Angélica Morango
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Angélica Morango

O machismo e a discriminação são crescentes no Brasil, expondo mulheres e pessoas  LGBTQIA+ à violência e constrangimentos, e nem mesmo fama e visibilidade são capazes de blindar as vítimas. A ex-participante do "Big Brother Brasil" 10 Angélica Martins, de 35 anos, conhecida pelo apelido “Morango”, ficou conhecida em todo o país depois de participar do reality, passando a receber muito carinho de fãs . Apesar disso, ela afirma que continua ouvindo comentários machistas e que já passou por situações que considera lesbofóbicas .

“As cantadas masculinas não mudaram nada depois do BBB. E cantada é uma coisa inconveniente! Às vezes, eu estou em uma balada ou mesmo em um ‘ambiente hétero’ e ficam aqueles olhares. Já aconteceu de eu estar ficando com uma mulher e um ‘cara’ perguntar ‘posso entrar nesse beijo aí?’ Algumas mulheres, inclusive, reproduzem esse comportamento tosco. Já cheguei a receber comentários constrangedores nas minhas postagens do Instagram, como: ‘sentava’ [referente a posições sexuais]. Felizmente é uma minoria porque as pessoas costumam ser queridas e respeitosas comigo”, afirma.

Empoderada, Morango já posou para ensaios sensuais algumas vezes. Ela diz que não tenta controlar como as pessoas veem o corpo dela e que se sente à vontade para fazer ensaios fotográficos sensuais. “Me comporto como uma mulher livre e o fato de ser lésbica não me difere. Não controlo como homens ou mulheres veem a minha exposição. Na verdade, não penso muito sobre isso”.

Outra situação marcante na vida da ex-sister ocorreu no dia do casamento dela com a comissária de bordo Rabyta, em 2013. Uma multa exorbitante foi cobrada dela sem que estivesse nas regras do condomínio, onde aconteceu a festa.

“Quiseram me dar uma multa absurda e descabida de mais de R$ 2 mil dizendo que houve ‘muita bagunça’ e porque teria que ser feita uma limpeza dos sofás e das cortinas. Não entendi. Comentei com um dos porteiros e ele ficou indignado. No fim, recorri e ganhei, mas me pareceu muito estranho tudo aquilo. Não sei se aconteceu por ser um casamento de duas mulheres ou se por acharem que eu sou trouxa. É difícil dizer se realmente foi lesbofobia porque, às vezes, a discriminação é sutil, mas eu nunca esqueci esse episódio” relata a ex-BBB.

Para ela, que hoje assina uma coluna jornalística de um portal de notícias sobre feminismo e universo lésbico, problemas como esses acontecem, entre vários motivos, porque ainda falta muita representatividade lésbica na grande mídia. Em 2010, por exemplo, ela foi a primeira mulher abertamente lésbica a participar do BBB. Depois dela, houve apenas mais duas, uma inclusive na edição de 2021 do reality: a participante Lumena Aleluia.

“Falta demais, não só mais mulheres lésbicas, mas mulheres de forma geral, sobretudo negras. Felizmente essa realidade está mudando um pouco nas redes sociais”, comenta.

Dicesar, Moragno e Serginho foram pioneiros ao dar pinta de gays e lésbica no BBB
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Dicesar, Moragno e Serginho foram pioneiros ao dar pinta de gays e lésbica no BBB

Vida após BBB
Após sair do Big Brother, Angélica diz que sua vida mudou completamente, que recebeu boas oportunidades profissionais e saiu de um grande buraco financeiro.

“Quando eu entrei no programa, eu estava num momento profissional, financeiro e pessoal muito complicado. Depois que saí, tive oportunidades de trabalho e de realização de sonhos que foram grande presente, além das pessoas todas que eu conheci nessa jornada ao longo desses 11 anos. Eu acredito muito em destino, então o programa fez toda a diferença na minha vida. Me sinto eternamente grata ao Boninho e toda a direção por essa oportunidade”, salienta.

Com quase 20 anos de profissão, Morango já trabalhou como apresentadora de rádio e televisão, além de assessora de comunicação, nos bastidores da notícia. Mais recentemente, ela vem trabalhando mais intensamente com projetos pessoais como a página de poesias "Tô Na Porta", no Instagram, criada há um ano para divulgar as poesias que ela mesma escreve; o canal do IGTV, no qual fala sobre assuntos diversos, relacionamento, comportamento, humor; e, até o final do 2021, promete lançar sua biografia.

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Desde outubro de 2019, ela mora sozinha, longe da família, em São Francisco do Sul, no norte de Santa Catarina, uma cidade pequena, com pouco mais de cinquenta mil habitantes. Para ela, morar na praia é a realização de um grande sonho.

“Vivo com o pé na areia mesmo. É uma cidade que tem uma energia muito gostosa. Estou muito feliz”, afirma Morango. “Gosto muito de Santa Catarina e tenho uma memória afetiva da infância com esse lugar. Vim para cá porque falo que eu não aguento passar muito calor. Teoricamente, aqui era para ser frio, mas, não, é quente, bastante quente e é muito gostoso mesmo assim. O mar daqui é morno. Está tudo ótimo! Aqui é um dos lugares mais lindos que eu conheci na minha vida. É surreal”, completa.

Após o BBB 10, Morango – que participou do “trio colorido”, junto de Dicesar e Serginho – diz ainda que passou a receber sempre muito carinho das pessoas. “Até hoje, 11 anos depois, eu recebo e-mail e mensagens me agradecendo, relembrando aquela época do BBB, dizendo que, por causa da nossa participação, teve coragem de se assumir para família. Ter feito uma pequena diferença na vida de tanta gente é relevante e importante para mim. É uma sensação de missão da vida cumprida”, afirma.

Não apenas para outras pessoas, Morango fez uma grande diferença na própria família depois que entrou no BBB. Um ano antes do programa, ela se assumiu lésbica para o pai e a relação dos dois ficou muito abalada.

“Ele era muito homofóbico e lesbofóbico, especialmente comigo. Com outros amigos e pessoas, colegas de trabalho, que são gays, ele nunca teve nenhum problema, mas quando é dentro de casa é diferente. Eu tinha contado para o meu pai que eu era lésbica um ano antes do programa e a gente tinha ficado um ano sem se falar. Um dos maiores presentes que eu tive foi ver que ele mudou completamente por causa da minha participação. Ele viu [pela TV] que ser lésbica não mudava em nada a minha essência. Na época, ele criou um blog e começou a ter contato com muitas pessoas que contavam as histórias delas, especialmente mulheres lésbicas, que falavam sobre as experiências delas com as famílias. Aquilo tocou ele também", revela.


Pandemia
Após ter se separado, Angélica Morango ficou solteira por algum tempo. Questionada pelo iG Queer sobre a vida amorosa, ela responde em tom de brincadeira: “Não estou pegando nem resfriado, mas falar isso nesse momento de pandemia é até bom (risos). Eu adoraria estar apaixonada, mas na minha vida amorosa não está acontecendo nada. Está uma tristeza. A pandemia dificultou um pouco”, completa.

Além da vida amorosa, a pandemia da Covid-19 mexeu também com o lado profissional da ex-sister, que diz ter ficado "travada", sem conseguir desenvolver seus projetos por um grande período de tempo.

“A pandemia quebrou as pernas de todo mundo. Perdi muitos trabalhos, tive alguns prejuízos muito grandes, além de ter passado meses com um bloqueio criativo forte. Foi muito punk, eu não conseguia escrever. Foram meses assim. Eu pensava especialmente na minha vó, que mora em Uberlândia, a mais de 1 mil km de distância, inclusive estou sem ver a minha vó há mais de um ano por causa da pandemia. Eu me sentia congelada, paralisada."

Angélica relata que sentia uma sensação que estava no fundo do poço e não tinha mais forças para "desafogar". Depois disso, em outubro, resgatou seu equilíbrio até voltar a colocar sua vida pessoal de volta aos trilhos.

"Falei assim para mim mesma: ‘não dá mais. Eu preciso me colocar em movimento!’. Acho que isso de me obrigar a fazer alguma coisa, qualquer coisa que fosse, me ajudou muito. Entrei em alguns projetos bem interessantes, fiz umas parcerias com amigos, foi aí que eu decidi criar o meu canal no IGTV, que era uma ideia que eu já tinha há muito tempo”, lembra.



No processo de retorno de suas atividades, Morango gravou um curta-metragem, que ainda não foi lançado, e uma web série de Natal. “As coisas realmente voltaram a acontecer, caminhando devagarzinho, mas já foi um retorno à normalidade. Felizmente agora está fluindo”, se anima.

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