Durante toda a campanha do primeiro turno das eleições foi possível encontrar candidatos, principalmente da direita, fazendo discursos antidemocráticos e que excluem terminantemente a comunidade LGBTQIA+ de quaisquer direitos. Já o segundo turno, com menos candidatos, é possível acompanhar com mais clareza as propostas dos concorrentes a governador e à presidência e perceber que alguns deles têm posições claramente LGBTfóbicas, o que deveria ser um motivo a mais para não ganhar votos dessa população, mas isso não é o que acontece.
Recentemente, o ator e humorista Evandro Santo, assumidamente gay, mais conhecido como Christian Pior, que trabalhou no extinto "Pânico na TV", declarou voto no candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL) , o mesmo que já proferiu discursos homofóbicos claros (veja vídeo abaixo) como "eu tenho imunidade parlamentar para dizer que sou homofóbico sim, com muito orgulho", na época em que era deputado federal, ou mesmo "eu não gostaria de ter um casal de vizinhos homossexuais", durante uma entrevista ao extinto "A Liga". O posicionamento do artista chamou a atenção de integrantes da comunidade e ele recebeu críticas por apoiar o atual presidente.
Jorge Miklos, que é pesquisador, psicólogo, professor e orientador científico, acredita que é problemático votar em alguém declaradamente LGBTfóbico porque este é um ato contra si mesmo e, de acordo com a psicanálise, seria um gesto psiquicamente declarado como masoquista porque a pessoa está apoiando alguém que a prejudica. Além disso, o eleitor que toma essa atitude coloca em risco não só a integridade dela, mas também de outras pessoas que pertencem a esse grupo.
“O candidato Jair Bolsonaro já declarou várias vezes que é homofóbico, misógino, contrário à democracia e favorável à tortura, o que ofende todos os princípios democráticos”, expõe. “É preciso investigar porque que essa pessoa toma estas decisões ou por que que uma pessoa é capaz de investir em forças que atuam em prol do seu sofrimento. Isso a psicanálise vai chamar de um investimento masoquista. Provavelmente essa pessoa tenha algum tipo de recalque ou vergonha ideológica em relação aos seus, às suas emoções, aos seus sentimentos, então vota para se automutilar, talvez por alguma questão de culpa que pode estar embutido nisso tudo”, comenta.
Da mesma forma, a cientista social, assessora de processos internos em uma ONG e mulher trans, Nairóbi Souza, acredita que a pessoa esteja “cavando a própria cova” por estar em um processo de alienação. Ela justifica que a internet e as mídias trazem informações suficientes com questões sociais que discutem gênero e sexualidade, então não há motivos para se deixar enganar por candidatos que estejam contra a comunidade.
“A gente vive no Brasil, que é o país que mais mata pessoas LGBTs no mundo e essas pessoas não conseguem acordar para essa realidade, por isso que estão cavando a cova. Elas acham que vão mudar alguma coisa, mas o bolsonarismo já se tornou um movimento em que as pessoas LGBTQIA+ não estão inclusas. É um sistema de família que só se enquadra a branca, heterossexual e cisgênera, então essa pessoa LGBT não está inclusa. Não tem como votar em pessoas que têm um discurso de ódio, racista, LGBTfóbicos e machista. Defendo politicamente a vida e a dignidade humana e esse sistema destrói tudo o que a gente pensa, reflete e constrói”, alerta.
Independentemente de partido, um eleitor LGBTQIA+ deveria escolher seu candidato após observar se este tem propostas com políticas públicas em prol da defesa dessas minorias. Miklos destaca que é preciso se perguntar quais serão as ações governamentais e estatais que este candidato está propondo para combater e enfrentar o preconceito, o estereótipo e o estigma que recaem sobre esta população.
“Minhas perguntas seriam se esse candidato tem propostas de governo e quais delas trabalham para este grupo que é muito estigmatizado pela sociedade. Esse enfrentamento se faz por meio de políticas públicas que devem atuar tanto no campo da educação, da saúde pública, do judiciário e dos campos governamentais.”
Poder democrático
A democracia é o regime político que organiza a sociedade e o estado brasileiro, e o povo, por meio de seus representantes eleitos, governa para o próprio povo e atende aos interesses da população como um todo. Contudo, a grande questão é que, historicamente, isso se fez de maneira desigual porque uma parte da população tem mais dinheiro e determina o que é permitido ou não, deixando a população LGBTQIAP+ excluída dos processos políticos de definição do que é certo ou legal.
O advogado e urbanista Rodrigo Iacovini, coordenador no Instituto Pólis – organização de estudos, formação e assessoria em políticas sociais – comenta que é importante que os governantes olhem, pensem e também sejam LGBTQIAP+ para atender o interesse dessa população historicamente excluída como uma forma de reparar as desigualdades e as violências que essa população sofreu.
“Qualquer que seja o nosso representante político, ele tem que sempre olhar para o conjunto da população. Só assim vai entender quais são os diferentes grupos que existem ali, os processos sociais e políticos que se dão e de que maneira a gente torna esses processos políticos mais equânimes, mais igualitários. Por exemplo, em cidades como São Paulo a gente vê o massacre da população LGBTQIAP+, que não tem permissão para transitar na rua. Então, é importante que os governantes olhem para isso na hora de construir suas políticas públicas para reverter essas violências e essa desigualdade”, aponta.
Ele também acredita que votar em um candidato LGBTfóbico seja um retrocesso muito grande, uma violência porque este candidato já está diretamente afrontando o sistema democrático. Rodrigo diz que este tipo de governo já exclui uma parcela do povo que ele deveria representar.
“Quem vota em LGBTfóbico está legitimando-o para que ele possa usar a carta ‘tenho até eleitores LGBTQIAP+’. Eles não acham isso ruim, eles não acham isso problemático, quando, na verdade, o que a pessoa não percebe é que ela está imersa num sistema de exclusão e num sistema que mascara ideologicamente a violência que ela mesmo sofre. Por mais que um LGBTQIAP+ seja de direita, ela continua sofrendo a exclusão, sofrendo com a violência daquele sistema e não escapa disso. Mesmo que ela tenha uma passabilidade maior, uma condição econômica melhor, seja branca, homem ou cisgênero, em algum grau essa pessoa sofre a exclusão da nossa sociedade que é heteronormativa”, aponta.
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