Redes sociais podem acolher, mas causam dependência; veja como balancear o cosnumo
Shvets Production/Pexels
Redes sociais podem acolher, mas causam dependência; veja como balancear o cosnumo

As redes sociais podem ser um lugar muito mais prazeroso para se estar para pessoas que, por algum motivo, não se sentem em conformidade com a realidade que as cercam. Isso é nítido no caso de pessoas LGBTQIA+ : seja em perfis no Twitter e no Instagram, grupos no Facebook ou fóruns on-line, existem muitos espaços digitais que podem promover um ambiente de acolhimento e segurança — mais até do que cotidiano vivido de carne e osso.

Luisa Rodrigues, 24, diz que passa praticamente o dia todo no celular. De acordo com os dados divulgados pelo próprio aparelho, ela usou o celular por cerca de uma hora e meia em período próximo da entrevista ao iG Queer.

Para ela, viver o cotidiano virtual de forma intensa é realidade desde os 10 anos. "Sempre me senti mais acolhida, seja nas comunidades do Orkut ou na minha bolha no Twitter", diz.

Já Hunter, 19, que é autora e se identifica na internet por esse pseudônimo, afirma que está sempre no Instagram e no Twitter. Ela criou Hunter porque sente que, às vezes, a própria comunidade queer pode fazer mal, e ela quis se proteger de ataques bifóbicos. Além disso, o nome surgiu para postar os textos dela e se sentir segura. "Sinto que a Hunter é uma pessoa totalmente a parte de mim, é alguém que eu queria ser", conta.

Essa sensação, mesmo que breve, de acolhimento e segurança é o principal atrativo para o consumo de redes sociais das pessoas LGBTQIA+. “Hoje em dia, existem muitos blogs e aplicativos que facilitam que pessoas LGBT busquem ajuda em relação a violência. Além disso, essas buscas específicas reforçam a questão de exigir direitos e ir contra o preconceito, o que prova essas sensações nas pessoas”, explica a psicóloga Niceia Monteiro.

A profissional reforça que as redes sociais e a internet fazem parte da vida da sociedade como um todo, mas a proporção pode ser ainda maior para grupos que sentem que não podem se expressar inteiramente no mundo real.

Hunter explica que, fora da internet, sente ansiedade e medo de ser um incômodo para as pessoas ao seu redor. Ela não considera ser uma pessoa dependente das redes sociais, mas dá atenção que recebe por meio das tecnologias.

Luisa afirma que sua dificuldade em se relacionar com outras pessoas tem relação com sua orientação sexual, já que ela se identifica como bissexual, e pelo fato de ser uma pessoa neuroatípica (ou seja, pessoas que lidam com algum transtorno relacionado ao sistema neurológico).

“Vivemos em uma sociedade ainda heterossexista. Então, pessoas LGBTQIA+ se reconhecem como diferentes e buscam na internet quem as compreenda e a devida representatividade. Mas, muitas vezes, elas são movidas por medo de rejeição, sentimentos de culpa e ansiedade, o que as limita ao mundo virtual”, contextualiza Niceia.

Na internet, Luisa considera que é muito mais fácil encontrar pessoas que a abracem e com quem consegue se identificar. “Temos comunidades de determinados assuntos, seja para pessoas neuroatípicas, bissexuais ou LGBTQIA+, por exemplo. Na vida real, é muito mais difícil encontrar nossa bolha e sentir acolhimento. Na internet, temos o algoritmo para fazer isso por nós”, pontua.

(Continue a leitura logo abaixo)

Leia Também

Tanto Hunter como Luisa consideram que essas bolhas foram importantes para que elas se sentissem seguras e escutadas. “Tenho um grupo de leitores que me acolheu. Sempre que sumo por algum motivo, eles estão lá por mim. Isso foi uma conexão para vida toda. Também se tornou um grupo de amigos e, assim que eu tiver coragem de me mostrar na internet, eles serão os primeiros a saberem minha identidade”, conta.

Leia Também

Luisa diz que os amigos virtuais salvaram sua vida. “Tive apoio deles em momentos de crises. Eles também comemoraram comigo meus momentos felizes. Me descobri e me aceitei bissexual graças a essa comunidade virtual”.

O outro lado

Assim como a internet pode proporcionar sentimentos bons, Niceia reforça que existem pontos negativos que devem ser levados em conta e observados. Primeiro porque nem todas as informações são seguras no ambiente virtual; segundo porque, caso a maior parte do tempo de alguém seja voltado às redes, essa pessoa pode se privar de vivências reais que podem contribuir com amadurecimento e crescimento pessoal.

“É considerado um sinal de alerta quando a interação na rede toma uma proporção muito grande, quando a pessoa perde o limite entre a interação presencial e on-line. Às vezes, mesmo na presença de alguém, há interação maior pelo celular. Infelizmente, esse comportamento é cada vez mais naturalizado”, aponta.

Niceia aponta ainda que, caso não exista atenção com a forma e o tempo gasto no celular, pode ser comum que haja o desenvolvimento da nomofobia; ou seja, o medo de ficar longe do celular.

“Alguns sinais ligados à nomofobia são ansiedade e angústia quando longe do celular; não conseguir se desconectar; verificar as notificações o tempo todo; ou pegar o celular ser a primeira tarefa depois de acordar”, pontua a psicóloga.

Discurso de ódio

Niceia lembra que existem espaços virtuais que podem ser hostis para pessoas LGBTQIA+ e que podem fazer muito mal para essa comunidade. “Em alguns lugares, existem críticas muito duras que, caso a pessoa não tenha um bom preparo emocional, pode desenvolver ou acentuar problemas terríveis, como depressão, ansiedade e até suicídio”, alerta.

Além disso, essa população é uma das que mais sofrem com ataques de discurso de ódio e difamação nas redes sociais. De acordo com o estudo "Online Hate and Harassment Report: The American Experience 2021", realizado pela ONG judaica Anti-Defamation League (ADL), as pessoas LGBTQIA+ são o grupo que mais sofre com discursos de ódio na internet: cerca de 64% da população sofre com assédios nas redes sociais.

A comunidade lidera os grupos pesquisados, e é seguida por muçulmanos (46%), pessoas que se identificam como homens (43%), pessoas que se identificam como mulheres (40%), judeus (36%), pessoas negras (33%), pessoas hispânicas e latinas (31%) e pessoas asiáticas (31%).

Acolhimento além das telas

Mesmo diante dos riscos, Niceia não descarta a importância do apoio nas redes sociais para o desenvolvimento de pessoas LGBTQIA+. No entanto, ela afirma que é importante não se esquecer da vida real. “É preciso usar o que elas aprendem e esse acolhimento para o mundo e colocar essa postura na realidade, como uma pessoa merecedora de todas as suas garantias”, diz.

Para a psicóloga, é importante também ter em mente que as redes sociais são um recorte da vida. “Precisamos pensar os motivos pelos quais a internet parece mais interessante que a realidade e nas relações com outras pessoas, seja familiares ou de amizades. Também deve-se entender se existe falta de diálogo e de apoio”.

Portanto, essa faísca causada pela internet pode ser fundamental para ajudar a pessoa a se fortalecer de forma emocional para encarar a realidade. Além disso, ela sugere a busca por um profissional para poder conversar abertamente sobre essas questões e conseguir ajuda.

    Mais Recentes

      Comentários

      Clique aqui e deixe seu comentário!