Adesivos que sinalizam áreas
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Adesivos que sinalizam áreas "livres de LGBTs" na Polônia

A criação de leis anti-LGBT e a institucionalização da LGBTfobia cresceu na Europa no ano de 2021. Paradoxalmente, também aumentou na mesma proporção a ação civil em prol dos direitos LGBTQIA+ , bem como manifestações e iniciativas para conseguir conquistar e consolidar legislações voltadas para as necessidades da comunidade. É o que aponta o 11º Anuário da Associação Internacional Lésbica, Gay, Bissexual, Trans e Intersexo (ILGA), que mapeia a situação dos direitos humanos desta população na Europa e na Ásia Central.

O relatório aponta que houve um aumento severo da retórica anti-LGBT por parte de líderes e políticos que, como consequência, causou ondas de violência contra esta comunidade e diversas denúncias de crime de ódio em todos os 54 países analisados.

Esse impacto negativo, segundo a instituição, também é causado pela disruptura dos regimes democráticos e a instabilidade política de diversos países em países como Bielorrússia, Turquia, Cazaquistão e Azerbaijão.

Na Alemanha, estima-se um aumento de 39% dos crimes de ódio contra pessoas LGBTQIA+. Além disso, um aplicativo usado para reportar esses crimes na França recebeu 3.896 denúncias ao longo de 2021. Estima-se que esse aumento também esteja conectado com o segundo ano de surtos de Covid, em que esta população é vulnerável a violência doméstica praticada por familiares, além de assassinatos e estupros coletivos. O aumento da brutalidade policial também foi registrado.

Esse cenário contribuiu com a piora da saúde mental e o aumento de suicídios. Como exemplo, os dados apontam que metade da população de estudantes LGBTQIA+ da Dinamarca tem pensamentos suicidas ou de automutilação, enquanto 82% do mesmo público na Irlanda do Norte já pensou em suidício. Cerca de 80% se sentem inseguros em escolas da Ucrânia e 40% faltou à escola por medo.

Em meio aos protestos contra os governos, a população LGBT foi perseguida e organizações que dão amparo à população, bem como publicações e ativistas, também foram alvos. Além disso, pessoas consideradas inimigas de estado foram obrigadas a “confessar a homossexualidade” em vídeo.

Entre os países mais opressores para a população estão a Hungria e a Polônia, que instituíram diversas legislações contra LGBTs. O anuário cita como um marco o dia 15 de junho, quando a Hungria introduziu uma lei que bane “a promoção e retrato de identidades de gênero diferentes da o sexo ao nascer, mudanças de sexo e homossexualidade” para pessoas menores de 18 anos, ação similar à anti-propaganda LGBT na Rússia. Além disso, diversas cidades da Polônia passaram a se identificar como “zonas livres de anti-LGBTs”. Como resultado, cidadãos LGBTs estão deixando esses dois países.

No entanto, houve um ponto alto nesse sentido quando 18 países membros da União Europeia tomaram a decisão histórica de condenar a criação dessas leis, apesar de Eslováquia e Romênia terem indicado que poderiam copiar esse tipo de legislação.

Evelyne Paradis, diretora executiva da ILGA na Europa, afirma que a decisão foi histórica de comprometimento da União Europeia com os direitos humanos de LGBTs.“O parlamento europeu também adotou sua resolução aos direitos humanos LGBTIQ na Europa, dando forte apoio à intenção da Comissão Europeia de propor legislações em diversas áreas para proteção dos direitos LGBTI e condenação onde membros do estado não estiverem respeitando essas leis”, explica em comunicado.

“Esse relatório demonstra um ano em paralelo na Europa, com instituições nacionais e institucionais e cortes tomando responsabilidade para os direitos humanos de pessoas LGBTI com máxima gravidade em meio à muito clara escalação e instrumentalização do ódio contra pessoas LGBTI por ganho político e expansão de poder”, acrescenta Katrin Hugendubel, diretora de advocacia da ILGA.

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As manifestações contrárias à comunidade LGBTQIA+ ressignificaram a bandeira do arco-íris, que representa a população. A ILGA apurou que houve queima de bandeiras e que pinturas em paredes foram atacadas em ao menos nove países, incluindo Espanha, Alemanha, Finlândia, Itália, Irlanda e Noruega.

O relatório indica ainda que a falsa narrativa que coloca o direito de pessoas trans contra o direito das mulheres continuou a interferir em progressos para ambos os lados no último ano em países como Sérvia, Espanha e no Reino Unido. Com isso, as discussões sobre gênero no parlamento de cerca de dez países ficaram estagnadas, como Eslováquia, Suécia, Eslovênia, Finlândia e Bélgica.

Opinião pública não concorda

A ILGA afirma que os dados coletados pelo relatório apontam para uma discordância por parte da população civil em relação às leis anti-LGBT. Isso é demonstrado pelo crescimento de apoio em países onde este discurso é feito com veemência pelas lideranças e pelas ações realizadas pelas Instituições Nacionais de Direitos Humanos (NHRIs).

“Enquanto os números e resultados são promissores e ilustrações emocionantes da força e impacto do trabalho feito pela sociedade civil e o movimento LGBT global, regional e local, não devemos nos esquecer da luta que ativistas em toda Europa e Ásia Central enfrentam para criar um mundo em que todos possam desfrutar de direitos humanos e ser a si mesmo”, afirma Soudeh Rad, co-presidente do conselho europeu da ILGA.

Na Hungria, por exemplo, o apoio à comunidade LGBTQIA+ nunca foi tão alto, o que é demonstrado por meio de enquetes feitas no país. Na Sérvia, 60% da população se posicionou a favor da proteção de pessoas trans, apesar de não terem contato com nenhuma no cotidiano. Em torno de 48% da população da Romênia acredita que todas as famílias devem ser protegidas, incluindo as formadas por pessoas LGBT, enquanto 40% da Bulgária apoiaria um partido pro-LGBT.

Em diversos países, a população civil e ativistas organizaram manifestações e protestos para demandar por mais direitos. Foram os casos da Noruega, em que jovens da oitava série organizaram a primeira Parada do Orgulho em uma cidade do país, e da Ucrânia, em que jovens LGBTs fizeram uma rave de seis horas do lado de fora do gabinete presidencial pedindo por mais legislações contra crimes de ódio.

O relatório aponta que, durante a pandemia do coronavírus, todos os países falharam em oferecer assistência especializada para sanar as necessidades da população LGBT. Esse papel foi preenchido por organizações civis que providenciaram testes médicos, segurança alimentar e suporte à saúde mental. No entanto, o trabalho foi feito com sufoco, já que essas organizações tiveram queda no faturamento.

Outros indícios de que o apoio à esta comunidade aumentou significativamente em 2021 incluem o reconhecimento de direitos de pessoas intersexo, com Alemanha banindo cirurgias de “adequação sexual” e a os Países Baixos pedindo desculpas a vítimas de esterilização; a ênfase na criminalização das chamadas terapias de conversão, com uma lei específica aprovada por unanimidade na França ; o aumento da empregabilidade trans; e o aumento de leis e iniciativas para acabar cos crimes de ódio.

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** Camila Cetrone é formada em jornalismo. Desde 2020, é repórter do iG e tem experiência em coberturas sobre cultura, entretenimento, saúde, turismo, política, comportamento e diversidade; com ênfase em direitos das mulheres e LGBTQIA+, na qual está inserida como bissexual. É autora do livro-reportagem “Manda as Bicha Descer”, resultado da apuração de um ano na casa de acolhida LGBT Casa 1, no centro de São Paulo. Coleciona livros, vinis e estuda cinema nas horas vagas. Ama contar e ouvir histórias, cantar mal no karaokê e memes autodepreciativos (jura que faz terapia).

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