Você precisa pagar suas contas, tem que trabalhar e depende de empregadores que até paguem o seu salário e não levem embora sua saúde de muitas e muitas maneiras. Não é fácil!
Outro dia me pediram para dar exemplos de discriminação contra pessoas LGBTI+ no ambiente de trabalho. Pensei em quatro ou cinco fatos que haviam me relatado recentemente, dos que parecem micro agressões àqueles mais críticos que podem resultar em boletim de ocorrência e processos.
No entanto, quem pediu exemplos de discriminação parecia não entender que toda a vivência de pessoas LGBTI+ no trabalho pode ser um inferno constante, permanente, do começo ao fim do dia, da entrada na empresa à saída voluntária ou demissão.
As entrevistas de emprego já demonstram que a lógica reinante é a cis-heteronormatividade, desconsiderando a diversidade humana, servindo como filtro para livrar a empresa de pessoas LGBTI+. O anúncio da vaga e as entrevistas também passam a mensagem de que, se você entrar, é exigido fingir ser outra pessoa. Onde está o foco na vaga, no perfil, nas competências ou a tal meritocracia?
Este e vários outros aspectos da vida de pessoas LGBTI+ nas empresas foram considerados nas atividades do Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+. Retiro das conversas e levantamento das práticas de referência algumas lições que podem servir de guia de sobrevivência para pessoas LGBTI+ em ambientes hostis ou, melhor ainda, de guia para você ser uma pessoa que contribui para as transformações necessárias em empresas que estão buscando efetiva valorização da diversidade e da inclusão.
Cuidar da saúde das pessoas significa evitar riscos inerentes às atividades, prevenir doenças e promover cuidados individuais e coletivos. Esse olhar sobre pessoas e não sobre “mão-de-obra” promove o encontro com a pluralidade que nos caracteriza, diferentes demandas, realidades, possibilidades e soluções, assim, inovadoras. Considerar as pessoas LGBTI+ na promoção da saúde confere maior efetividade às estratégias e melhores resultados porque enriquece o conjunto de práticas e soluções com essas diferentes demandas e possibilidades.
Exige que profissionais de saúde sejam desenvolvidos no tema da diversidade sexual e de gênero, já que as escolas não parecem se ocupar ainda da matéria. Exige um olhar sobre saúde de maneira mais integral, considerando a saúde mental nas estratégias e ações. É um tema que entrou na agenda do mundo empresarial antes da pandemia (ou sindemia) e que ganhou maior destaque com ela. Exige parcerias bem trabalhadas com planos de saúde e outros serviços para que a vivência de inclusão na empresa esteja também nesses lugares.
A ideia de segurança também está sendo ampliada com esse olhar sobre pessoas em sua pluralidade de características, demandas, vivências, riscos e possibilidades de adição de valor. Do Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA), focados nos riscos químicos, físicos e biológicos, passamos ao Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), que envolve qualquer risco ocupacional e é de responsabilidade de toda a empresa, não mais apenas da área de segurança do trabalho.
Ainda há desafios neste tema da segurança porque ela deve envolver também a segurança psicológica. É importante que você não tropece numa caixa deixada de maneira irresponsável no meio do caminho, mas também que não tropece numa piada, num comentário, apelido ou qualquer outra agressão também deixada de maneira cruel no seu caminho, cercada de omissões por todos os lados. Estamos falando de saúde e segurança de maneira mais integral e de como essa abordagem exige posturas e práticas de tipo novo.
Em março, na reunião do comitê de presidentes do Fórum, o representante do escritório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil falou sobre a Convenção 190, em fase de discussão para ratificação no país. Ela trata de violências e assédios no ambiente de trabalho, primeiro instrumento normativo internacional no tema, uma referência para ampliarmos o entendimento sobre ambientes seguros, saudáveis, inclusivos e respeitosos para todas as pessoas.
É uma ferramenta e tanto a serviço da promoção e gestão da diversidade, equidade e inclusão, o que impacta também as ações de saúde e segurança nas empresas.
Bem-estar é outra inovação que algumas empresas estão criando para articular os cuidados com a experiência de empregados e empregadas no ambiente de trabalho e na relação com outros públicos. Temas como trabalho remoto e/ou presencial, licenças parentais, benefícios e tantos outros estão enriquecendo a prática das empresas na atração, no fortalecimento do senso de pertencimento e respeito à singularidade, com resultados positivos cada vez mais evidentes para as pessoas, para o negócio e, claro, para a sociedade.
Enquanto a maioria das pessoas LGBTI+ ainda relatam histórias de violência, exclusão e maus-tratos dentro do ambiente de trabalho, é bom saber que a aposta do Fórum em articular grandes empresas, marcas conhecidas e com grande influência na sociedade, está apontando um caminho diferente. Elas podem e devem influenciar toda a cada de valor, o que envolve da papelaria do bairro à grande empresa parceira, fornecedora, clientes, consumidores ou usuários, as comunidades e toda uma rede de relações ricas em desafios e possibilidades.
Se você é uma pessoa LGBTI+ ou que se interessa pelos nossos direitos, como o direito de trabalhar em um lugar livre de discriminação e que promove diversidade como fonte de riqueza, descubra formas de contribuir para gerar avanços. Neste mundo em construção, não é uma boa postura esperar que tudo esteja pronto e caia no nosso colo sem lutar por direitos.
Ainda é preciso “sair do armário” todos os dias e em várias situações. Ainda é preciso apontar os equívocos, as situações de violência, sugerir caminhos, educar colegas para que ampliem o entendimento sobre nossa realidade. Ajude a sua comunidade a te entender para melhorar sua convivência e para que outras pessoas não passem pelas dificuldades que passou.
É cansativo e é até injusto que alguns tenham que ficar pontuando o tempo todo o melhor jeito de respeitar as pessoas LGBTI+ enquanto alguns em volta parecem ter preguiça de aprender e agir de maneira diferente, mas ainda não inventaram uma pílula para curar a LGBTI+fobia.
Trabalhar em ambientes saudáveis, seguros, que promovem bem-estar para TODAS as pessoas e não apenas para algumas pessoas, é um direito nosso, é um dever dos empregadores. É também uma possibilidade concreta, mas precisa ser construída por todo mundo.