Fernanda Falcão já foi agredida diversas vezes e levou um tiro em uma unidade prisional
Arquivo pessoal
Fernanda Falcão já foi agredida diversas vezes e levou um tiro em uma unidade prisional

Além de ser um dos países que mais mata pessoas LGBTs no mundo, o Brasil assiste hoje mais uma defensora dos direitos desta população se exilar para salvar sua vida. Desta vez é Fernanda Falcão, travesti de 30 anos da cidade de Recife (PE), que precisou se mudar às pressas após ter a casa atacada com tiros e enfrentar dificuldades em contar com a proteção do Estado.

A história de Fernanda retrata a vida da maioria das pessoas trans no Brasil. Expulsa de casa aos 15 anos, a recifense foi morar com o então companheiro e precisou recorrer à prostituição para conseguir se sustentar. Estima-se que 90% da sigla T do nosso país têm a prostituição como fonte de renda e única possibilidade de subsistência. É o que mostra um levantamento feito no último ano pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra).

"Mesmo expulsa de casa, eu não desisti de estudar. Tinha entrado na faculdade de enfermagem aos 16 anos, mesmo ouvindo que travesti não podia estar ali. Era a prostituição que pagava minha universidade", conta Fernanda. Mas o sonho de mudar de vida pela educação acabou durando pouco tempo. A recifense foi acusada de tráfico de drogas no ponto em que se prostituía e, aos 18 anos, foi presa, entrando mais uma vez para a triste estatística de pessoa trans vivendo no Brasil. "Fiquei no cárcere por três anos e três meses, até sair um vídeo que mostrava a policial colocando a droga na minha bolsa. Nem uma desculpa da juíza eu tive”, relembra.

E foi após o cárcere que Fernanda decidiu dedicar a vida dela à militância do movimento LGBTQIA+, ajudando outra pessoas trans em situação de cárcere, pobreza e prostituição. Desde então ela passou em um concurso público municipal e atua no Núcleo LGBT da Secretaria de Desenvolvimento Social de Recife. "O mundo trans é muito recluso, tentamos ao máximo possível proteger uma a outra. É impossível ver uma pessoa sendo tratada como animal e não reagir", ressalta a ativista.

Fernanda Falcão
Arquivo pessoal

Fernanda Falcão pagou a universidade com dinheiro da prostituição

Ser uma travesti preta e uma defensora dos direitos humanos colocou Fernanda em uma situação de extrema vulnerabilidade e perigo. Durante os últimos 10 anos, a ativista foi agredida diversas vezes, ameaçada de morte e chegou a tomar um tiro quando fazia uma visita em uma unidade prisional. Até que as ameaças da rua chegaram a casa dela. Em junho de 2021, Fernanda voltou de um resgate que fazia em uma casa de prostituição clandestina e teve a casa invadida por homens, que atiraram contra ela. A ativista conseguiu se proteger atrás de uma parede da cozinha e salvar sua vida.

"Vivemos em um momento político, com este presidente (Jair Bolsonaro), que as coisas ficaram potencializadas. O ódio sempre existiu e é histórico contra corpos trans, mas agora as pessoas começaram a falar, por para fora o ódio de forma clara, sem receio de punição. Para os defensores dos direitos humanos está muito difícil, estão nos matando e nos calando. São capazes de tudo", diz Fernanda.

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Depois do ataque, a ativista recorreu à polícia para pedir proteção. Para ter acesso, ela precisaria ficar reclusa em um local determinado pelo Estado, sem poder sair ou receber visitas. "Me senti super humilhada da forma desumana que eles me trataram. Me recusaram escolta, tive que pagar do meu bolso", explica.

A ativista então decidiu ficar escondida na casa de amigos até conseguir realizar uma vaquinha virtual para poder se mudar de país. Há 10 dias fora, Fernanda se sente mais segura e diz que agora consegue sair na rua sem medo de perder a vida. A palavra esperança, no entanto, ainda consta em seu vocabulário.

"Eu queria voltar para o Brasil agora, mas não posso. Aí tem meus amigos, minha mãe, meus sonhos e tudo que construí uma vida inteira. Como não sou muito conhecida, pode ser que eu volte e pague um preço caro por isso, mas vou voltar, pois visualizo uma melhora", explica. "Não sei se estarei viva, mas vamos mudar a história", conclui a ativista.

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Fernanda não divulga o país que está por uma questão de segurança, mas conta que foi acolhida por amigos e sobrevive com ajuda da vaquinha virtual. O processo de asilo político está sendo analisado pelo governo local.

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