Surgido nos Estados Unidos na década de 1970 para 1980, o movimento Urso tem como principal propósito mostrar o oposto do esperado da maioria dos homens gays com relação à aparência, ou seja, consistem em homens gordos, peludos e barbudos. Esse movimento foi popularizado por Richard Bulger, que junto do parceiro, Chris Nelson fundou a revista “Bear Magazine” em 1987. Ela abordava temas e questões relacionadas à comunidade Ursa; a bandeira do movimento foi criada por Craig Byrnes, que inclui cores de pele e nacionalidade diversos: castanho escuro, laranja, amarelo, tan, branco, cinza e preto – além de ter uma pata de urso no canto superior esquerdo.
Devido à popularização do termo e do conceito, a comunidade Urso foi ganhando espaço e chegou ao conhecimento de cada vez mais pessoas. Em vista disso, desenvolveram-se também barreiras para essa comunidade dentro e fora do meio LGBTQIAP+. Para compreender melhor as experiências acerca da vida de uma pessoa da comunidade Urso, o iG Queer conversou com Leonardo Vilardi , que faz parte do meio e um dos sócios da Bearbie , uma festa dedicada à comunidade Urso.
Ele ressalta que dentro da comunidade LGBT há pessoas que utilizam o termo Urso de maneira equivocada, ou se apropriam dele de modo inadequado sem de fato corresponderem ao que essa palavra significa e quem ela representa. “Acredito que já sofremos mais, mas ainda existe sim [preconceito]. Hoje em dia a ‘cultura bear’ está bem mais dissuadida no meio da comunidade, porém não de uma maneira que valorize os corpos fora do padrão exatamente. É comum ver caras musculosos ou magros que tenham pelos ou barba se autodenominando ursos, mesmo não frequentando esse rolê ou não curtindo ursos em si. No geral, quem sofre mais preconceito não são os ursos como um todo, mas sim os que são gordos maiores, ou mais velhos”, explica.
Para ele, a comunidade Urso cumpre a importante missão de ressaltar diferentes tipos de corpos que fazem parte da letra G e fogem dos padrões impostos e reproduzidos dentro e fora da própria comunidade LGBTQIAP+.
“Acho que a principal importância da comunidade é dar espaço e voz para uma grande camada da letra G. Ainda que existam seus problemas estruturais (como existe na sigla como um todo e principalmente no meio gay), a comunidade bear permite que pessoas que se sentem excluídas ou pouco à vontade em outros lugares por conta do seu corpo ou das suas características fora do padrão (ser gordo, peludo, careca, etc.) sejam incluídas e tenham essas características valorizadas”, pontua.
Ao ser questionado sobre quais são as principais reivindicações da comunidade Urso, Leonardo é claro e direto: “Desde sempre, acho que a principal reivindicação é a de poder ser livre para se sentir bem no corpo que quiser. Mesmo que muitas vezes isso fique implícito, acho que a essência da comunidade é essa: não preciso estar no padrão para me sentir bem, ser desejado e me divertir”.
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Mesmo que haja bares e festas voltadas para os Bears, é possível questionar se mesmo dentro destes meios o acolhimento é efetivo ou se existem alguns conflitos dentro da própria comunidade em si. Leonardo explica que essa questão pode ser bastante relativa. “No geral, acredito que a questão de ser ou não ser acolhedor é um pouco meio a meio. Existem muitos espaços onde grande parte da comunidade se sente muita acolhida e à vontade mas outras não, enquanto em algum outro espaço, seja bar ou festa, essa parcela que não se sentia incluída no primeiro, vai gostar mais”, explica.
Ele acrescenta ainda que o estereótipo de “macho forte e viril” continua muito popular, ou seja, continuam existindo barreiras a serem enfrentadas, mas, por outro, a comunidade continua crescendo aos poucos. “As barreiras ainda existem sim, a valorização exacerbada do ‘homem macho e viril’, ou das suas características, ainda é um obstáculo quando se trata de inclusão, além do fato da maioria desses espaços ainda ser frequentado majoritariamente por pessoas cis e brancas. Sinto que está havendo uma melhora nesses pontos de uns anos pra cá, mas a passos lentos. Assim como a comunidade gay, como um todo, acredito que a comunidade bear ainda possa evoluir bastante para se tornar mais acolhedora e diversa”, ressalta.
Sobre a forma como a comunidade Urso é vista principalmente pelas pessoas de fora da comunidade, Leonardo ressalta principalmente os estereótipos relacionados às pessoas gordas, como o fato de não serem saudáveis, por exemplo. Além disso, há o fato de que muitos pensam que membros da comunidade Urso se relacionam apenas entre si e são mais “inacessíveis” – o que não é verdade.
“Essa visão da comunidade ainda é bem estereotipada sim, ainda que hoje a ideia, ou mesmo o nome, de ‘comunidade bear’ já esteja mais dissuadida. Na maioria dos casos acho que a comunidade ursina ainda é mal vista por boa parte da comunidade. Existe muito a relação de que pessoas gordas não são saudáveis, ou não são bonitas. De que pelos e barba são sinônimos de falta de higiene, de que ursos são menos 'acessíveis' e só se relacionam e interagem entre si, enfim… muitos desses estereótipos veêm perdendo a força com o tempo, mas ainda existem”.
Leonardo explica ainda que o motivo pelo qual homens da comunidade Urso muitas vezes preferem estar em ambientes voltados para o próprio meio é justamente o fato de que podem ser mal vistos em outros ambientes. “O cara que é urso dificilmente vai se sentir, ou de fato ser, desejado em todos os ambientes voltados para o público LGBT, por isso acaba preferindo ir ao rolê dos ursos mesmo. Com o surgimento e ganho de espaço da comunidade body positive vejo que muita gente que antes se identificaria, e só frequentaria, no lugar de urso hoje se enxerga de um jeito diferente, além desse nicho, e se sente bem em diversos espaços”, conclui.
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