Kaue Oliveira tem conquistado seguidores com seus vídeos sobre maquiagem
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Kaue Oliveira tem conquistado seguidores com seus vídeos sobre maquiagem




Para Kaue Oliveira, o primeiro contato com a maquiagem foi meramente funcional: ele queria cobrir acne e marcas da pele na adolescência. Mesmo assim, as pessoas que percebiam a base e o pó compacto se mostravam espantadas. “Não entendia a indignação das pessoas até descobrir  o conceito de que maquiagem é ‘coisa de mulher’ -- e eu não podia mudar esse padrão”, diz.

Atualmente, ele tem conquistado seguidores no Instagram com suas fotos maquiado e vídeos tutoriais -- além de vídeos cômicos no TikTok. Se antes a maquiagem era usada para esconder algo, agora, ela se tornou uma marca registrada de Kaue. “É a cereja do bolo do que eu sou. É assim que me comunico com as pessoas”, explica.


No futuro, ele quer fazer com que essa paixão se torne uma carreira como maquiador profissional. Ele conta com total apoio de pais, familiares  e amigos, mas essa falta é comum na vida de muitas homens que usam maquiagem e que querem (ou não) trabalhar com ela.

“Por mais que a profissão seja milenar, ainda não é exatamente o que a família espera de você”, afirma Mateus Phyno, maquiador que já assinou desfiles e chegou a trabalhar com o maquiador Marcos Costa, um dos mais importantes nomes do ramo no Brasil. Além de maquiador, Phyno se define como “um menino que se maquia” e percebe há anos os olhares tortos. “Isso não é novo para mim, mas não me sinto vítima. Uso tudo isso como combustível para ser um profissional melhor”, afirma.


Costa é maquiador oficial da marca Natura, tem dois livros publicados, ministra uma série de cursos e presta consultorias no país todo. O profissional já assinou inúmeras capas de revista, jornal, campanhas publicitárias e desfiles -- além de ser aclamado por Camila Pitanga, Zeca Camargo, Ronaldo Fraga e Paulo Borges, só para citar alguns nomes.

Mesmo com uma forte carreira, ele demorou para entender que sua paixão é a beleza. “O sonho do meu pai era ter um filho advogado e todos os meus irmãos trabalhavam na área da saúde”, explica. Quando adolescente, seu sonho era ser professor de educação física.

O maquiador Marcos Costa encontrou a beleza por acaso, quando se tornou assistente de um cabeleireiro em Goiânia, sua cidade natal
Agência O Globo
O maquiador Marcos Costa encontrou a beleza por acaso, quando se tornou assistente de um cabeleireiro em Goiânia, sua cidade natal


Em 1983, seus planos mudaram por acaso. “Um dia, fui acompanhar minha amiga que foi cortar o cabelo em um salão incrível, em Goiânia (GO). O cabeleireiro estava precisando de um assistente. Eu queria ganhar um dinheiro extra para ter minhas coisas e não depender dos meus pais, então, topei”, conta. Antes dessa experiência, Costa nunca tinha lavado um cabelo que não fosse o seu.

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“Foi o Nelson, esse cabeleireiro incrível, que me ensinou tudo. Ele chegou a trabalhar na Europa por uns anos e era muito talentoso.” Também foi Nelson quem ajudou Costa a montar seu primeiro kit de maquiagem. A partir daí, o Direito e a Educação Física, que ele chegou a começar a cursar, ficaram para trás.

“O mercado era difícil, ainda mais morando em Goiânia nos anos 1980. Eu sempre fui o homem gay assumido. Acho que por isso as pessoas aceitaram um pouco melhor”, diz Costa.

Comentários negativos e olhares atravessados

Os vídeos feitos por Kaue Oliveira, hoje, escondem um passado de muitas dúvidas e medos. Antes da maquiagem, ele passou muito tempo tentando entender sua identidade sexual. “A criança LGBT+ passa por processos diferentes das crianças hétero. Muita coisa nos é negada, enquanto crescemos. Na adolescência, também é difícil”, conta.

Vindo de uma família conservadora e religiosa, em que existiam ressalvas ou comentários sobre “coisa de mulher”, o apoio foi conquistado aos poucos. Os comentários negativos e o estranhamento não o abalam mais. “Hoje, existe muito respeito e sei que posso ser eu. Onde não posso ser eu, prefiro não estar. A arte sempre assusta aqueles que só enxergam em preto e branco, mas minhas melhores maquiagens são criadas a partir do orgulho de ser quem sou”, explica.

Phyno percebe um aumento na procura de homens que querem se maquiar, mas entende que esse movimento é muito recente. “Mesmo com essa procura, a parcela de homens interessados é bem pequena.”

A maquiagem na história

luís 13
Divulação

Luís 13 é uma das personalidades masculinas históricas do mundo que usava maquiagem

Até o estopim da Revolução Francesa, que aconteceu na segunda metade do século 18, a maquiagem não era comum entre os homens da nobreza. Alexandre, o Grande e Luís 13 são só algumas das famosas personalidades masculinas que usavam. Mas, por motivos sociais e políticos da época, foi se tornando um tabu quando o período acabou.

“Nessa época, o homem burguês vai tentar se desvencilhar da imagem aristocrática e buscar uma nova imagem, mais séria, austera, sem muitos babados e enfeites, por exemplo”, explica Salomé Abdala, pesquisadora e historiadora especializada em vestuário.

As maquiagens também viraram um problema para mulheres no início do século 19. “Elas usavam pó de arroz muito leve, blush e batons feitos de beterraba. É daí que vem essa ideia de maquiagem para não parecer maquiada, que está aí até hoje”, diz. “Era até ofensivo você dizer que uma mulher estava maquiada. É daí que vem o sentido pejorativo da palavra ‘cortesã’, porque você sugeria que a mulher era vulgar”, continua.

O mercado também reagiu à censura social, segundo Abdala, e as maquiagens eram vendidas às escondidas, nos fundos das lojas, ou eram feitas em casa. Foi só no começo do século 20 que os batons e as paletas começaram a ser relacionados com beleza. “É aí que as maquiagens são vistas em balcões de todo o mundo”, diz a pesquisadora.

Na década de 1920, a sociedade já aceitava que mulheres usassem maquiagem sem precisar disfarçar, com longos delineados, muito blush e cores extravagantes na boca. No caso dos homens, não.

Parte da identidade

Oliveira também trabalha como atendente em um laboratório de exames médicos — e atende maquiado. Ele diz que não trabalharia em um lugar onde não o aceitam como ele é. “O processo de confiança é uma construção, desde me olhar no espelho e gostar do meu corpo até sair na rua maquiado e ignorar comentários ou olhares estranhos.

Mesmo diante dos obstáculos que precisou percorrer, Costa diz que, se precisasse escolher, faria tudo de novo. “Eu amo muito o que faço”, afirma. Phyno também. “A maquiagem representa uma parte fundamental do meu trabalho e uma parte gigante de quem eu sou. Ela me traz muitas alegrias pessoais e profissionais”, diz.


Kaue tem começado a maquiar outras pessoas e vê um futuro cheio de possibilidades. “Quero que minha vida seja colorida, leve, feliz e repleta de amor. Quero ser consumido pela arte todos os dias”, diz.

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