Mulheres derrubam o falocentrismo e provam que o sexo pode ser melhor ainda sem homens
Mahrael Boutros/Pexels
Mulheres derrubam o falocentrismo e provam que o sexo pode ser melhor ainda sem homens


Falar sobre sexo, na grande maioria das vezes, leva os indivíduos a pensarem automaticamente em uma relação composta por um homem e uma mulher, ambos cisgênero. Trazer à tona temas e discussões relacionados ao sexo que fogem da heteronormatividade , além de causar polêmica, evidencia como esse tema ainda é pouco difundido e colocado em pauta, o que faz com que muitos fatores importantes sejam ignorados. 

Fugindo da ótica heterossexual e colocando em foco as relações sexuais entre mulheres cis, especialmente mulheres lésbicas , há dois tópicos essenciais que podem (e devem) ser debatidos: o falocentrismo e a fetichização. Uma vez que os envolvimentos homoafetivos e sáficos (relações entre duas mulheres) são estruturalmente marginalizados e invisibilizados, além dos tabus, existem estereótipos e reflexos da heteronormatividade e do sistema patriarcal que respingam nessas relações. 


Carla Geane, sexóloga da INTT, explica como muitos homens invalidam relações sexuais entre duas mulheres e como o machismo influencia a forma que essas dinâminas são lidas e julgadas. 

“Existe uma crença muito grande por parte dos homens que o pênis é essencial para que as mulheres cheguem ao orgasmo e tenham uma satisfação sexual muito grande. Sabemos que essa é a fantasia número um deles [os homens], que é a relação entre duas mulheres e um homem, pois quando ele pensa nisso ele imagina que é o mais importante dentro dessa relação, pois ele oferece aquilo que as duas mulheres não tem, que é o pênis, e, na visão dele, satisfazer duas mulheres é reforçar o ego masculino, seria meio que um atestado da masculinidade dele", diz. 

Alaine de Santana, mulher lésbica, ressalta que há várias maneiras de fazer sexo, explorando diferentes pontos erógenos, e, portanto, a crença de que o pênis é “fundamental” para qualquer relação realmente prazerosa é falha. 

“O sexo pode ser praticado de diversas formas. Não há uma única maneira de sentir prazer. O toque, o olhar, a conversa, o beijo, entre tantas situações que mexem com a imaginação e a libido são essenciais para um sexo prazeroso e, não, o pênis não precisa estar presente para isso acontecer”, pontua. 

O objetificação das relações lésbicas, ou seja, a visão fantasiosa e fetichista que permeia essa dinâmica, de acordo com a sexóloga Lelah Monteiro, acabando “podando” as mulheres lésbicas de vivenciar a própria sexualidade plenamente.

“Até mesmo nos descritos e nos tratados da sexologia se fala muito em ‘objeto sexual’. Atualmente, está na hora de expandir esses horizontes e olhar mais para os desejos dessas mulheres e não apenas para o orgasmo em si. A ideia que o pênis é essencial nessa relação resgata muito da ideia do sexo como um processo de coito, unicamente para reprodução. Sem falar que ainda se fala pouco do próprio clitóris, que tem muito mais terminações nervosas do que um pênis”, pontua. 

As mulheres lésbicas lutam por visibilidade dentro da sigla LGBTQIAP+
Darina Belogonova/Pexels
As mulheres lésbicas lutam por visibilidade dentro da sigla LGBTQIAP+

Dentro de toda a visão fetichista, um ponto importante a ser levantado é o próprio pornô lésbico, produzido majoritariamente para ser alvo de desejo e satisfação dos homens cis, colocando-os acima das relações lésbicas e sáficas. Alaine explica como essas produções são violentas.

“Nesses filmes, as mulheres sempre são hiperfemininas, com unhas enormes, representam um sexo irreal, forçado e totalmente pelo e para o olhar do homem e, com isso, há a contribuição da lesbofobia sobre os nossos corpos, contribuindo com a falta de respeito sobre nosso afeto. Não é à toa que tantos homens nutrem um fetiche de transar com duas mulheres. Em contrapartida, há os que, ao notarem uma lésbica ou um casal de mulheres trocando carinho, as agridem fisicamente ou verbalmente. A demonstração de amor entre duas mulheres afeta diretamente o ego de alguns homens que não conseguem aceitar e compreender que uma lésbica possa viver sem a presença masculina”, elucida. 

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Carla ressalta ainda que, além do sexo em si, o corpo e as vontades das mulheres também são alvo das críticas e do desejo masculino, que as obriga a seguir certos padrões e comportamentos criados para agradar a figura do homem cis e que negligenciam totalmente a liberdade dessas mulheres.

“Existe uma objetificação da figura feminina em todos os sentidos, desde cobrar uma estética dessa mulher, ou seja, ela tem que atender todos os anseios e a necessidade da sociedade, que prega que uma mulher tem que ser bonita, estar magra, cuidada e com o corpo firme. Ela é tão objetificada que tem que se enquadrar em um padrão do desejo masculino e do desejo social, inclusive. Por ser tão cobrada, essa mulher acaba não se aceitando do jeito que ela é e perde a oportunidade de expressar sua sexualidade de uma maneira plena”, afirma. 

Esse tipo de incentivo sexual, ou seja, a reprodução desses padrões para garantir que o sexo lésbico esteja de acordo com os desejos masculinos e não com as vontades genuínas e independentes dessas mulheres, resgata, na visão da sexóloga holística Virgínia Gaia, um termo muito utilizado na década de 90.

“Nessa época, emergiu o termo lesbian chic, que envolvia certa glamourização das relações lésbicas, incentivando-as. Esse incentivo, porém, não era para que elas explorassem a sexualidade delas livremente; era um incentivo para garantir o prazer masculino e para controlar o prazer feminino. Ainda bem que o termo caiu em desuso”, explica. 

Ainda de acordo com a sexóloga, a ideia de que a mulher é uma propriedade do homem e, portanto, passível de controle, influencia diretamente na autonomia das relações sexuais dessas mulheres. 

“Ela [a mulher] ainda não tem uma autonomia completa em relação à própria sexualidade. Essa brincadeira que os homens fazem com casais lésbicos, dizendo ‘ah, se eu estivesse aí no meio’ mostra como os homens se sentem donos desses corpos e acham que podem legislar essas relações. Eles não conseguem entender que esses casais lésbicos, por exemplo, simplesmente não sentem falta de um pênis”. 

Os cuidados

Mulheres derrubam o mito que, para ter sexo, precisam de um pênis
Tim Samuel/Pexels
Mulheres derrubam o mito que, para ter sexo, precisam de um pênis


Virgínia chama a atenção para o fato de que a desigualmente está até mesmo na distribuição de preservativos. As camisinhas penianas, de acordo com ela, são distribuídas em muito maior escala do que as camisinhas para vagina. Carla também chama a atenção para as doenças sexualmente transmissíveis e quais as melhores formas de serem prevenidas. 

“Todas as relações sexuais que envolvem trocas de fluidos podem trazer alguns riscos para a saúde. Engana-se quem pensa que precisa acontecer uma penetração para acontecer uma contaminação. Os principais cuidados são: uso de látex ou plástico filme para a prática do oral, uso da camisinha ou protetor de dedo para penetração vaginal e não compartilhar acessórios eróticos sem preservativo”, pontua. 

Já Lelah chama a atenção para o fato de que a atenção ao próprio corpo e consultas regulares a um especialista são fundamentais para manter a saúde do corpo. 

“Além do uso do preservativo, o cuidado com a saúde íntima em si é muito importante. É preciso conhecer e observar o próprio corpo, saber quais são as demandas dele. Além disso, visitar o ginecologista para prevenir transtornos de maneira geral é superimportante”, conclui.

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