Os debates da 1ª Conferência de Direitos Humanos para Refugiados e Migrantes LGBTI, realizada em março deste ano em São Paulo e transmitida pelo Google Meets, podem ser conferidos na íntegra no e-book Projeto “Direitos Humanos para Refugiados LGBTI”, que está disponível online para os interessados . O evento foi realizado pela Casarão Brasil - Associação LGBTI, com apoio do Consulado do Reino dos Países Baixos, apoio institucional da Casa da Gente Brasil/Catalunya e da Rede Europeia de apoio às Vítimas Brasileiras de Violência Doméstica (Revibra).
A publicação foi desenvolvida a partir do conteúdo dos participantes dos debates da Conferência, documento atual que trata das políticas públicas para refugiados e imigrantes na cidade de São Paulo. O material será enviado para a Prefeitura de São Paulo, o Governo do Estado de São Paulo e o Governo Federal.
O objetivo, segundo o presidente da Casarão Brasil, Rogério de Oliveira, é oferecer propostas e parâmetros para a elaboração de políticas públicas consistentes e acolhedoras para essa população. “Vamos trabalhar para que a gente possa ter uma agenda para os próximos meses para que essa pauta, necessária e atual, continue”, afirmou.
No documento estão transcritas as palestras da fundadora da Revibra, Juliana Wahlgren; da Chefe de Gabinete de Relações Públicas da Prefeitura de São Paulo, Ana Cristina da Cunha Wanzeler; da jurista da Casa da Gente Brasil/Catalunya, Mariana Araújo; da representante da Rede de Mulheres Migrantes Lésbicas Bissexuais e Pansexuais (Rede MILBI+), Maria Paula Botero; do Cônsul Geral de Portugal, Paulo Nascimento; da representante do Consulado Geral dos Países Baixos, Gabriela Presti; e da Diretora de Proteção de Direitos de Minorias Sociais e População em Situação de Risco do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Marina Reidel.
A Conferência online abordou o tema “Políticas Públicas de Atendimento” e aconteceu no dia 17 de março, aberta a todos os interessados.
O encontro virtual debateu cidadania e inclusão de refugiados e migrantes LGBTI, em palestras com diferentes eixos temáticos.
Harmonização
Juliana, que também é Chefe de Litígio Estratégico da European Network Against Racism (Enar), afirmou que é muito importante entender como políticas públicas, medidas de proteção, práticas imediatas e legislações são feitas nesse sentido. Ela lembrou que a União Europeia trabalha em um mecanismo de harmonização de políticas públicas e na perspectiva de decidir conjuntamente como avançar e como proteger populações e minorias dentro do continente
A fundadora da Revibra apontou que a União Europeia não trouxe grandes revoluções, mas trouxe importantes evoluções na proteção de direitos fundamentais. Ela citou o sistema de asilo, que tenta ser humanizado no contexto europeu, e o visto de trabalho. “A integração econômica traz independência e autonomia ao imigrante”, afirmou.
Desafios maiores
Ana Cristina abordou a Promoção e Garantia de Acesso a Direitos Sociais e Serviços Públicos para migrantes e refugiados LGBTI. De acordo com ela, o processo migratório é muito sensível quando se refere aos imigrantes LGBTQIA+, com desafios ainda maiores. Ana Cristina lembrou que a cidade de São Paulo conta com o Plano Municipal de Políticas para Imigrantes.
“É um instrumento inédito entre os municípios brasileiros. Foi elaborado de forma participativa, com as contribuições de pessoas refugiadas e migrantes e de organizações internacionais”, afirmou Ana Cristina. O documento afirma a igualdade de direitos, que deve ser assegurada e promovida por toda a administração. Na prática, explicou, significa acesso integral à educação, saúde, trabalho, geração de renda e as redes de proteção específicas. “Esse documento foi reconhecido internacionalmente como vanguarda ao redor do mundo”, alegou.
Asilo eficiente
Inclusão Social e Reconhecimento Cultural foi o tema da palestra de Mariana Araújo, que destacou a importância da interseccionalidade entre um potencial solicitante de asilo e uma pessoa que pertence à comunidade LGBTQIA+. “A gente está num momento, apesar das sistemáticas progressões e melhorias, de se encontrar muitas violações”, disse. Segundo ela, a necessidade de provar a ameaça para solicitar asilo é um fator de dificuldade nesses processos.
Mariana citou que essas pessoas, sistematicamente expostas à violência e à exploração durante toda a sua, outra vez, durante a rota migratória, podem se deparar com violência, exploração sexual por traficantes em pontos fronteiriços, em campos de refugiado, exploração sexual ou trabalhista forçada, ser recrutado por rede de tráfico, muitas vezes de maneira inconsciente em países de trânsito. Ele defendeu que é preciso mudar a realidade de procedimentos de asilo inadaptados e insuficientes.
Participação
Maria de Paula discorreu sobre Atendimento de Demandas Específicas da População Migrante e Refugiada LGBTI, contando que é imigrante colombiana em São Paulo, onde mora há seis anos. Ela defendeu que construir processos e políticas públicas não é eficaz quando não há a participação de migrantes e refugiados LGBTQI+ participando dos trabalhos, tanto na construção quanto na execução.
“Por isso a gente construiu a rede e começou a fazer todo esse processo de visibilidade”, afirmou Maria de Paula. Ela apontou que muitos migrantes não têm status de refugiados, mas saíram dos seus países motivados por sua orientação sexual ou identidade de gênero. “O Brasil é bom, em muito sentidos, para a população LGBTQI+, mas também é um país proporcionalmente violento. Então, a gente tem que levar isso em consideração nos espaços migratórios”, comentou.
Proteção social
O Cônsul de Portugal em São Paulo, Sr. Paulo Nascimento tratou do Avanço das Políticas Públicas para a Comunidade LGBTI em Portugal, reconhecendo que ainda há problema de discriminação, não apenas em relação aos migrantes e refugiados LGBTQI+, mas também baseada em motivos raciais. “Seja como for, nenhuma dessas discriminações já curaram alguma sociedade que se quer desenvolvida e que é uma sociedade que nós queremos para o mundo”, afirmou.
Segundo Nascimento, o multilateralismo é o espaço próprio em que os estados podem fazer avançar uns aos outros, através de uma motivação comum. Ele defendeu a qualidade de vida por trabalho produtivo, com remuneração justa, que permite integração e proteção social. E disse que é preciso seguir esse caminho internacionalmente, de uma forma estruturada, através de campanhas de sensibilização e de afirmação. “É fundamental que se comece na escola com as crianças.”
Igualdade de tratamento
Gabriela Presti, assessora de cultura do Consulado Geral do Reino dos Países Baixos em São Paulo iniciou sua palestra sobre Promoção do Trabalho Decente a Refugiados e Migrantes LGBTI lembrando que na década de 50, candidatos homossexuais foram impedidos de trabalhar no setor público na Holanda, apenas por conta da sua orientação sexual. “Desde então, nós percorremos um longo caminho em direção à igualdade para as pessoas LGBTI. Em janeiro, na Holanda, foi estabelecido um novo governo, no qual os ministros de Defesa, Clima e Energia e Infraestrutura e Água são abertamente homossexuais e dois são casados legalmente”, contou.
Gabriela enfatizou que o direito à igualdade de tratamento está agora consagrado na lei holandesa, com amplo apoio público a princípios como direitos iguais de emprego e o direito de formar sua própria identidade e determinar a sua vida pessoal, bem como estar protegido da violência em casa e no espaço público. “Considerando o quanto a Holanda alcançou nas últimas décadas e como a legislação e as normas culturais evoluíram, há motivos para ser otimista”, alegou, embora nem sempre isso se reflita na prática.
Gabriela citou que as relações entre pessoas do mesmo sexo são criminalizadas em 72 países no mundo e as sanções variam de vários meses de prisão a penas de prisão perpétua ou até mesmo a pena de morte. “Em São Paulo, o Consulado Geral do Reino dos Países Baixos tem muito orgulho de apoiar o projeto “Direitos Humanos para Refugiados LGBTI” junto com a Associação Casarão Brasil”, afirmou.
Diálogo transversal
Marina Reidel falou sobre Acolhimento e Acesso a Serviços Públicos por Refugiados e Migrantes LGBTI, defendendo o diálogo transversal. Segundo ela, o Brasil avançou muito nas leis e tem buscado promover na igualdade de gênero através do Programa de Empregabilidade, criado em 2019.
“É um programa que foi desenhado com várias mãos para também ter esse recorte específico sobre a questão imigratória e, principalmente, a questão LGBT. A empregabilidade é um dos nossos temas. Para além disso, a gente tem o combate à violência, discriminação, e aí a gente trabalha com todas as transversalidades possíveis, porque nós vamos ter LGBT desde a criança, o adolescente, até o pós-morte”, disse.
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