Grag Queen conta sobre bastidores do
Rodolfo Magalhães
Grag Queen conta sobre bastidores do "Queen Of The Universe", relação com a família e importância de sua vitória para o Brasil

“From Canela, Brazil, Grag Queen”, é como o apresentador abertamente gay Graham Norton apresenta a drag brasileira na primeira edição do “Queen Of The Universe”, uma competição musical dirigida pelos mesmos produtores de “RuPaul’s Drag Race”.  Grag Queen se destacou entre 14 drag queens de diversos países e levou para casa a primeira coroa da história do programa – além de um prêmio de US$ 250 mil, o que equivale a R$ 1,4 milhão.

O episódio final do reality foi exibido no dia 30 de dezembro de 2021 em uma emissora nos Estados Unidos, mas vai ao ar nesta quinta-feira (13) no Brasil, pela Paramount+. Além da apresentação de Norton, também estavam no júri as cantoras Vanessa Williams e Leona Lewis, a drag queen Trixie Mattel e "braço direito" de RuPaul, Michelle Visage.

Ao iG Queer, a drag brasileira lembra o mix de sentimentos ao ouvir o apresentador inglês apresentá-la como a “Girl From Canela”. Ela lembra que aquela “Canela” ao qual Norton se referia era a mesma cujo nome ela escrevia todas as manhãs no caderno da escola para fazer o cabeçalho. "Isso me ajudava muito a me conectar com o Gregory que não teria capacidade ou autoestima nenhuma, que nunca pensou que poderia ser capaz de fazer o que eu fiz", afirma.

Cheia de carisma e com um sorriso que não esconde a felicidade da vitória, Grag conta que não chegou à competição com o intuito de vencê-la; essa "sede de vitória" só apareceu quando ela se deparou com a final. Segundo ela, o principal objetivo de toda competição era apenas se divertir. "Eu queria mostrar meu talento, que eu era bonita, que eu era do Brasil e que as brasileiras são as maiores e melhores que tem no mundo. No fim, me divertindo e brincando, eu acabei ganhando a coroa", diz.

Filha de evangélicos, a drag chegou a ser expulsa de casa pelos pais; hoje, ela garante que os três se dão bem e que são eles os maiores apoiadores dela. “Meu pai fala que agora é pai de Miss”, revela a drag, feliz e realizada.

Tão importante quanto levar o título de Rainha do Universo para casa foi ser uma representante do que há de melhor da cena drag e da produção cultural e artística LGBTQIA+ brasileira. “Os melhores artistas do Brasil são LGBTQIA+, falando de qualidade, conceito e amor ao que fazem. É um povo do caramba, é o maior e eu amo”, declara.

Ao longo da entrevista, Grag relembra ainda importância de se falar português e usar looks com inspirações brasileiras em um programa de língua inglesa, o que pretende fazer com o valor em dinheiro do prêmio e o fato das outras participantes amarem receber figurinhas da Gretchen no grupo de WhatsApp que elas integram.


iG Queer: Você é a primeira vencedora da história do Queen Of The Universe. O que você sente quando se dá conta disso?

Grag Queen: Eu sinto calafrios (risos). Eu sinto uma grande ficha que está escorregando e querendo cair porque, para mim, ainda é muito doido pensar que vim lá de Canela e agora sou a Rainha do Universo. Nunca projetei e nunca pensei nisso, mas aceito.

iG Queer: Você faturou o prêmio de US$ 250 mil, que equivale a quase R$ 1,5 milhão. Já sabe o que vai fazer com o dinheiro?

Grag Queen: Eu sei, sim. Quem ganhou foi a Grag de peruca, então ela é quem vai gastar esse dinheiro. Se ela for fazer clipe, fazer álbum, comprar outras perucas, muitas maquiagens… com certeza ela vai usar muito bem esse money.

iG Queer: A música “Rise Up”, da Andra Day, foi a que te coroou como a vencedora da competição. O que essa música representa para você?

Grag Queen: Eu adoro que eu estou dando essa entrevista no Brasil porque é aqui que a gente entende o quanto, várias vezes na nossa vida, a gente teve que olhar para cima, independente do que a gente acredita, e pedir forças para levantar. Não é fácil. Todo mundo tem suas lutas, babados e perrengues. O brasileiro é muito foda porque para ele desistir não é uma opção. E muitas vezes a gente teve que olhar para gente mesmo e levantar, ser o que a gente quiser ser e fazer o que precisa fazer. Estávamos gravando a final no meio de setembro. Nada de vacina, o governo desgovernadíssimo e a gente vivendo no país que mais mata pessoas da minha comunidade. Então, quando escolhi a música, pensei: por que não gritar que a gente vai se levantar? Que sejam mil vezes, a gente vai continuar se levantando porque uma hora ninguém derruba mais.

iG Queer: Em muitos momentos, você falou português em um programa de língua inglesa, o que é algo muito significativo, e deixou os brasileiros de coração quentinho. Vários looks seus também tinham referências brasileiras. Por que fez essas escolhas? Você considerou como importante difundir nossa cultura aos falantes da língua inglesa?

Grag Queen: Acho, sim, muito importante. Porque não tem como eu simplesmente dizer que sou do Brasil e não mostrar o que é o meu Brasil e o porquê de eu ser daqui. Eu acho que é isso que me faz brasileira, as pessoas pensarem: “Olha lá aquela doida falando umas palavras que eu não entendo”. E é isso aí, eu falo mesmo porque vai ter que saber! Tem que falar, senão não conversa com a Rainha do Universo (risos).

Mas fiz isso também por não ter cantado uma música em português porque senti que quanto mais eu avançava, isso poderia ser um tiro no pé e me tirar da competição. Então pensei que se eu não pudesse cantar uma música em português, eu ensinaria essas gatas a falar um monte de palavras em português. Eu vou me vestir de menina carnavalesca. Acho que o que levei não foi nada estereotipado, foi simplesmente a nossa energia, nossa felicidade, o nosso “vamos embora fazer, não importa onde é que está”. E eu amei. Espero muito que tenham se sentido representados de alguma forma.

iG Queer: Você nasceu em Canela, no Rio Grande do Sul, e o tempo todo sua cidade era citada para te apresentar. Com isso mexeu com as suas raízes?

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Grag Queen: Era muito doido ouvir o Graham Norton, com um sotaquinho inglês, dizer “from Canela, Brazil. Foi quando eu disse “meu Deus, eu estou muito distante”, mas me lembrava que o mesmo “Canela” que eu ouvia era o “Canela” que eu escrevia todo dia de manhã no cabeçalho, na minha escola, em um trabalho ou algum currículo. A cidade em que nasci sempre esteve presente comigo. Isso me ajudava muito a me conectar com o Gregory que não teria capacidade ou autoestima nenhuma, que nunca pensou que poderia ser capaz de fazer o que eu fiz. Isso me enraizou muito assim, colocou meu pé no chão e me fez pensar: “Olha de onde tu veio e olha onde é que tu está”. Era isso que eu ouvia ele [Graham] gritar, sabe?

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iG Queer: Entre as pessoas que participaram do júri do reality está Michelle Visage, que é o braço direito da RuPaul e uma lenda para os fãs de “RuPaul’s Drag Race”. Como foi ter esse contato com ela?

Grag Queen: Não tem nem palavras porque ela realmente é uma lenda. Ela tem uma relevância gigantesca que conquistou com a personalidade dela. Receber elogios e vê-la levantando para me aplaudir… tipo, os joelhos da Michelle Visage levantaram para mim! Isso é muita coisa. Eu vejo "RuPaul’s Drag Race" desde a primeira temporada, via escondido quando eu nem era gay ainda. Ela sempre estava lá e, aí do nada, ela está na tua frente e gostando de tudo que tu faz. Ela me elogia porque ela me ama, porque eu sou eu e porque eu sei ser eu. Não tem validação maior. Eu estava nas nuvens! Ninguém mais vai me dizer que eu não sou maravilhosa porque se a Michelle me falou ninguém me diz mais o contrário.

iG Queer: Você, o júri e as outras drags criaram algum tipo de relação nos bastidores?

Grag Queen: Todas somos muito amigos. A gente tem até um grupo no WhatsApp. Algumas falam mais e outras falam menos. Eu só mando figurinha da Gretchen, que elas adoram (risos).

iG Queer: Sério?

Grag Queen: (Risos) Sim! Elas amam a Gretchen. E com os jurados eu converso com alguns, às vezes no inbox. Chique, né? Às vezes a Vanessa William responde os meus stories. Ela diz: “Gorgeous” [Linda, em inglês]. Eu desmaio, daí eu volto e digo: “Ai, obrigada!”. Eu fico tão feliz!

iG Queer: Teve algum momento na competição em que você se sentiu insegura ao não ficar em primeiro nos desafios, por exemplo?

Grag Queen: É muito nítido para todo mundo que eu não estava com fome de vitória. Eu só queria me divertir. Eu queria mostrar meu talento, mostrar que eu era bonita, mostrar que eu era do Brasil e que as brasileiras são as maiores e melhores que têm no mundo. No fim, me divertindo e brincando, eu acabei ganhando a coroa. Me senti com medo e mais competitiva na final. Foi aí que disse: “Tá, agora chega de diversão. Vamos trabalhar”. Porque ganhar US$ 250 mil não é um serviço fácil. Daí fui com sangue no olho. É até meio notório quando se vê as performances depois, parece outra pessoa lá na final. Não tinha quem me tirasse aquela coroa. Não tinha.

iG Queer: Você se abriu muito sobre sua vida pessoal dentro do programa e relatou que sofreu homofobia dentro de casa. Como seus pais são evangélicos, você ouvia muitas frases que te fizeram mal. Como foi passar por essas situações e o que você diria para tantas outras pessoas LGBTQIA+ que podem estar na mesma situação que um dia você esteve?

Grag Queen: É bem conturbado. Eu consigo me lembrar, sim, porque a gente nunca esquece. Fica marcado na vida de uma pessoa LGBTQIA+ esse contato com a descoberta ou a cultura de se assumir. Acabei sendo expulsa de casa e vi minha mãe extremamente mergulhada dentro da cultura do machismo. Ela não concordava com aquilo, mas não podia fazer nada por ser mulher. Foi incrível o tanto que a gente conseguiu evoluir porque a gente se amava. Eu tenho certeza que o nosso amor foi muito maior do que qualquer regra ridícula que o homem criou simplesmente para favorecer a ele mesmo. Meu pai não entendia, não gostava. Minha mãe também não entendia. Fomos em frente mesmo assim, sem entender, e deu tudo certo. Graças a Deus, hoje eles são os meus maiores fãs.

Infelizmente não é todo mundo que tem esse privilégio de conseguir converter a situação, e também tudo ok. Às vezes, tem gente que simplesmente prefere ficar desinformada. A gente tem nossa família que a gente cria de afeto, nossos amigos, pessoas que admiramos. A gente tem esse privilégio de poder escolher a nossa família, já que às vezes muitos não têm esse requinte de sorte que é ser mãe ou pai de uma pessoa LGBT.

Hoje, eu e minha família somos muito felizes. Quando eles aceitaram que eu era gay, a única coisa que eles falaram é que eu não me vestisse de mulher (risos). Eles são os maiores fãs da Grag. Minha mãe é cabeleireira e maquiadora, ela faz todos os meus cabelos e me ajuda. Ela manda mensagens dizendo como é que ficou a maquiagem, o que ela mudaria ou não mudaria. Já o meu pai disse que nada estraga o sorriso dele em Canela. As pessoas passam na frente de casa, fazem buzinaço e ele só dá um tchauzinho. Ele diz que é pai de Miss agora (risos).

iG Queer: Qual foi a reação dos seus pais quando você ganhou o Queen Of The Universe?

Grag Queen: Foi a maior felicidade. A mesma boca que falou para eles um dia que era gay e foi negada agora diz: “Mãe, pai, eu ganhei um concurso internacional e eu estou milionária”. É só a questão de pontos de vista, de parâmetro, de se amar e, principalmente, de informação. Não tem nada errado, gente! Não importa o que que é tua religião, o que que te falam… é humano! Só respeita, só tenta entender. Às vezes a gente coloca crenças em cima de uma existência. A gente deixa de aproveitar a vida de outras pessoas por causa de uma coisa que já estava ali. Então, eu acho que a nossa missão na Terra é evoluir.

iG Queer: Nós vivemos no país que mais assassina pessoas LGBTQIA+ no mundo e a cultura queer em todo mundo é muito marginalizada. Você acredita que sua vitória no programa possa simbolizar esperança para essa população e também valorizar ainda mais a arte drag feita no Brasil?

Grag Queen: Eu acredito e espero muito que sim, e me sinto muito honrada só com a possibilidade disso acontecer. Porque sim, um viado de peruca foi lá e fez o que pouquíssimas pessoas conseguiriam fazer, e não foi a minha orientação sexual que me impediu de fazer. Sim, nós do Brasil temos as melhores drags e os melhores artistas do Brasil são LGBTQIA+, falando de qualidade, conceito, amor ao que fazem. É um povo do caramba, é o maior e eu amo. Se eu pudesse nascer LGBTQIA+ eu nasceria todas as vidas. A gente é oprimido, mas depois que a gente aprende a voar, mona… Nunca mais!

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