Sem filtros e com muito bom humor, Lucas Guedez tem conquistado cada vez mais seguidores nas redes sociais -- que atualmente somam 3,5 milhões. Amigo de outras figuras populares como Luísa Sonza, Anitta e GKay, o influenciador passou por muitos obstáculos ao longo da trajetória para ocupar o espaço do qual dispõe atualmente. Lucas é filho de uma dona de casa e enteado de um pastor e policial militar, e a religião foi um dos fatores que mais o influenciou no que diz respeito aos medos e inseguranças.
“Eu quebrei o medo que tinha de falar sobre a minha sexualidade”, conta ele em entrevista exclusiva ao iG Queer. “Recebi feedback de pessoas contando que eu as ajudei a sair desse mesmo local de medo. Venho de um lar religioso no qual isso [ser gay] era proibido. Mesmo quando já estava trabalhando com internet, ainda me sentia temeroso em levantar a bandeira, porque eu também não sabia e não estudava sobre as causas dentro da comunidade LGBTQIA+. Agora que tenho amigos que entendem sobre o assunto, procuro saber mais; fui muito salvo pelas pessoas sem que elas percebessem, por isso me sinto tão aberto atualmente em ajudar as pessoas que me seguem”, relata.
A carreira, de acordo com ele, é um processo constante de troca de conhecimento e experiências. Da mesma forma que Lucas presta um serviço ao público que lhe acompanha, sendo uma fonte de apoio e incentivo, os amigos que conheceu por meio do trabalho na internet contribuem para o crescimento pessoal dele, ensinando-o mais a cada dia sobre todas as letras que compõem a sigla LGBTQIAP+.
“Eu falo para eles [meus amigos e seguidores]: ‘Isso aqui é uma troca, gente. Da mesma forma que vocês me ajudam, eu ajudo vocês’. Pepita, Pabllo Vittar, Aretuza Lovi, que já estão inseridas no mercado há bastante tempo e entendem mais as coisas, têm uma história semelhante à minha, então me inspiro muito nessas pessoas. Quando vou falar sobre esses assuntos, eu penso ‘caraca, eu tinha tanto medo de falar disso e hoje eles são porta-vozes tão grandes, estão aí há tanto tempo’, e me sinto seguro. Me apoio neles como base. Não dá para falar sobre esse assunto se você tem medo e ainda não se resolveu consigo mesmo”, explica.
Sobre o processo de autoaceitação e autoconhecimento, Lucas Guedez conta que demorou bastante para aceitar quem realmente é, e volta a citar a questão religiosa como um obstáculo pelo qual ele precisou passar para conseguir ter a liberdade que tem atualmente para falar sobre questões relacionadas ao movimento LGBTQ+.
“Eu demorei para caramba para me entender e me aceitar”, começa. “Posso dizer que 95% foi por conta da religião. Meu pai é pastor, minha mãe sempre foi da igreja e eu nasci em berço evangélico. Tudo que pregam e falam sobre isso é basicamente ‘ah, você é gay, então vai para o inferno’. Eu morria de medo, até namorava as meninas da igreja por conta desse temor”. Após começar a trabalhar com internet, Lucas confidencia que com certeza esse foi o momento mais difícil da carreira.
“Eu não tinha muitos amigos na internet e ainda era da igreja quando comecei. Ao perceber que estava sendo muito julgado e apedrejado, me questionava ‘por que gay não pode trabalhar com internet’, e a resposta era ‘porque gay que trabalha com internet é do mundo’. Eu até brinco: ‘poxa, mas a Aline Barros tem Instagram, e o Padre Marcelo também’, então eu não entendia. Comecei a perceber coisas que já não faziam sentido para mim. Lembro que meu primeiro ano de internet foi um inferno porque eu não conseguia ser eu mesmo e meus amigos me olhavam e falavam ‘caramba, o Lucas é muito mais engraçado pessoalmente’”, relata.
Por conta dos conflitos iniciais após começar sua carreira digital, Lucas desabafa dizendo que tinha problemas em se expressar diante das câmeras, o que o impedia de externar a própria autenticidade durante os vídeos. “Eu sabia que estava seguro longe das câmeras porque minha mãe não iria ver, então conseguia ser natural, mas quando colocavam uma câmera na minha cara eu travava na hora. Lembro da sensação de medo que eu tinha: ‘Meu Deus, minha mãe vai me ver dançando Pabllo Vittar de peruca’, isso mesmo eu não morando mais com ela”.
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As amarras foram desfeitas aos poucos e, como Lucas explica, sem que ele próprio notasse. Mesmo após conseguir se libertar do que lhe impedia de deslanchar, o influenciador nunca abriu mão da própria fé. “Aos poucos, fui quebrando isso. Eu não aceitava mais. Pensava ‘caraca, não posso mais viver por conta de coisas que as pessoas inventaram, que colocaram na Bíblia’. Ficava em um limbo de ‘isso é verdade?’ durante muito tempo, por isso digo que a religião me perdeu muito. Hoje em dia continuo tendo uma fé muito grande e acreditando em Deus, até porque eu digo que, se não fosse por Ele, provavelmente eu estaria debaixo da ponte hoje. Se Deus permitiu que eu estivesse aqui é porque ele está comigo, então não existe isso de ‘Deus te ama menos por você ser gay, lésbica ou trans’”.
A internet é um ambiente seguro?
Ao ser questionado se as redes sociais configuram um espaço de segurança e acolhimento para pessoas LGBTQIAP+, Lucas deixa claro que a situação ainda não é fácil para esse público, principalmente por conta dos comentários, das críticas e da reprodução da LGBTfobia em todas as formas possíveis.
“Faço meus vídeos de peruca, dançando, e recebo muitos comentários de pessoas que xingam. É comum que sejam até crianças. Entro no perfil, vejo e penso como uma criança de 10 anos está xingando desse jeito?. Não podemos nos deixar levar por comentários. Eu bloqueio e ignoro esse pessoal, mas as coisas ainda não são fáceis”, conta.
Apesar dos ataques e das críticas, o perfil de Lucas cresceu bastante. Ao ser questionado sobre as expectativas que nutria com relação ao desenvolvimento da carreira, o influenciador conta que não esperava que essa evolução fosse tão intensa e rápida. “A minha trajetória inteira sempre foi muito espontânea. Nada foi planejado, até porque há algum tempo atrás eu tinha muitas dúvidas. Eu sabia que eu tinha o dom e chances de ser reconhecido, mas como o meio da internet é uma bolha, eu nutria esse medo. Conforme fui fazendo viagens e conhecendo pessoas, as coisas cresceram. Por eu ser muito verdadeiro, acho que as pessoas me abraçaram de coração”, explica.
Lucas também destaca o processo de amadurecimento pelo qual passou conforme o perfil evoluía. Por vezes chegou a duvidar de si mesmo, e destaca que contou com a ajuda dos amigos que fez por meio da internet para conseguir a motivação necessária e seguir em frente dentro dos próprios propósitos, além de se espelhar em alguns deles. Ele comenta ainda como a visão que o público nutre sobre a internet é romantizada e destoa da realidade que os artistas enfrentam no dia a dia.
“Eu cheguei a acreditar mais nas pessoas do que em mim mesmo”, desabafa. “Quando me coloco para baixo sempre vem um amigo, GKay, Luísa ou Rafa Uccman e falam ‘você nasceu para isso’. E eu demorei para entender, porque tudo aconteceu espontaneamente. Achei que era um mundo de maravilha, mas depois que me inteirei percebi que precisa ter um pé no chão. As pessoas pensam que é fácil trabalhar com internet, mas não é assim. Tem pessoas com crise de ansiedade, crises de pânico, coisas que eu não sabia que vinham junto. Me inspiro muito na Luísa Sonza porque desde que ela entrou na internet recebe ataques de todos os lados. Para estar firme até hoje é porque ela tem uma boa base e se mantém firme em um ponto. Existem muitas pessoas no meio que desistiram por conta de um comentário, então precisa ter muito pulso firme”.
Ciente do local que ocupa e da importância de ser um homem gay que foge dos padrões de masculinidade impostos ganhando cada vez mais espaço, Lucas chama a atenção para a importância de ter pessoas LGBTQIAP+ marcando presença nas redes e compartilhando experiências, histórias e conteúdos.
“Precisamos normalizar isso [as vivências LGBT]. Um homem hétero não senta junto com a família para dizer ‘mãe, eu sou heterossexual’. Eu mesmo não fiz essa cena, sempre tratei com naturalidade. Esse sou eu, é o meu jeitinho e as pessoas vão ter que me engolir, dane-se o mundo. Quanto mais gente cresce, melhor. Já temos uma galera muito grande, então quando aparecem mais pessoas, a questão é juntar todo mundo, sem medo. As pessoas falam ‘ah, isso não é normal’. Como que não é normal? Somos pessoas, então quanto mais vozes nós conseguirmos, melhor vai ser”, conclui.