O puro suco do Carnaval carioca misturado com afrofuturismo e uma pitada de lembranças do passado são os ingredientes para formar a drag queen Organzza, que nasceu há cinco anos no Rio de Janeiro, e agora é uma das estrelas da primeira temporada do “Drag Race Brasil”. A versão brasileira do clássico “RuPaul’s Drag Race”, apresentada por Grag Queen, estreou nesta quarta-feira (30) e mostrou o elenco que ligou seus motores para uma disputa quentíssima para ganhar a disputada coroa de maior drag queen do país e um prêmio de R$ 150 mil.
A artista conta em entrevista exclusiva ao iG Queer que desde a infância sempre se vestiu de personagens em peças de teatro e espetáculos de dança, então a profissão de drag queen surgiu naturalmente dentro de casa. Aliás, Organzza explica que sua mãe, dona Carmen, foi uma de suas inspirações para criar esta personagem que promete mexer com o reality disponível na Paramount+ e pela MTV Brasil.
“Costumo dizer que tenho três pilares para construir a Organzza. O primeiro é o Carnaval carioca e tudo que representa essa grande festa. O segundo é o afrofuturismo, que é um movimento estético, social e filosófico que contribui muito para minha estética e filosofia de vida com a arte que me proponho a criar. E o terceiro é a minha mãe, que desde criança eu tenho como referência de beleza e também de montação, sempre muito bem vestida, maquiada, com cabelos exuberantes e foi com os sapatos dela que eu aprendi a andar de salto alto”, lembra.
Ela diz que estar no “Drag Race Brasil” é uma grande validação de seu trabalho no universo drag e de toda cena nacional dessa arte, que lutou e aguardou por muitos anos por uma franquia para “chamar de nossa”. Organzza explica que seu nome foi inspirado no tecido de mesmo nome, “muito fino, feito de seda, caro, requintado, sintético e altamente inflamável”. Nessa última característica, a artista afirma que quer explodir de sucesso tão rapidamente quanto o fogo se espalha pelo tecido.
“Sempre que possível, acendo esse fogo em mim, para que isso me impulsione a conquistar tudo que eu almejo. Eu sou taurino, do signo de terra, mas gosto muito da analogia do fogo porque quando ele começa não para, ele vai conquistando tudo pela frente e é para isso que eu trabalho todos os dias, para conquistar uma vida melhor pra mim e para a minha família. Então, se preparem, porque tecido sintético pega fogo e quando começa não para mais.”
O “Drag Race Brasil” não é o primeiro concurso que ela vai participar e, de todas experiências anteriores, já faturou quatro coroas em apenas cinco anos de drag queen. A primeira conquista, no “Queens - O concurso”, era voltada para as artistas iniciantes e foi para participar dele que Organzza começou a se montar. Hoje, ela está na maior competição drag do mundo e confessa que seria muito importante e um realização pessoal ganhar essa coroa.
No vídeo de apresentação do programa, ela disse que "onde tem gay não há paz" e "falem bem ou mal, mas falem de mim" e detalha que tem uma relação de desprezo com aqueles que só querem falar mal, escondidos pelo anonimato da rede social. A drag queen é enfática ao adotar a política de “não vejo, não dou atenção, não engajo”.
“Eu sei que é muito fácil a gente se apegar aos comentários negativos, mas eu sempre procuro fazer o exercício de ir atrás dos comentários positivos. Com o programa, eu já recebi muitos ataques e tenho algumas amigas que me perguntam se querem que elas respondam por mim e eu digo que não, eu peço para que elas focarem nos comentários positivos e engajar essas pessoas que estão vibrando por mim”, avisa.
Novela, Ballroom e Carnaval
Organzza é ator desde a infância e essa profissão lhe rendeu uma participação pequena na novela “Verão 90”, exibida em 2019, e no quadro “Caldeirola”, do “Caldeirão com Mion”, ambos na TV Globo, ao lado de sua house, uma espécie de família de artistas dentro da cena ballroom. Ela conta que fazer essas duas participações na televisão foi um grande momento de sua carreira.
“Na novela, minha participação era pequena, mas eu fiz questão de criar um momento para que eu não passasse despercebida durante a cena. Foi muito divertido e é um momento que guardo com muito carinho, quem sabe depois do programa eu não faça participações maiores ou até mesmo ganhe um personagem, vamos jogar pro universo”, se diverte. “No ‘Caldeirola’, eu participei com a minha house, a Casa de Cosmos, e foi um momento muito importante para a cena ballroom e para a nossa comunidade. Eu pude estar com minhas irmãs, travestis, femme Queens (como chamamos elas na comunidade) em rede nacional, num sábado à tarde na casa de milhares de brasileiros mostrando a realidade e a excelência das artistas Ballroom”, completa.
E por falar na cena ballroom brasileira, ela existe há quase 10 anos e já é bastante difundida por muitos estados e cidades, tendo inúmeras houses e pessoas que já possuem título de ‘Legendary’ da cena no Brasil, além de ser reconhecida internacionalmente, segundo a artista. No Rio de Janeiro, por exemplo, a primeira ball aconteceu em 2016 e Organzza entrou para a comunidade em 2021, hoje com o título de ‘Príncipe da Casa de Cosmos’, uma das houses mais influentes da cena carioca que possui inclusive o título de Casa do Ano da cena ballroom Rio.
“Hoje fico muito feliz de estar em ‘Drag Race Brasil’ falando da comunidade ballroom brasileira. Poder falar sobre isso no programa é muito importante, principalmente porque o ‘Drag Race’ sempre utilizou muitos elementos da cultura e dos bailes no programa, inclusive existe certa resistência de muitas pessoas da comunidade ballroom com o ‘Drag Race’ justamente por conta disso. Para muitas pessoas, esse é o único contato com a cena e isso precisa mudar. Espero que com minha participação no programa as pessoas possam se interessar mais pela cultura e conheçam mais dessa cena brasileira, como diz minha Overall Mother Legendary Juliete Cosmos: ‘Ballroom tá aí, procurem saber!’”, avisa.
A primeira expressão artística de Organzza nasceu na Marquês de Sapucaí, a passarela do Carnaval, no Rio de Janeiro, quando ela ainda estava no ventre de sua mãe: Dona Carmen desfilou grávida de sete meses. “O Carnaval é o momento do ano mais importante para mim, de fato meu ano só começa depois dele. O Rio de Janeiro tem uma ligação muito forte com o funk e eu sendo do subúrbio sempre estive rodeado de baile funk, mas é no samba que eu cresci. Por morar bem perto de Madureira, desde criança frequento rodas de samba e quadras de escolas”.
Ela conta que sempre foi uma “criança viada” desde a infância, explorando suas feminilidades com liberdade, sem medo de ser feliz, e relata que nunca teve um “momento de descoberta” sobre sua sexualidade.
“Tive a felicidade e a sorte de ter tido todo apoio da minha família para ser o que eu quisesse ser desde sempre. Eu não sei dizer quando eu ‘me descobri’, acho que nunca fui coberto (risos), afinal fui uma criança viada dos anos 1990 e fã de É o Tchan. Hoje não me identifico como um menino gay, pois não me relaciono só com homens, eu sempre me entendi como bissexual, gosto de dizer que sou uma Bi-xa Preta.”
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