Mandy Candy consolida uma carreira de quase 10 anos na intenet
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Mandy Candy consolida uma carreira de quase 10 anos na intenet

“Quanto mais pessoas trans estiverem criando conteúdo na internet, estudando em universidades, trabalhando e ocupando vários espaços, menos preconceito a gente vai criando, porque mais informação estaremos passando para as outras pessoas; que poderão se descobrir trans ou terão algum amigo ou familiar trans”, reflete a primeira youtuber trans do Brasil, Amanda Guimarães , mais conhecida como Mandy Candy , hoje, com 34 anos.

Pioneira na criação de conteúdo sobre pessoas trans, a influenciadora digital começou a trabalhar com internet no ano de 2014 porque sentia a necessidade de consumir conteúdos de influenciadores trans, mas não conhecia nenhum. Por isso, decidiu ser a primeira.

“Quando comecei a criar conteúdo na internet, quase não tinha nenhuma mulher ou homem trans que fizessem, decidi abrir minha vida e, com isso, ajudar outras pessoas, quebrar um pouco do preconceito que as pessoas cis tinham na época”, conta Mandy.

Mandy Candy é um exemplo de youtuber que teve vídeos censurados
Reprodução/Youtube
Mandy Candy é um exemplo de youtuber que teve vídeos censurados

Ela começou sua trajetória no YouTube falando de cultura japonesa e games. Hoje, com quase 10 anos nas redes, ela fala sobre lifestyle e moda — e sempre com um toque de humor. A  transgeneridade sempre foi pautada em seus vídeos, intercalando entre conversas leves e mais sérias, ela inspirou muitos jovens a se perceberem enquanto pessoas trans.

Mas não foi nada fácil. Apesar do nicho dominado por jovens na época, a influenciadora não foi poupada dos comentários preconceituosos nas redes, que chegaram a se transformar em ameaças.

“No início eu sofria bem mais. A cada vídeo que eu postava, acredito que 60% dos comentários eram de pessoas me agredindo por eu ser uma mulher trans. Hoje em dia, por já ter criado uma bolha com 3 milhões de pessoas que são superlegais comigo, eu não recebo tantos comentários maldosos como antigamente.”

Mandy também avalia que sofria mais com os comentários transfóbicos, devido aos estereótipos que a televisão reverberava sobre pessoas trans ou LGBT, de maneira geral. “Quando víamos uma pessoa trans ou até mesmo LGBT, éramos sempre vistos como uma chacota ou 100% sexualizados. Atualmente, não vejo mais isso. Tenho várias amigas que são atrizes e elas fazem papéis incríveis e acho isso muito mágico”.

Antes de fazer sucesso na internet, ela trabalhou como atendente de telemarketing: “Como estava no início da transição, eu não conseguia emprego em nenhum lugar. Foi um período difícil, mas aprendi muito”, diz a influenciadora.

Depois disso, Mandy estudou para ser costureira, cabeleireira e teve uma loja on-line, mas foi criando conteúdo para a internet, que pôde se encontrar de verdade.

Em 2016, Mandy lançou o livro “Meu Nome é Amanda”, no qual compartilha a vivência de ser uma mulher transgênero e sobre o desconforto que tinha com seu corpo e sua escolha de, aos 19 anos, com o apoio da mãe, ir para a Tailândia fazer  a cirurgia de redesignação de gênero. Além do bullying que sofreu e a trajetória na internet.

“Foi meu primeiro contato com meus seguidores e foi superemocionante ver famílias levando seus filhos e filhas trans para me agradecer, dizendo que por meio dos meus vídeos conseguiram entender melhor o que estava acontecendo”, afirma.

Transfobia na Coreia do Sul x Brasil

“A gente sabe que o Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo”. 

Mandy morou na Ásia por sete anos, passando pela Tailândia, na China, em Hong Kong, Seul e Coreia do Sul. Quando morava na China, ela não disse para ninguém que era uma pessoa trans. Apenas quando foi para a Coreia do Sul, onde viveu por três anos, algumas pessoas sabiam.

Mandy Candy sofreu agressão transfóbica no Brasil
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Mandy Candy sofreu agressão transfóbica no Brasil

“Na China, ninguém sabia porque eu não falava chinês, mas sei que o país é muito machista, transfóbico e homofóbico”, cita ela, que acrescenta: “Só na Coreia do Sul algumas pessoas sabiam. Em ambos eu consegui lidar bem, mesmo sabendo de todo preconceito que existe lá. Mas, é algo velado, diferentemente do Brasil. Eles não aceitam, mas eles não vão ver uma pessoa trans e falar ‘Você não pode ser assim, você vai pro inferno por causa disso'. 

Para ela, o Brasil é pior em relação à transfobia.

“Aqui no Brasil, o pessoal agride mesmo, como já aconteceu comigo. Jogaram uma lata de cerveja na minha cabeça. Eu estava indo trabalhar no telemarketing, eu trabalhava à noite, passaram uns rapazes e jogaram cerveja na minha cabeça, e ainda me chamaram de ‘traveco’. Foi péssimo! A gente sabe que o Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo”.

Em 2019, Mandy retornou ao Brasil mesmo sabendo dos riscos que sofria. Como já havia consolidado sua carreira, optou pela volta para conseguir abraçar mais ofertas de trabalhos que surgiam para ela.

“Eu estava morrendo de saudade da minha família e meu canal havia dado um ‘boom’ muito grande e toda hora chegavam propostas de trabalho, só que, morando fora do Brasil, não conseguia fechar acordos. Então, foi um misto: o meu desejo de retornar, pois eu queria crescer ainda mais e trabalhar com outras coisas e estava morrendo de saudade da minha família”.

Foi também em 2019 que ela decidiu abraçar o lado empreendedora e investiu para ter seu próprio salão de beleza, chamado “Bem Garota”, em Porto Alegre, que tinha a diversidade como foco. Porém, devido à pandemia do coronavírus que surgiu meses depois, ela precisou fechar o local no final de 2021.

Neste mesmo ano, a influenciadora foi surpreendida e pedida em casamento por Marcelo Soares, após um ano de namoro. Atualmente noivos, ela conta que conheceu Marcelo em uma festa.

“Fiquei com ele, mas no início ele não sabia quem eu era porque ele consome conteúdo na internet totalmente diferente do que costumo criar; só conteúdo nerd, por exemplo. Só depois que fomos nos conhecendo melhor”.

Marcelo nuca tinha se relacionado com uma pessoa trans, mas Mandy conta que com ela isso não foi um problema : ele soube respeitar desde o início. “Foi tudo muito normal”, adiciona ela, que comenta o desejo do casamento acontecer até o final do ano que vem. Mas cita que agora a prioridade é sua carreira.

O crescimento da comunidade trans na internet

Por ser uma das primeiras, ela também celebra a inserção de  criadores de conteúdo trans na internet todos os dias. “Eu acho isso muito mágico porque eu tinha que correr atrás de todas as informações sozinha. E vendo que o meu trabalho, não só o meu, mas como de diversas outras pessoas, abriu portas para outras criadoras e criadores trans, me deixa bastante feliz”, comemora Mandy, que cita alguns que acompanha, como Bielo Pereira, Thiessita, Anne Mota e Jonas Maria, mas enfatiza que é uma lista enorme.

“Acho muito interessante quando as pessoas trans, em geral, fogem do assunto [ser uma pessoa trans] para mostrar que uma pessoa transgênero pode ser diferente de cada uma”.

“Quanto mais pessoas trans estiverem criando conteúdo na internet, estudando em universidades, trabalhando e ocupando vários espaços, menos preconceito a gente vai criando porque mais informação estaremos passando para as outras pessoas; que poderão se descobrir trans ou terão algum amigo ou familiar trans.”

No decorrer de sua trajetória, Mandy também sempre foi atrelada a ser uma influenciadora trans. Para ela, isso chegou a incomodar em alguns momentos, mas hoje em dia ela reconhece a importância de sempre estar falando sobre quando é necessário.

“Sempre quando alguém me entrevistava, era sempre a mesma pergunta: ‘Quais são as dificuldades e blá blá blá’. Mas, com meu amadurecimento, reconheci a importância de falar sobre porque é uma parte da minha vida, querendo ou não. Foi como muitas pessoas me conheceram e eu podendo falar sobre essa parte da minha vida, eu ajudo outras pessoas”.

Para ela, saber que ajudou a quebrar o preconceito dentro de várias casas é realizador e é um dos motivos pelos quais ela começou.

Natural de Gravataí, interior do Rio Grande do Sul, Mandy está atualmente morando em São Paulo e conta também seu desejo de ser atriz e dubladora. Ela está com um pé no segundo semestre do curso de atuação na Escola de Atores Wolf Maya e já traça planos para sua vida profissional.

“Acredito que eu não vou parar de trabalhar com a internet, ainda mais porque quero ser atriz, e temos que estar sempre postando sobre nossa vida e ter uma presença on-line”.

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** Julio Cesar Ferreira é estudante de Jornalismo na PUC-SP. Venceu o 13.º Prêmio Jovem Jornalista Fernando Pacheco Jordão com a pauta “Brasil sob a fumaça da desinformação”. Em seus interesses estão Diretos Humanos, Cultura, Moda, Política, Cultura Pop e Entretenimento. Enquanto estagiário no iG, já passou pelas editorias de Último Segundo/Saúde, Delas/Receitas, e atualmente está em Queer/Pet/Turismo.

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