Cada vez mais pessoas têm se interessado em itens reutilizáveis para usar durante o período menstrual. As calcinhas absorventes já existiam há alguns anos, mas com o crescimento da demanda de homens trans, o mercado tem investido também nas cuecas menstruais.
As peças têm como intuito tornar o ciclo menstrual mais confortável tanto para pessoas cis como para mulheres trans. No entanto, ter no mercado produtos que sejam pensados para pessoas que menstruam que estão dentro do espectro trans significa um grande diferencial para a visibilidade e para a autoestima dessa população. Nesses casos, só a absorção não importa: é preciso pensar design, cores e até comunicação para fazer com que o público se sinta acolhido.
O estagiário Miguel Trombini, um homem trans, e a repórter Camila Cetrone, uma mulher cis, avaliaram o uso da cueca e da calcinha menstrual e contam como as peças melhoraram o ciclo menstrual de cada um. Além disso, eles analisam como as peças funcionam na prática e contam se vale a pena investir.
Boxer de Fluxo Moderado da Pantys: segurança, conforto e praticidade
Avaliação do estagiário Miguel Trombini
É bastante complicado conseguir abarcar todas as demandas que envolvem o termo “pessoas que menstruam”. Mais do que simplesmente mulheres, homens trans e pessoas de identidade não-binária com útero, há uma gama de especificidades pelas quais cada um passa durante os períodos menstruais, então ter uma variedade de produtos que realmente funciona se torna uma necessidade gritante.
Desde que comecei a menstruar, sentia muito desconforto com os absorventes comuns que, para mim, nunca foram confortáveis, tampouco econômicos. Para além das questões práticas, ao me descobrir transgênero, toda relação complicada que eu já possuía com a menstruação foi potencializada pelo simples fato de não existir espaço para pessoas como eu. Homens que menstruam não são citados na indústria, muito menos priorizados, ou seja, assistir aos comerciais de absorvente apenas com mulheres cis já era um estímulo para minha disforia.
“Como eu posso menstruar e existir?”, era o que me perguntava. Não ter nenhuma garantia de que os meus sentimentos, as minhas necessidades e especialmente a minha existência seriam respeitados era o mesmo que ser invisível perante a qualquer ambiente. Passar no caixa do supermercado com um pacote de absorvente e automaticamente ser chamado de “moça” me mostrava o quanto a menstruação sempre foi única e exclusivamente pensada para mulheres cisgênero – e mesmo assim ainda apresenta falhas.
Cada relação com a menstruação é muito única, e todas as pessoas que menstruam precisam ter as respectivas necessidades atendidas de modo realmente efetivo. Em vista disso, testar as cuecas boxer para fluxo moderado da Pantys, marca brasileira que lançou cuecas voltadas para homens trans e não-binários em junho do ano passado , me deixou bastante entusiasmado. Foi a primeira vez em que o termo “cueca absorvente” deixou de ser uma esperança para tornar-se realidade.
Logo à primeira vista, o que me surpreendeu foi a variedade de tamanhos. Além de transgênero, eu, como pessoa gorda, tenho meu corpo excluído de muitos espaços. Foi uma mistura de pensamentos, mas o principal deles era “e se não couber em mim?”. Mas coube, porque as cuecas vão do tamanho P ao XXGG.
Cada unidade custa R$ 99, sem contar o frete, e levando em consideração que um pacote de absorventes com 32 unidades pode chegar até a R$ 20 dependendo da marca, mas é descartável, se somar a quantidade de dinheiro gasto com absorventes em um ano vale muito mais à pena ter algumas unidades da cueca que pode ser reutilizada em média por 50 vezes – além do fato do tecido ser biodegradável.
O material das cuecas é 100% algodão e muito macio ao toque. O conforto foi a primeira coisa que chamou minha atenção assim que a vesti, porque a peça se molda muito bem ao corpo e oferece segurança. Em nenhum momento me peguei questionando se o fluxo estava vazando – e de fato não tive problemas com vazamentos. A cueca também não marca sob a roupa, mesmo as mais justas, o que elevou muito minha autoestima durante o período menstrual.
A peça segurou bem o fluxo por um período de aproximadamente 12 horas de uso, quando se é aconselhável trocar. A própria cueca absorvente lhe avisa quando é necessário colocar outra: caso a sinta bastante úmida ou pesada, é o momento de vestir uma nova. Com as cuecas, não tive muitos dos problemas que surgiam com o uso dos absorventes descartáveis, como quando eles ficavam tortos ou causavam coceiras devido ao atrito.
Nos primeiros dias já me senti mais confortável comigo mesmo, não apenas por estar usando um produto de boa qualidade, mas também porque sabia que a peça foi desenvolvida para pessoas como eu, com corpos como o meu. A menstruação, que era uma questão muito complicada para mim, deixou de se tornar algo que me invisibiliza para ser apenas mais uma parte de quem eu sou: um homem com útero.
Calcinha Absorvente Amor da Inciclo: autoestima, leveza e segurança
Avaliação da repórter Camila Cetrone
Meu período menstrual sempre foi motivo de muito incômodo para mim e, certamente, esse é um sentimento que compartilho com muitas outras pessoas que menstruam. Primeiramente por seus “efeitos colaterais” no meu corpo: um forte inchaço, um intestino que insiste em não colaborar comigo, ondas de calor e as cólicas; além de uma TPM brava que me faz oscilar de humor de forma ainda mais evidente.
Não fosse tudo isso, o ato de menstruar assim sempre foi tenebroso para mim. Meu fluxo sempre foi intenso e bastante desregulado (algo que, ainda bem, tem sido consertado com o passar dos anos), o que me fez passar por diversas situações desconfortáveis; desde escapadas na roupa ou no lençol até vazamentos que me deixavam com medo de me levantar na hora de ir embora no período da escola.
Desde então, mesmo nos dias mais tranquilos, essas sensações se mesclam e resultam em um período, no mínimo, caótico. Até que comecei a tentar usar outros tipos de absorventes que não os convencionais de algodão. A calcinha absorvente foi um dos métodos que mais me apaixonei e que mais facilitaram minha rotina durante o período.
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Pessoalmente, encaro o uso das calcinhas absorventes como um ganho que vai além do conforto. O impacto financeiro também é imenso. O preço de uma calcinha pode parecer salgado em um primeiro momento, mas deve-se levar em conta que ela pode ser reutilizada e, se mantida de forma correta, deve durar uma década!
Coloque o preço na ponta do lápis e compare o quanto você gasta atualmente com absorventes descartáveis. No meu caso, posso economizar cerca de R$ 240 por ano se eu usar exclusivamente calcinhas absorventes.
Além disso, é uma alternativa ideal para gerar menos lixo e passar pelo período de forma mais ecológica. Só no Brasil, estima-se que pessoas brasileiras descartem 3 kg de absorvente no lixo por ano. Uma pessoa que menstrua entre os 11 e 54 anos, por exemplo, pode descartar até 130 kg de resíduos ao longo da vida. Além disso, há pesquisas que indicam que um absorvente demora até 400 anos para se decompor.
Devido ao fluxo intenso, que geralmente dura de dois a três dias, eu já havia testado calcinhas mais reforçadas. Apesar de já ter alguma familiaridade com a peça há pelo menos um ano, fiquei receosa ao testar uma peça para fluxo leve, como é o caso da Calcinha Absorvente Amor, presente na nova linha de calcinhas Todas as Formas, da Inciclo.
Meu maior receio era usar uma calcinha que não suportasse os escapamentos de sangue enquanto a menstruação vai se “abrandando” e eu acabasse passando pelas mesmas situações desconfortáveis que a Camila de uma década atrás passou. Tanto que o primeiro pensamento que tive com a peça foi: “Ih, será que vai dar certo?”.
O intuito das peças da linha Todas As Formas, segundo a descrição da Inciclo, é criar peças confortáveis e com fácil adaptação para cada tipo de corpo – algo facilmente notado tanto na vasta opções de modelos e de tamanhos, que vão do PP ao XGG.
No entanto, a julgar pelo nome “Todas As Formas”, senti falta da disponibilidade de cuecas absorventes para pessoas que não são mulheres cisgênero e que também passam pela menstruação, como homens trans, pessoas transmasculinas e pessoas não-binárias, por exemplo. Por enquanto, a única cueca disponível no catálogo da marca é voltada para homens cis com incontinência urinária.
A Calcinha Amor, que foi a que avaliei, apresenta um modelo mais cavado, com renda floral no cós e tecido duplo. O modelo sofisticado e que evoca sensualidade fez maravilhas para minha autoestima. Afinal, entre suores e dores é muito fácil sentir o amor próprio se esvaindo do próprio corpo.
Gostei da forma como a calcinha se ajustou bem no meu corpo e valorizou meus traços; além do conforto proporcionado, já que a calcinha não aperta e nem causa assaduras pelo atrito com a pele. Vale lembrar que o tamanho adequado tem impacto direto na absorção do fluxo e no conforto de cada pessoa durante o ciclo. Uma calcinha larga pode causar a sensação de vazamentos ou, eventualmente, acabar facilitando para que eles ocorram.
Por se tratar de uma calcinha de fluxo leve, decidi começar a usá-la a partir do momento em que notava a diminuição do meu fluxo. Isso abriu meus olhos para o fato de que um período menstrual raramente é o mesmo do início ao fim e, portanto, quanto maior for o leque de calcinhas que comportam fluxos diferentes, melhor vai ser o aproveitamento no cotidiano. Isso vale principalmente para quem quer abandonar de vez os absorventes descartáveis, seja por motivos de praticidade ou de sustentabilidade.
A calcinha comportou bem o fluxo moderado a leve; ou seja, a calcinha segurou os temidos escapes e conseguiu me entregar até 12 horas sem vazamentos e sem aquela sensação de umidade, algo muito corriqueiro nos absorventes externos de algodão. O tecido leve e confortável também possibilitou que eu dormisse com a calcinha confortavelmente, sem surpresinhas no lençol pela manhã.
É possível sentir o quanto a calcinha absorveu por meio do peso dela: caso sinta que a peça ficou pesada em menos tempo, o ideal é trocar. Por motivos de higiene da região íntima, é importante fazer a troca em até 12 horas.
A higienização da peça é rápida e sem segredos: deve ser feita em água corrente com sabonete líquido neutro ou lava roupas líquido. Basta esfregar e apertar até que a água vermelha saia transparente e, depois, colocar para secar longe do sol. No caso da calcinha da Inciclo, não precisei demandar muito tempo nesse processo e a calcinha ficou limpa rapidamente.
Desde o modelo até a resistência da peça, percebe-se o empenho da marca para entregar o que realmente cumpre ao que se propõe. O preço da Calcinha Amor é de R$ 99, um preço um pouco acima das concorrentes no mercado. No entanto, o preço elevado está mais relacionado ao modelo mais sofisticado da calcinha. No site da Inciclo, é possível achar modelos mais simples de diversos fluxos a partir de R$ 60.