E aí, meus tchutchucos! Como é que cês tão? Cês tão beleza?
Hoje quero contar para vocês um pouco da minha relação com meu pai, que já foi muito conturbada por conta da transfobia, mas agora a gente se ama muito. Quem me acompanha lá no meu canal do Youtube desde o comecinho vai lembrar que eu fiz um vídeo bem curtinho falando que meu pai tinha me agredido. Vou até deixar o vídeo aqui no finalzinho para quem quiser ver.
Para começar, esse meu pai a quem me refiro foi quem me criou. Na verdade, ele é meu tio, que nunca teve filhos biológicos e me adotou quando meus pais tiveram problemas familiares. Desde então, eu sempre morei com ele e é quem considero como pai. Eu sempre fui uma criança muito feminina e isso nunca foi um problema para ele, acho que até já imaginava que eu fugiria dos padrões heteronormativos quando ficasse mais velha. Meu pai nunca me cobrou nada desde criança.
Quando eu comecei a me descobrir uma garota trans, ainda na adolescência, ele já percebeu que eu estava vestindo roupas femininas, usava maquiagens e verbalizava que iria tomar hormônios, ou seja, nunca fiz nada escondido e tudo era muito natural dentro de casa. Como não sofria represália alguma, achei que tudo estava tranquilo até que um dia ele me agrediu.
Eu estava dormindo sem roupa no meu quarto com a porta destrancada, ele entrou do nada, me acordou e disse que estava em busca de uma caixinha, que até hoje nem sei do que se tratava. Imediatamente eu reclamei da falta de privacidade e falei “você pode me dar licença porque eu estou pelada?” Imediatamente ele me respondeu dizendo “não, você está pelado”, deixando bem claro que era no pronome masculino, mas eu revidei “não, eu estou pelada”, frisando ainda mais a letra “a” no final da frase.
Nós dois começamos um embate sobre pronomes, no qual eu reforçava o “a” e ele insistia em dizer “pelado”. Foi aí que ele ficou nervoso e começou a me agredir. Eu fiquei tão machucada que apaguei. Quando acordei, foi muito difícil entender o que tinha acontecido e porque ele tinha reagido tão brutalmente daquela maneira. Depois desse dia, essas cenas de violência começaram a se repetir, o que me deixou profundamente ferida.
Eu não entendia o porquê meu pai agia dessa forma comigo. Acredito que ele só agia agressivamente assim somente comigo. Meu pai trabalha dentro da polícia, então talvez ele acumulasse uma raiva ou tensão durante o trabalho dele e descontava tudo em mim. Toda vez que ele chegava puto, acho que ele descontava em mim, sabe?
Tudo começou a ficar diferente quando eu decidi morar em São Paulo, há cerca de cinco anos. Eu tomei essa decisão e apenas comuniquei a ele. Acho que ele não esperava que um dia isso fosse acontecer e que eu sempre seria a menina do interior, mas eu precisava crescer. Me lembro exatamente como se fosse hoje quando ele estava me levando na rodoviária de Catalão, no interior de Goiás: a gente se abraçou, chorou muito e foi difícil para nós dois porque ele não achava que eu ia sair dali. Era possível ler nos olhos dele que estava arrependido de tudo o que tinha feito.
Ver meu pai se desmontando em lágrimas na minha frente foi muito importante para mim porque eu percebi que ele me amava. Eu só precisava disso. A questão é que ele só não sabia como me amar, mas eu sei que ele me ama e sei que ele me apoia.
A minha transição de gênero sempre foi um lugar difícil para ele. Eu não sei o porquê, já tentei conversar com ele sobre esse assunto até mesmo para entender o que se passa na cabeça dele, mas nunca quis ter essa conversa aberta. Não sei se ele tem medo das coisas que eu possa sofrer. Eu acho que pode ser isso, só que precisa entender que o mundo já é difícil para as pessoas transgênero e se eu não tiver apoio dentro de casa, isso pode ser pior ainda.
Não existe mais nenhuma mágoa entre nós, eu já o perdoei e hoje voltamos a ter uma boa relação. Às vezes ele me chama de Thiessa, mas muitas vezes ele ainda erra o meu pronome. Antigamente eu me importava muito, mas hoje não tenho mais paciência de ficar corrigindo e só finjo que não ouvi para não gerar mais confusão entre nós. Prefiro estar junto do meu pai e viver em paz com ele.
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