A forma como o
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A forma como o "Hétero Top" é visto pela sociedade mudou nos últimos anos

O “hétero top”, expressão muito utilizada para designar o “homem hétero padrão” já é bastante utilizada há alguns anos, mas voltou à tona recentemente após participantes do “Big Brother Brasil 22” tratarem de formas bem distintas a definição.

O primeiro deles foi Lucas Bissoli, que se descreveu como um “hétero top do bem” em seu vídeo de apresentação, o que dá a entender que ser “hétero top” apenas não é algo bem visto, mesmo entre quem se entende como um. O segundo foi o participante Eliezer, que beijou e teve relações sexuais com duas mulheres dentro da casa em pouco tempo, mas este se recusando a receber o título estereotipado.

O último, e que reascendeu a polêmica, foi Gustavo Marsengo, que repercutiu ao dizer que se orgulha em assumir o título, no vídeo de apresentação para a “Casa de Vidro”, o advogado afirmou: “O ‘hétero top’ pintado hoje pela ‘lacrolândia’ é uma pessoa branca, bem-sucedida, e eu tenho orgulho de ser ‘hétero top’ no meu conceito. Eu sou hétero e me considero top”.

A fala de Gustavo deixou muitos internautas revoltados nas redes sociais, porém, já dentro da casa, ele acabou conquistando boa parte do público, mesmo quem é avesso ao “estilo top”.

Gustavo, que é bacharel em direito, teria supostamente sido treinado pela produção do programa a dizer a polêmica frase, e seu comportamento na casa leva a crer que isso possa ser verdade. Um dos padrões aos quais o “hétero top” se encaixa é ser um homem que não valoriza relacionamentos afetivos e se orgulha em “pegar muitas mulheres”, já Gustavo se mostrou bastante fragilizado em seu envolvimento com a médica Laís Caldas, principalmente após ela deixar a casa.  

De onde vem o hétero top?

O termo “top” passou a ser muito usado entre os jovens para definir algo “muito bom”, ou “que está por cima”. Um tweet bastante icônico publicado em 2010 pelo jogador de futebol Neymar Jr. é compartilhado até hoje, dizendo apenas “Deus é Top”.

Como um atleta, jogador de futebol, Neymar serve de inspiração para muitos homens hétero, que passaram a usar a expressão no dia a dia. Com o tempo, o que antes era usado de forma elogiosa, acabou assumindo um tom de deboche, ao ser associada a um tipo específico de homem, o hétero padrão, ou “hétero top” – o que, em outros tempos, era conhecido como “cabra homem” ou “cabra macho”, sendo que essas expressões costumavam ser vistas como elogiosas.

O que é um hétero top?

Segundo o dicionário, hétero - ou heterossexual - é uma pessoa que sente atração afetiva ou sexual por pessoas do sexo oposto: homem por mulher e mulher por homem. O “hétero top” está associado exclusivamente ao homem, que sente a necessidade de se afirmar como homem, consequentemente tendo atitudes machistas e preconceituosas, diminuindo o valor das mulheres e de minorias, como a LGBTQIAP+ .

A expressão, no entanto, está longe de ser um elogio e é usada como ironia e, geralmente, em tom jocoso quando se referem a um homem de masculinidade tóxica. Entre os sinônimos de hétero top também estão as expressões “boy lixo” e “macho escroto”.

Parte do estereótipo definido pela internet para o hétero top diz que este é comumente encontrado usando roupas como bermuda, sapatênis, camisa polo ou regata. O hétero top também é adepto de academia e gosta de ostentar um corpo malhado, a fim de elevar a própria autoestima. Geralmente se mostrando indignado ao ser recusado por mulheres e se gabando por ter ficado com mais de uma mulher em uma festa ou balada de sertanejo universitário.

O hétero top e o Big Brother Brasil

Não é de hoje que o termo fica em evidência graças ao reality show da TV Globo: uma foto dos participantes do “BBB 20” se tornou um símbolo do hétero top nas redes sociais. Foi em 2020, inclusive, que a expressão ganhou força no Google, passando a ser muito buscada.

Hadson, Guilherme, Lucas, Felipe Prior e Petrix em foto tirada enquanto estavam confinados na casa do Big Brother Brasil 20
Reprodução/TV Globo
Hadson, Guilherme, Lucas, Felipe Prior e Petrix em foto tirada enquanto estavam confinados na casa do Big Brother Brasil 20

A necessidade de se autoafirmar

Para o homem classificado assim, ser hétero apenas não basta e ele parece sentir a necessidade de mostrar o quanto ele é viril para todos à sua volta, quase como se, de alguma forma, se sentisse ameaçado.

Ao iG Queer, a médica psiquiatra Natasha Senço explica que o que faz cada indivíduo se sentir ameaçado é bastante singular, “em linhas gerais, podemos pensar que todo excesso esconde uma falta”, diz. “O ser humano é um ser de fragilidades, com necessidade de sentido e pertencimento. Quanto mais frágil o ego, maior a necessidade de identificações com símbolos de poder. O que é o hétero top? Aquele que sustenta a fantasia de estar no topo, acima dos outros”.

De acordo com ela, a nossa estrutura sociopolítica – o famoso patriarcado – confere uma espécie de privilégio no exercício de poder ao homem heterossexual, mas que acaba sendo prejudicial também para o próprio.

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“Essa masculinidade é tóxica para os homens também, que precisam performar, têm dificuldades para viver seus afetos, sua subjetividade, estão sob ameaça constante de não estar à altura, não ser ‘homem suficiente’”, diz a psiquiatra.

A ameaça à masculinidade frágil

Se aficionado por academia faz parte das características comuns do 'Hétero Top
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Se aficionado por academia faz parte das características comuns do 'Hétero Top"

Com as mulheres e minorias ganhando cada vez mais espaço na mídia e na política, o homem hétero padrão que antes era quase unanimidade no poder tende a se sentir ameaçado, como se alguém estivesse tomando um espaço que é dele, e isso causa um certo incômodo.

Conforme exemplifica Natasha, para quem topa com esse modelo de hétero padrão, que não está acostumado a lidar com a própria fragilidade, tudo o que é diferente assusta.

“Quem não lida com as próprias questões, dificilmente terá empatia com o outro. Quem aceita se reprimir para se encaixar em padrões, muitas vezes o faz como um pacto implícito para manter uma certa ordem social, um jogo de poder que naturaliza certos privilégios”, exemplifica.

Natasha diz que a sociedade está em processo de desconstrução de diversas formas de opressão e que as relações de poder são exercidas sobre os corpos e os modos de vida. “Isso atravessa questões raciais, de gênero, de classe social, mas, sobretudo, a sexualidade, que representa o aspecto indomável da subjetividade humana”, afirma.

Os rótulos pré-definidos

Cada vez mais vemos as pessoas com uma necessidade bem particular de estar em um grupo, ou de se assumir em um rótulo, mas também o de encaixar o próximo em um, como se cada indivíduo não pudesse pensar por si só.

Como dito na frase de Gustavo, a “lacrolândia” aparece como a grande inimiga do hétero top, onde qualquer um que se oponha e defenda certos direitos está simplesmente “lacrando”, assim como, por muitas vezes, há um certo exagero e qualquer comentário pode se tornar motivo para o tão falado “cancelamento”, em vez do diálogo. E isso acaba afastando cada vez mais as pessoas.

“O homem é um animal gregário, de alguma forma, está sempre em busca de uma comunidade, uma turma… Às vezes não se dá conta de que estamos todos juntos nessa”, diz a médica.

Natasha afirma também que para a construção social é preciso alteridade, tolerância e convivência com a diferença.

“A diversidade é muito importante no âmbito coletivo. Tem uma série de mudanças na pós-modernidade que transformaram a nossa forma de se relacionar e que trouxeram muita polarização, mas especificamente, uma questão que preocupa é o efeito que o modelo atual das redes sociais tem na comunicação e no pensamento humano”, diz.

Para a psiquiatra, o algoritmo funciona como uma neurose que vai reforçando para o sujeito apenas o que ele já sabe, à medida que esconde tudo o que ele não está interessado em saber.

“Rapidamente, vão surgindo panelinhas que não fomentam trocas, pensamento crítico e esvaziam as possibilidades de diálogo. Como vou construir um diálogo a partir de um cancelamento? Isso é muito perigoso para os jovens, que ainda são imaturos e não dimensionam o alcance e a perenidade da exposição na internet”, alerta.

Para Natasha, houve uma dissolução entre a vida pública e a vida privada, mas não são a mesma coisa. A psiquiatra ainda mostra preocupação em relação às redes sociais, como o Twitter. “Vemos mais mobilização com falas casuais de participantes do BBB do que com declarações escandalosas de representantes públicos. É algo para pensarmos…”, conclui.

O estereótipo do estereótipo

Um vídeo publicado pelo canal Porta dos Fundos, no YouTube, reproduz de forma humorada o arquétipo de “hétero top”. A esquete, protagonizada pelo humorista Rafael Chalub, mais conhecido como Esse Menino, mostra de forma satírica os padrões de comportamento do hétero top em seu habitat.

Parte da piada diz que “o homem hétero é a única espécie no reino animal que faz questão de provar que é hétero”. 

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