A divulgação de fotos e vídeos íntimos sem o consentimento da pessoa ali exposta é crime, que recebeu o nome de “revenge porn”. Apesar de se colocar as mulheres como principais vítimas, todas as pessoas estão vulneráveis a esse tipo de prática – que pode envolver ou não extorsão de dinheiro –, que tem como intuito difamar a imagem de alguém por meio de conteúdos explícitos.
Não é só quem tem relacionamentos heteroafetivos que estão vulneráveis ao revenge porn: uma pessoa LGBTQIA+ também pode ser exposta, independentemente se a pessoa que divulga o conteúdo é uma ex-cônjuge ou uma pessoa encontrada em aplicativos com quem se teve um breve relacionamento. A divulgação é capaz de impactar fortemente a vida de alguém e deve ser levada com seriedade e uma rede de apoio sólida.
Apesar de ser amplamente conhecido como “revenge porn”, a advogada Glenda Gondim explica que a terminologia para o golpe é equivocada por remeter à pornografia. “Contudo, trata-se de um material elaborado não com este intuito, mas sim de expor fotos e gravações que foram feitas e obtidas durante um relacionamento em razão da confiança entre as partes”, reforça a especialista.
O psicanalista e sexólogo Gustavo Rosa, colaborador da plataforma Sexo Sem Dúvida, afirma que, além de comprometer a integridade moral, existem grupos de pessoas que tentam extorquir financeiramente a vítima. Ele explica que essas pessoas atuam, principalmente, em aplicativos de relacionamento héteros e homoafetivos. “Essa pessoa grava escondida a relação sexual ou convence a outra no ato para dizer que é um filme para ser assistido depois. No momento certo, esses bandidos utilizam as gravações para extorquir”, explica.
Os danos psicológicos e na vida social da pessoa LGBTQIA+ exposta são expressivos. “Por exemplo, essa pessoa pode não ser abertamente LGBT para a sociedade ou para a família e mantém relações sexuais escondido. Quando a pessoa que age de má fé sabe ou descobre, utiliza disso para ganhar dinheiro”.
A vítima ainda tem a confiança abalada, tanto nela própria como em outras pessoas em futuros relacionamentos, ou não suportar a exposição, o que pode resultar em transtornos mentais ou até suicídio.
O sentimento de culpa também é muito presente. “A pessoa passa a se perguntar “por que deixou isso acontecer” ou “por que permitiu aquilo”, mas é importante que a vítima não se esqueça que a culpa não é dela, que foi usada”, aponta o psicanalista.
Fui vítima de revenge porn. E agora?
Glenda explica que a definição existente na lei para punir a divulgação de fotos ou vídeos obtidas sem o consenso de uma das partes existe. Trata-se do Artigo 218-C do Código Penal, que também resguarda casos de menores de idade, o que acaba se encaixando como estupro de vulnerável.
“Mas, como o revenge porn diz respeito a fotos e vídeos obtidos durante um relacionamento, em que normalmente há consenso da outra parte para a sua gravação, mas esse consenso não existe na divulgação. Aqui, é necessário fazer uma interpretação de que o legislador pretende abranger também esta situação”, pondera a advogada.
“Desta forma, todas as vítimas, independente do gênero ou da orientação sexual, podem requerer a aplicação da sanção penal e civil, que se trata da responsabilidade civil. Civilmente, será possível requerer indenização pelos danos morais sofridos, diante da divulgação indevida e não autorizada de imagens”, acrescenta Glenda.
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A proteção a vítimas de revenge porn foi reforçada com o Marco Civil da Internet, em 2014, em que está previsto no Artigo 21 a exclusão imediata por redes sociais ou aplicativos de internet de materiais explícitos divulgados sem consenso. No entanto, este processo pode ser demorado e intensificar a angústia sentida pela vítima.
“Às vezes, após a denúncia, o conteúdo é avaliado internamente, o que pode levar algum tempo. Na internet tudo é muito rápido. Em questão de nanossegundos, milhões de pessoas podem ter acessado uma foto ou visualizado um vídeo. Ainda que a exclusão ocorra em questão de horas, a situação como um todo pode gerar um grave dano para a vítima”, contextualiza.
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O ato de ameaçar alguém com a divulgação do conteúdo também é crime e pode ser denunciado. Isto porque o material pode afetar direitos da pessoa ameaçada e trazer consequências nocivas para a vida dela. A ação se enquadraria no ato de “mal injusto e grave”, presente no Artigo 147 do Código Penal.
Mesmo em um relacionamento de confiança, a advogada aponta que a recomendação primordial é evitar que atos sexuais sejam documentados em fotos ou vídeo. No entanto, caso haja algum registro feito, é possível realizar um requerimento de informações sobre o que a outra pessoa possui e requerer uma “obrigação de não fazer”. Essa ordem precisa ser judicial e institui multas para caso o acordo seja descumprido.
Quando o material é de fato divulgado, Glenda afirma que é necessário solicitar a exclusão do material no local em que foi divulgado (geralmente redes sociais ou sites de conteúdo adulto) e realizar pedidos de sanções civis e criminais. A especialista explica que as redes sociais atualmente contam com ferramentas próprias para denunciar e pedir a remoção do material sem necessidade de intervenção judicial.
“Atualmente, após muitas reclamações e cobranças mundiais sobre a divulgação de imagens, especialmente envolvendo menores, percebe-se que as redes sociais excluem o conteúdo que contenha cenas de nudez ou atos sexuais com grande rapidez após a realização da denúncia”, diz a advogada. No entanto, apenas essa exclusão pode não ser o suficiente. “Há vários desafios a serem enfrentados pela vítima, desde a comprovação de quem fez a divulgação até a retirada deste material.”
É comum que esses vídeos sejam divulgados por perfis falsos e, além disso, não é possível controlar o número de acessos, downloads ou prints realizados, tampouco como foram utilizados. “Um exemplo é quando alguém disponibiliza gravações de nudez em uma rede social. Denunciada a publicação, se a própria rede fizer a exclusão do material, não será possível saber quem acessou, quem baixou esse vídeo e quem o possui em seu computador. Infelizmente, aplica-se o ditado popular de que ‘a internet não esquece’”, analisa. Caso a foto ou vídeo tenha sido replicada em outras plataformas, é necessário realizar um requerimento para que um juiz determine a exclusão.
Depois que o material foi averiguado criminalmente e que sanções tenham sido impostas ao criminoso, a vítima pode requerer judicialmente a indenização por danos morais. “Caso tenham ocorrido outros danos que podem ser comprovados, como motivo de chacota ou perda de emprego, também poderá ser pleiteada a indenização”.
Apoio emocional é fundamental
Além da denúncia, Gustavo afirma que o suporte emocional ou jurídico oferecido por amigos e familiares é fundamental para a pessoa que foi exposta. “O apoio pode ser dado levando essa pessoa até a delegacia para realizar um boletim de ocorrência, procurando um advogado ou abrindo o processo, por exemplo”. Ele indica que o importante é deixar os julgamentos de lado e não dizer frases que podem reforçar o sentimento de culpa, mas que acolham e indiquem que é uma situação que tem solução.
Como reduzir os casos de revenge porn?
Além das legislações já existentes para agir em casos de ameaça ou exposição do conteúdo, Glenda aponta que a prevenção é melhor do que a punição. “Como o acesso na internet é muito rápido e dificilmente se terá um controle sobre quem acessou, baixou ou gravou o vídeo ou foto, evitar o dano é mais importante”, diz a advogada.
A especialista aponta que a melhor maneira de se fazer isso é fomentando uma educação digital mais ampla e eficaz, principalmente para a população mais jovem – já que é a que mais está conectada e, consequentemente, corresponde ao maior número de vítimas. “Com isso, o ideal seria pensar em legislação que imponha políticas públicas de prevenção; além de maior conscientização para evitar que essas cenas sejam feitas e, quando feitas, a vítima não seja punida”, conclui.
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