Galba Gogóia é atriz e roteirista
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Galba Gogóia é atriz e roteirista

Natural de Arcoverde, Pernambuco, a atriz e roteirista Galba Gogóia, de 30 anos, estreou recentemente como Natasha, amiga de Buba (Gabriela Medeiro) na novela Renascer, da TV Globo. Sua história como atriz, no entanto, começou ainda na infância, quando precisava driblar os desafios de uma família tradicional.

Ela se mudou para o Rio de Janeiro aos 15 anos, para estudar e realizar seu sonho de ser artista, algo que ela afirma sempre ter sido sua vocação, superando diversas barreiras para conseguir. 

“É muito doido quando a gente fala sobre vocação, sobre o que a gente nasceu para ser. Eu realmente tenho certeza de que nasci para ser artista”, diz Galba em entrevista exclusiva ao iG Queer

Ela relembra de quando ainda era muito pequena e suas brincadeiras eram sobre ser artista. “Eu assistia todas novelas e brincava de fazer novelas com as minhas primas. Quando fiquei um pouco mais velha, eu reunia meus primos, meus colegas da rua e criávamos um teatro em casa. Eu chamava a minha avó, as vizinhas, e todo mundo ia lá assistir.”

Galba conta que sempre assistiu televisão com muito encanto e sonhava com o dia em que estaria ali, atuando e contando histórias. Algo que sempre foi muito difícil para ela, que tinha um de seus grandes obstáculos dentro de casa. “O meu pai era muito machista, e tinha na cabeça de que aquilo era errado, que era ‘coisa de gay’. Por isso ele tentava de todas as formas me proibir.”

O teatro religioso, em uma escola de freiras, foi uma forma que ela encontrou de “ir pelas beiradas” e conseguir fazer o que sonhava, dentro das possibilidades que encontrava.

Até que um dia viu uma propaganda de uma escola interna do Sesc, no Rio de Janeiro. A Escola Sesc de Ensino Médio (Esem), para onde iam alunos de todo o Brasil e contava com um projeto que oferecia aulas de teatro. “Quando eu vi, eu decidi que deveria ir para lá, eu precisava ficar longe do meu pai e precisava de um lugar onde eu teria esse suporte, para poder viver o meu sonho”, relembra, lamentando que o projeto tenha acabado durante os anos do governo do ex-presidente, Jair Bolsonaro (PL).

A estreia em Renascer

A estreia como atriz em novelas veio por meio de um convite, sem a necessidade de fazer testes, mas também não foi fácil.

“Fiquei muito emocionada e muito feliz. Esse convite foi o resultado de 15 anos de trabalho, de muita dedicação e estudo. Minha agente me apresenta todos os projetos e a gente coloca os nossos nomes, eu já fiz outros testes para a Globo e não passei, então ouvi muito ‘Não!’ até chegarmos a esse ‘Sim!’”, comemora.

Para Galba, a construção de uma carreira artística é um acúmulo de tentativas, erros e acertos. “A gente que trabalha como atriz tem que aprender a lidar com os ‘nãos’, mas, às vezes, esses ‘nãos’ são o caminho para se chegar aos ‘sins’. No meu caso, acredito, pode ter acontecido de um produtor ter me visto em um teste que não passei, porque não cabia naquele momento, e, na hora de fazer a Natasha, possa ter lembrado de mim e feito o convite. Eu fiquei extremamente honrada, me senti reconhecida pelo meu trabalho e pela trajetória de uma personagem que, de fato, tem muito a ver comigo. Sinto que ela [Natasha] veio prontinha para mim”, diz a atriz.

A importância da representatividade feita do jeito certo 

Galba Gogóia estreo como atriz na novela 'Renascer', da TV Globo
Divulgação
Galba Gogóia estreo como atriz na novela 'Renascer', da TV Globo

Ao falar do núcleo da personagem Buba, Galba ressalta a importância de ter uma personagem trans com um papel de destaque na novela das 21h da TV Globo.

“Ela [Buba] tem um destaque na história, é uma personagem trans que é capaz de ser vista por diversas perspectivas, e ter entrado ali com personagens como a Natasha e a Maite, da Gabriela Lohan, que são duas amigas completamente diferentes entre si, cada uma do seu próprio jeito”, diz Galba.

Ela complementa: “Isso é muito importante, porque mostra, de fato, que pessoas trans, personagens trans e histórias com personagens trans podem ter milhares de caminhos, narrativas e possibilidades diferentes, e não só o mesmo que estamos acostumados a ver. Essa é a primeira vez que eu vejo uma novela que tem personagens trans apenas vivendo a vida.”

Galba acredita que mostrar a vida de pessoas trans de uma maneira mais profunda, com diferentes camadas, pode abrir espaço para essas personagens em papéis maiores em um futuro próximo. 

“A gente mostra afeto, amizade, a gente mostra parceria, e eu acho que isso é importante para poder mostrar que essas histórias são interessantes, são bonitas, são emocionantes, são engraçadas para o público. Eu acho que esse é o caminho, eles estão vendo que isso pode acontecer, e eles estão vendo que isso dá certo, nós estamos vendo. Então, eu acho que é muito bonito e acho que vai ser muito importante para a gente abrir outras oportunidades”, destaca.

A evolução do mercado audiovisual para pessoas trans

Trabalhando profissionalmente no mercado do audiovisual há 10 anos, Galba diz que houve uma mudança considerável, mas que ainda há muito para evoluir. Ela já trabalhou, como atriz e roteirista, para grandes streaming, como Amazon Prime Video, Netflix, Globoplay e Max, que estão abrindo cada vez mais espaço para a diversidade.

“Eu vejo uma grande mudança, mas ainda não é a mudança que a gente deseja”, pontua a artista, que explica: “Eu, como uma roteirista e autora travesti, sempre sou a única que vai estar na sala de roteiro, por exemplo. E eu costumo brincar com minhas amigas roteiristas que a gente nunca vai ter a oportunidade de trabalhar juntas, porque o mercado entende que, quando precisa de uma roteirista trans em um projeto, basta colocar uma de nós lá e já vai cumprir essa função. Ainda somos vistas como ‘a roteirista trans’”, pontua.

Galba afirma ser muito feliz e grata com seus trabalhos, mas analisa que cerca de 90% deles foram em produções que tinham temática ou personagens trans.

“É quando o mercado precisa de um roteirista trans, aí te coloca ali como ‘o selo da verdade’. Se der algum problema no futuro, vão dizer: ‘Tinha um roteirista trans ali’. Isso é um avanço, ainda assim, porque hoje temos essas pessoas e estamos ocupando outros lugares dentro do audiovisual. É um passo que precisa evoluir e, aos poucos, as coisas estão mudando.”

Personagens trans fora dos clichês

Galba fala também da importância de se colocar mulheres trans em outros papéis, que fujam do estereótipo da prostituição ou vítimas de violência. “Eu, por exemplo, já fiz quatro personagens prostitutas. E, é claro, existem muitas pessoas trans que são, mas eles querem sempre nos retratar nesse lugar. Eu vejo que as coisas estão mudando. A Buba, por exemplo, é uma psicóloga e está na novela em outro lugar.”

A pernambucana destaca a importância de poder estar no lugar em que está e, como travesti, poder questionar e ensinar.

“A gente tem aprendido, tem evoluído e eu sinto que no meu trabalho eu ainda preciso ser quase didática. Eu estou ali com os colegas, com chefes, com as plataformas que me contratam, a gente ainda tem essa obrigação e esse lugar que é importante. É uma construção, como há vinte anos as pessoas e o movimento trans abriram espaço para que hoje eu possa estar aqui”, diz a artista.

Ela continua: “Se a gente olhar, há 10 anos o mundo era outro dentro do audiovisual, dentro do teatro, então tem evoluído muito. Eu fico muito feliz em estar nesse momento, de estar colhendo os frutos disso. E estou aqui hoje, no lugar que eu estou, tensionando pelas novas mudanças que eu acredito.”

Um recado para quem sonha em trabalhar como artista 

Galba se mostra emocionada ao lembrar do que já passou para conquistar o espaço que tem hoje. “Na época da universidade, eu trabalhei como garçonete, trabalhei em churrascaria, fazia de tudo um pouco, mas nunca deixei de acreditar no meu talento e na minha capacidade”.

“O mundo vai nos colocar milhares de barreiras, e em algum momento a gente vai querer desistir, como muitas vezes eu quis. Eu quis largar tudo e ir embora. Momentos em que eu, inclusive, passei fome no Rio de Janeiro e meus amigos me ajudaram. Eu nunca desisti porque eu sabia que, em algum momento, eu iria conseguir mostrar o meu talento ao mundo”, relembra.

Hoje, como roteirista de projetos para o cinema, teatro, streamings e atuando como atriz em uma das maiores novelas da televisão brasileira, ela deixa como recado para as pessoas que, como ela, carregam o mesmo sonho.

“Não desistam! Pulem todas as barreiras e pulem com pernas de pau, pulem todos os arames. E se você acredita em você, no seu trabalho, você vai conseguir mostrar para o mundo e fazer o mundo acreditar em você. Tenha fé, confia no seu Axé que vai dar certo!”

Próximos projetos

Mesmo ocupada com as gravações da novela, Galba tem se dedicado a seus projetos autorais, como o seu primeiro longa-metragem de ficção, derivado de seu curta-metragem de sucesso, Jessika, lançado em 2016.

Jessika recebeu diversos prêmios em festivais de cinema pelo Brasil, despertando a vontade de transformá-lo em algo maior. “E acredito que agora é o momento, tenho mais capacidade técnica, mais currículo, mais nome, e eu tenho pessoas que confiam em mim. Estou desenvolvendo esse projeto com algumas produtoras interessadas, já tenho caminhos para realizar”, diz a autora.

Galba também tem se dedicado ao teatro, em uma peça também de sua autoria, em parceria com Gabriela Lohan, e produzindo conteúdos para a internet. 

“Estou com alguns projetos, aproveitando essa exposição da novela que está muito legal, muitas pessoas me conhecendo, entrando para me seguir, estou me dedicando a criar mais para a internet, é uma plataforma que eu tenho para fazer coisas e mostrar o que eu posso ser”, finaliza.

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