Orlando Caldeira é Anthony Verão em Vai na Fé
Reprodução/Instagram @oandersonrangel - 23.03.2023
Orlando Caldeira é Anthony Verão em Vai na Fé

Orlando Caldeira está de volta à TV e tem feito um grande sucesso no papel de Anthony Verão, um jornalista de entretenimento, na novela das 7, “Vai na Fé”. Antes, ele havia interpretado o personagem Catraca, em "Verão 90", papel que o levou a ser indicado à categoria de Ator Revelação do prêmio Melhores do Ano, do "Domingão", em 2019.

Na época, o ator, diretor, empreendedor e apresentador agradeceu publicamente o apoio de seu então marido, em rede nacional. “Falei o nome dele porque eu achava politicamente importante naturalizar essa relação”, explica em entrevista exclusiva para o iG Queer .  

Porém, nem sempre essa relação com a sexualidade foi assim. Natural de Olaria, bairro periférico da zona norte do Rio de Janeiro, Orlando desde criança viveu com a sensação de ser o corpo estranho por ser uma criança gay, preta, afeminada e suburbana, mas ele usou isso a seu favor e abraçou essa estranheza em que era colocado para não ter medo de explorar experiências novas em sua vida; com isso a arte chegou até ele. Por meio dela, ele pode se engajar e se entender melhor enquanto pessoa.

A partir de certa idade, ainda criança, ele percebeu o quanto ser ele mesmo era nocivo para sua própria existência. “Imagina eu, uma criança, percebendo que eu não podia ser eu, porque ser eu me feria”. 

Chegou um período que ele passou a criar um "Orlando social", como hoje denomina, para poder se livrar das violências. “Comecei a imitar os homens que me batiam porque pensei que, se fosse igual a eles, ninguém iria me bater. Fiz isso para poder transitar nos lugares, e ainda tinha a questão da raça. Me moldei para me livrar de uma violência, mas caía inevitavelmente em outra”.

Naquela época, inclusive, era apelidado de Vera Verão na escola, personagem drag queen do ator Jorge Laffond, que fazia grande sucesso na televisão nos anos 1990. Coindicidências da vida ou não, o sobrenome do personagem de Orlando na novela é justamente inspirado na drag queen. Graças ao tempo, ele conseguiu sair desse autocontrole de sua sexualidade e hoje vive bem com ela.

“Quando eu era criança, ser chamado de Vera Verão ou Jorge Laffond não era algo que eu gostava, mas cresço, crio consciência racial, viro o ‘viadão’ que sou hoje e olho para trás e falo assim: ‘Caraca, perdi a oportunidade de ter um herói”, afirma. 

Orlando Caldeira está à frente do Coletivo Preto e do Projeto Identidade
Reprodução/Instagram @oseias_b - 23.03.2023
Orlando Caldeira está à frente do Coletivo Preto e do Projeto Identidade


Dentro da carreira, ele conta que não precisou esconder sua sexualidade por medo de não conseguir papéis. “Eu não tive tempo de pensar nisso porque o meu questionamento é outro, eu acho que é geracional. A minha geração ainda pegou aquele clichê de você esconder a sexualidade, não demonstrar trejeitos e não falar publicamente sobre sua sexualidade, e eu acabo sendo protegido nesse lugar da homofobia assim, mas isso não é mais necessário, acredito”, afirma. 

Trajetória no teatro e ativismo 

Orlando é formado pela Escola Técnica de Teatro Martins Pena, fundada em 1908, a escola de teatro mais antiga da América Latina, e pela Escola Nacional de Circo. O artista conta que nem sempre teve o apoio da família, sobretudo seu pai, que era um policial militar e faleceu antes de ver o filho fazer sucesso. Mesmo com a falta de apoio, ele não desistiu e agora colhe os frutos de sua perseverança.

“Meu pai, sem perceber, foi o maior incentivador porque toda vez que ele falava ‘não’ para mim eu falava ‘você vai ver só’, vai ser sim.” 

No segundo ano do ensino médio ele começou a ter um contato maior com o teatro e, posteriormente, criou uma companhia com quatro amigos. O que no início parecia ser apenas uma ação ingênua de jovens artistas ganhou a confirmação de que Orlando estava no caminho certo. O primeiro teatro da companhia estreou em um festival e quando voltou para o Rio, entrou em cartaz e foi indicado ao prêmio Shell, um dos maiores prêmios de teatro do país. 

“Foi uma surpresa até para a gente, começamos a viajar muito com o espetáculo em vários estados brasileiros, e ainda fizemos turnê na Itália, ganhamos até alguns prêmios no país e ainda fizemos uma turnê em Londres”, narra.

É no teatro que ele também consolidou a criação do Coletivo Preto, um coletivo de atores, diretores, produtores e dramaturgos negros. O projeto nasceu em meados de 2016 apenas em um grupo familiar, que debatia os anseios da representatividade negra nas artes e também na área técnica, buscando trazer o protagonismo preto em todas as áreas do teatro.

“É preciso saber que um iluminador negro, por exemplo, vai entender a questão da captação da luz em relação à pele negra, que é diferente da pele branca”, diz. “Já passei por situações que se fosse uma pessoa negra que estivesse à frente, isso não aconteceria”, adiciona.

O projeto, que agora saiu do núcleo familiar e expandiu para mais membros, conta com cursos, oficinas, leituras temáticas de autores negros para possibilitar o acesso e conhecimento dessas pessoas. 

“Mapeando os Nossos é um projeto que pegava atores pretos e criava o material de divulgação deles, como fotografias profissionais e vídeo de apresentação, porque ouvíamos que ‘não existia atores negros’, mas vivíamos diariamente com vários.” 

Noemia Oliveira, primeira atriz negra contratada do Porta dos Fundos em 2019, foi uma das pessoas que se beneficiou do projeto, pois foi por meio dele que foi descoberta. 

Anthony Verão: 'Maldade, não. Verdade'. 

Antes de interpretar Anthony, Orlando tinha outra visão sobre jornalismo de fofoca, mas mudou quando estudava para o personagem. “Quando falam, ‘ah, ele é fofoqueiro’, eu falo ‘não, ele não é fofoqueiro, ele é um jornalista especializado em entretenimento”. 

Orlando defende que Anthony é muito atento à ética da verdade, pois diz sempre em cena seu bordão: “Maldade, não. Verdade”. “Ele vai fazer fofoca sobre a sua vida, ele falará da sua vida, mas só se for verdade”, avisa. 

Para Orlando, Anthony também tem muito dele: ambos são sonhadores, se sentem vulneráveis e não podem mostrar suas fraquezas. “Vai na Fé” também inova em seus personagens, visando trazer mais representatividade de pessoas negras na televisão e fora de um estereótipo.

“O elenco não é só um elenco majoritariamente preto, porque isso a gente tem em qualquer novela que fala sobre a escravidão, por exemplo, mas é uma novela que entrega personagens pretos dignos”, acredita. 

Para o ator, há um respeito muito grande na preparação e na execução da novela, e ele conta que nunca se imaginou interpretando um fofoqueiro, por mais que na escola de teatro eles aprendam a fazer todos os personagens. 

“Num dado momento da história da televisão brasileira, o preto faria dois ou três tipos de personagens, então você tinha que aprender fazer aquilo bem porque seria naquilo que você ia trabalhar. Então, para mim, foi uma surpresa que me fez questionar: ‘Como que eu interpreto um fofoqueiro?"

Além disso, ele destaca que, embora interprete um personagem gay, não há necessidade de representar de forma caricata. 

Representatividade preta 

Além do Coletivo Preto, Orlando também esteve à frente das duas edições do Projeto Identidade , que consiste em uma exposição fotográfica que apresenta ícones populares (originalmente brancos) representados por pessoas negras.

Em ambas as edições houve muito sucesso acerca das fotos e reconhecimento de pessoas que se sentiam felizes ao se reconhecerem como pessoas negras. “Na segunda edição foi uma comoção maior, eu lembro que a gente conseguiu colocar na galeria e, em um mês de exposição, mais de 10 mil pessoas foram visitar. Eu lembro que no último dia tinham famílias inteiras indo visitar e tinha ficado lotado”. 

Após a exposição na galeria, o projeto foi levado às escolas públicas e, quando as fotos eram mostradas para os alunos, muitos passaram a se reconhecer como negros naquele momento. “Enquanto a gente apresentava o projeto, eles olhavam os braços, percebiam a sua cor e se davam conta que eram negros. Isso era muito comum, todas as vezes as pessoas se olhavam e falavam ‘gente, eu sou negro”.

Para Orlando, o projeto contribuiu para que as pessoas se identificassem com sua raça, porque a imagem que era mostrada de pessoas negras não era mais uma imagem de dor ou sofrimento, mas uma imagem que trazia orgulho para elas. 

“Eu fui me aceitar negro com 14 anos. Eu estava naquele processo que eu era afeminado, mas comecei a ficar um homenzinho e mais bonito. Chegando em casa, uma menina que nunca tinha visto passou por mim e deu uma cantada em mim e falou ‘humm, que pretinho tipo A’, e isso nunca tinha acontecido antes. Embora seja uma expressão racista, foi a primeira vez que o preto estava associado a coisa boa.” 

E, para ele, foi a partir daquele momento que passou a criar consciência racial e adotar uma estética negra. “Comecei a me assumir e foi um divisor de águas porque as pessoas me viam preto. Antes eu tentava não ser preto no comportamento, na fala, na vestimenta, na forma de pensar, mas a partir daquele dia eu comecei a enegrecer e quando as pessoas me viam negro, elas me respeitavam em um lugar completamente diferente. Elas sabiam que eu não ia tolerar certas coisas, elas precisariam me respeitar”. 

Saias masculinas 

Paralelamente à carreira artística, ele também é empreendedor e tem uma marca de saias masculinas chamada Galo Solto , que surgiu em parceria com um sócio que também queria usar saia, mas não achava uma que se moldasse nos corpos deles e, para isso, eles idealizaram uma saia com modelo para corpos masculinos em parceria com familiares que tinham experiência na área têxtil. 

Embora possa ser relacionada com uma peça de roupa agênero, Orlando conta que as mulheres podem usar, mas que toda a modelagem e construção foi pensada para corpos dito masculinos. 

“Quando ficou pronto nosso primeiro protótipo, falamos assim ‘vamos vender’ porque entendemos também que tem uma representação, um lugar político nessa peça de roupa”. 

Projetos futuros

Fora da televisão, ele irá dirigir dois espetáculos. O primeiro deles, “Pelada”, desenvolvido pelo seu grupo teatro, vai trabalhar as narrativas do subúrbio por meio do humor e a ideia surgiu durante a pandemia em uma espécie de produção audiovisual, que será adaptada em uma peça, desta vez, as bichas pretas e periféricas serão as protagonistas.

A obra falará sobre a disputa de espaço entre homens héteros que querem jogar futebol numa quadra que será desativada e homens homossexuais que querem jogar gaymado no mesmo lugar e horário. “Gaymado” é o nome modificado do tradicional esporte coletivo “Queimada”, quando jogado exclusivamente por homens gays.

“Eu sou do subúrbio e por muito tempo me questionava por que não consegui formar uma família no teatro, e acho que isso é por conta das narrativas. O teatro carioca sempre ficou falando de si e se distanciou do público, em especial aquele que não tem o hábito de ir ao teatro. E esse projeto trata exatamente disso, trazer nossas narrativas no viés positivo, saindo do lado da escassez. Acreditamos que, a partir do humor e do riso, conseguimos trazer os nossos para o teatro, e, após uma série de acontecimentos traumáticos, como pandemia e crise econômica, fazer um teatro de acolhimento é importante”, pontua. 

Já a peça “Planeta Blec”, será uma adaptação de “Hora do Blec”, famosa animação criada pelos compositores David Junior e Yazmin Garcez, que será transformada em um musical dirigido por Caldeira.

“Estou muito animado porque parte da minha trajetória tem a ver com o público infantil. Tenho um solo chamado 'Boquinha...E assim surgiu o mundo', escrito pelo Lázaro Ramos, com direção do Lázaro e da Suzana Nascimento, e eu já tinha feito outro espetáculo voltado para crianças. Vai ser uma honra e uma alegria muito grande de poder falar com as crianças, de um personagem preto, de uma família bem-sucedida. Trazer esse olhar do lúdico e fazer com que crianças pretas se sintam representadas", diz.

O mais legal é que, para a escolha dos atores, serão realizadas oficinas em alguns locais periféricos do Rio de Janeiro, e os atores da peça serão jovens talentos descobertos por meio dessas oficinas. Assim que “Pelada” estrear, começarão os ensaios de “Planeta Blec”.

Nos cinemas, ele fará um cientista em “Os aventureiros – A origem”, filme estrelado por Luccas Neto. A produção, que estreia no primeiro semestre de 2023, aborda dimensões alternativas e universos mágicos cheio de mistérios.

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** Julio Cesar Ferreira é estudante de Jornalismo na PUC-SP. Venceu o 13.º Prêmio Jovem Jornalista Fernando Pacheco Jordão com a pauta “Brasil sob a fumaça da desinformação”. Em seus interesses estão Diretos Humanos, Cultura, Moda, Política, Cultura Pop e Entretenimento. Enquanto estagiário no iG, já passou pelas editorias de Último Segundo/Saúde, Delas/Receitas, e atualmente está em Queer/Pet/Turismo.

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