor, saía até sangue", relembra o DJ.
O influenciador recebeu pelo telefone a notícia de que havia contraído o vírus e prosseguiu isolado, fazendo o tratamento. Ele conta que a febre intensa durou cinco dias e que as dores pelo corpo se estenderam um pouco mais, por cerca de dez dias: "Eu só conseguia ficar deitado na maior parte do tempo".
Doug Mello conta ainda que, com o tempo, as bolhas explodiram e foram secando, mas que produziam uma coceira muito intensa. Hoje ele está curado e diz se sentir "novo e com muita vontade de voltar à rotina agitada".
"A maior orientação é não sair do isolamento, até mesmo minhas consultas passaram a ser on-line, eu não podia sair em hipótese alguma. Fiquei 25 dias em casa isolado", finaliza.
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