A arte drag é uma manifestação artística característica da comunidade LGBTQIAP+ que vem ganhando cada vez mais fãs e adeptos no mundo inteiro. Seja pela possibilidade de brincar de ser quem quiser, pelos traços extravagantes ou por todo glamour das performances, as drag queens e drag kings encantam há gerações. Com o boom na popularidade, não é incomum encontrar pessoas que querem começar a se montar.
No entanto, muitas dúvidas podem surgir na cabeça de quem está a fim de embarcar no mundo drag. Afinal, como conseguir fazer maquiagens tão perfeitas e compor looks bem elaborados do zero? A maquiagem drag é recheada de truques e artimanhas que cada uma vai descobrindo com o tempo e passando para frente.
Para Ikaro Kadoshi, se montar de forma criativa e estar disposto a se expressar são as características de uma boa drag. “Ela não tem um padrão, não tem estética e não tem estilo”, diz. Ginger Moon e Penelopy Jean citam ainda que força de vontade, disposição para aprender e colocar a mão na massa também são atitudes importantes para o processo.
Ikaro e a drag queen Nicole Verywell reforçam que existem múltiplos estilos dentro da arte. Existem as drags mais básicas, femininas, masculinas, exóticas, disco, circenses e muito mais. “Isso tudo influi na maquiagem”, explica Nicole. É a partir dessa definição de estética que a pessoa artista vai saber no que investir para compor o visual completo lá na frente.
Penelopy e Ikaro, aliás, fazem parte da bancada jurada do programa "Drag Me as a Queen", ao lado de Rita von Hunty. No programa exibido pelo canal E!, elas ajudam as pessoas participantes a construírem drags para dar a volta por cima nas frustrações e dar vida às ambições.
Questionada sobre como avalia as montações finais das personagens do programa, Penelopy diz que “a make perfeita é aquela em que a pessoa se reconhece e se sente mais bonita, mais plena”. Ikaro diz que leva em conta a felicidade. “Avalio o olhar dela em gostar de ver a maquiagem. A maquiagem perfeita é a que ela quiser fazer, não existe algo específico. Ela vai ser sempre perfeita para quem é feita e para quem usa, não para os outros. Nunca foi sobre uma competição e sim uma expressão”, declara.
Quais itens preciso ter para começar a me montar?
Alex Silva, artista não-binário que dá vida à drag Kendra Karter, cita que os itens principais para começar são corretivo, base, pó ou base de contorno (uma de dois tons mais claro e outra dois tons mais escuro, ressalta Ginger), sombras, delineador e batom. “Cílios postiços também são válidos, mas considero opcional porque podem ser trabalhosos", explica.
Ginger diz que uma boa paleta de sombras pigmentada pode fazer a diferença, algo que ela mesma demorou para aprender. “No começo da minha drag fui testando com tintas, mas com a sombra é possível adicionar cores e esfumar”, indica.
Blush e pó translúcido também são bons complementos, mas são substituíveis. No caso do blush, é possível fazer a aplicação com batons e até sombras. Se não tiver como comprar um pó translúcido de primeiro momento, Ginger indica o uso de talco de bebê, prática comum entre drags para alcançar o efeito.
Para complementar ainda mais o kit, Nicole indica um conjunto de pincéis, lápis, primer, moldes para sobrancelhas e o bom e velho glitter, principalmente os furtacor. “Quando nada der certo, é só jogar glitter”, diz a drag.
Nicole indica que pessoas com barba invistam em um batom ou corretivo alaranjado para aplicar antes da base. Assim, as cores dos pelos faciais são neutralizadas. “O fixador de cabelo também pode ser usado como um fixador de maquiagem”, acrescenta. Quando terminar de se maquiar, basta fechar os olhos e espirrá-lo no rosto.
Ginger ressalta que nenhum desses itens precisam ser de marcas famosas e caras. Se o produto der conta do recado e o artista alcançar o resultado desejado, é válido.
As diferenças entre a maquiagem drag e a maquiagem convencional
Esqueça as regras da maquiagem feita no cotidiano. “A make drag é artística e, com isso, ela acaba sendo mais exagerada, dependendo da proposta desejada”, conta Alex. “A make drag é sempre mais marcada, mais dramática”, complementa Nicole.
Ikaro ressalta que a maquiagem social realça traços que a pessoa já tem ou disfarça algo que não se gosta, sem tantas modificações do formato natural do rosto. “A maquiagem drag faz com que você veja o seu corpo como uma tela em branco para pintá-la do jeito que você quiser. Então o céu é o limite”, diz.
Penelopy explica que é comum que as maquiagens drag sejam mais carregadas, tenham alta cobertura e cores mais vibrantes. Mas isso não é uma regra. “Existem drags com a maquiagem mais leve hoje em dia, como a própria Pabllo Vittar”, afirma a artista.
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No caso das maquiagens mais marcadas, Alex explica que é comum que se aumente características do rosto, como os olhos e a boca, e modifique a estrutura óssea por meio dos contornos. “A maquiagem drag em si foi feita para criar outro rosto, recriando formatos e linhas que ele pode não ter originalmente”, acrescenta Ginger.
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Perguntada se existe alguma limitação que deve ser imposta durante a criação, Ginger afirma que não. “Tem que ousar mesmo. É uma coisa que acontecia muito comigo no começo. Eu tinha medo de fazer as coisas e a maquiagem ficava pequena. Hoje minha maquiagem está supergrande, do jeito que eu gosto”, explica. “Drag é uma arte que não possui padrões. Pode ir fundo sem medo”, encoraja Penelopy.
Os truques da maquiagem drag
Ikaro explica que, para começar, é preciso “se desmontar” das características próprias para ver as outras aparecerem diante do espelho. Para auxiliar nisso, o truque mais utilizado é o de esconder as sobrancelhas e desenhar outra por cima. A tática mais usada para isso é o uso de sabonete ou cola bastão: basta aplicar de dentro para fora, esperar secar e cobrir com corretivo, base e pó. “Por cima, desenhe uma nova sobrancelha mais alta, que deixará mais espaço para trabalhar na maquiagem dos olhos e torná-los bem expressivos e marcantes”, ensina Penelopy.
Assim como os olhos, é possível fazer o formato maior da boca com lápis da cor da boca ou do batom que será usado. O traço novo pode ser puxado tanto para cima como para os lados. “Uso duas cores de batom. A cor mais clara vai no centro dos lábios e a mais escura nos cantos, deixando-os maiores. Também funciona utilizando gloss”, conta Nicole.
Para os olhos, Ginger aconselha o uso de clown cremoso, que são as tintas brancas artísticas, para intensificar as cores das sombras. O efeito também pode ser alcançado com base. “Se aplicar o clown antes de colocar a sombra, o tom fica mais pigmentado. Isso ajuda muito na hora de fazer as cores aparecerem”, aconselha.
“Faça a famosa quebração, que é como chamamos o truque de usar bases mais claras e mais escuras para mudar a estrutura óssea. Assim você aumenta a maçã do rosto e a testa, diminui o queixo, afina o nariz”, compartilha Ikaro. Para Nicole, marcar também a lateral e o maxilar faz diferença.
Além disso, ela usa iluminador com sombra mais clara no centro da testa, entre as sobrancelhas, no centro do queixo e no canto interno dos olhos. “Escureço e esfumo o canto exterior para deixar para um olhar mais sexy”. A drag queen também usa o truque de mesclar as cores para criar a impressão dos seios no colo. “Adoro usar decote. Por isso, escureço o centro do colo e uso sutiã menor, dando a ilusão dos seios”, conta.
Para pessoas com pele negra, Alex ensina um truque barato de selagem com maisena. “Ela não acinzenta, não oxida e a pele fica de porcelana”. Alex também enfrentou dificuldades com delineado. O truque que encontrou era o de aplicar um pedaço de fita crepe no ângulo desejado, traçar o delineador e retirar depois de seco.
Os principais desafios de uma drag (e como superá-los)
O truque da fita crepe ensinada por Alex pode ser útil para alcançar a simetria da maquiagem, o que Ikaro considera o maior desafio da arte drag. “A gente tenta fazer um lado igualzinho ao outro, o mesmo desenho e ângulo. Poucas pessoas são simétricas, então isso se torna um agravante”, explica.
Para Alex e Penelopy, o fator que mais pode ajudar na criação de maquiagens é entender bem como o próprio rosto funciona. “Aprenda onde é sua maçã do rosto, como sua sobrancelha se mexe perto da bochecha e como você se movimenta ao falar. São coisas que a maquiagem proporciona e que muda a maneira de se olhar”, explica Alex.
O truque de esconder as sobrancelhas era um desafio para Ginger Moon. “Entender que a forma como as outras pessoas fazem algo pode não funcionar para você é difícil. Às vezes, vemos na internet e pensamos que vai funcionar, mas não funciona. Também foi desafiador encontrar uma maquiagem que se encaixasse no meu rosto”, revela a drag.
Como passar por cima disso? Testando. Essa é a resposta dada por todas as artistas. “É só assim que a gente aprende e é uma das coisas principais da montação drag. Se a gente falar ‘ai, meu Deus, não estou conseguindo’ e parar não vai adiantar. A estética drag é um processo e a cada montação se aprende uma coisa nova”, diz Ginger.
Nicole cita que alguns facilitadores para as gerações atuais são a facilidade para encontrar produtos e a infinidade de tutoriais existentes em redes sociais como YouTube, Instagram e TikTok. A própria Penelopy Jean tem uma série de vídeos em seu canal no YouTube em que ensina sobre esses truques e sobre montação.
Ginger tranquiliza pessoas iniciantes na arte drag e encoraja a persistência. O principal lema é: não tenha medo caso a maquiagem fique feia. “O processo da maquiagem drag em si não é bonito e, sim, vai ficar feio. Isso acontece com muita gente, então não desista no meio! Você tem que passar pelo feio antes”, aconselha.
Por fim, Ikaro conta que seu principal truque de maquiagem é o mesmo de quando começou a se montar: se namorar o tempo inteiro e curtir cada minuto. “Pode demorar um tempo para chegar na expertise, mas não pode parar. O importante é continuar se namorando e se curtindo”, diz.
“Fazer drag, principalmente na hora de se maquiar, é uma terapia. Você analisa cada traço do seu rosto, percebe o que gosta e o que não gosta e até que o que não gosta é lindo demais. É um exercício de autoconhecimento. O truque maior é esse sempre”, finaliza.