Entenda a importância do processo de acolhimento das mães aos filhos LGBTQIAP+
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Entenda a importância do processo de acolhimento das mães aos filhos LGBTQIAP+




“Sou mãe do Gregory, um homem gay que também é drag queen”, começa Gislaine Oliveira ao ser questionada sobre a própria maternidade. Descobrir-se LGBTQIAP+ por si só pode ser um processo longo, intenso e doloroso, ainda mais quando questões como a aceitação da família e especialmente da mãe estão em jogo. O cenário ganha outros tons quando analisada pelo lado maternal, porém. Para uma mãe que acolhe enquanto outras não o fazem, a união se torna o centro do universo que se resume a duas palavras: meu filho.

A psicóloga e psicanalista Bianca Martins explica que um dos pontos mais comuns nesse caso, e que por vezes pode fazer parte dos conflitos pelos quais muitas mães passam para conseguir compreender e acolher os filhos LGBT, é a idealização e a expectativa nutridos com base no que esse indivíduo vai ser, fazer e gostar. 

“Todos os pais possuem sonhos e fantasias e remetem isso aos seus filhos quanto à profissão a ser seguida, o modelo moral, seus modos de vida e que também se expressa na sexualidade dessa pessoa, afinal tanto a mãe quanto o pai geram filhos para que esses vivenciem aquilo que não pode ser realizado por eles", explica. "Quando um filho ou filha expressam a sexualidade diferente daquela ‘imaginada’ há uma perda desse filho ideal. Dependendo da relação que essa mãe tem com esse filho, de posse ou de autonomia, essa questão abre uma enorme ferida no narcisismo parental, e é isso que gera os conflitos, ou seja, dificuldades de aceitação das escolhas filiais”, argumenta. 

Gislaine conta que, desde a infância, por volta dos seis e dos sete anos, Gregory já lhe dava sinais que deixavam claro para ela que o filho poderia ser LGBT. “Ele era uma criança diferente do padrão ao qual estamos acostumados”, esclarece. “Para mim sempre foi muito tranquilo. Tinha esse sentimento de ‘ok, tudo bem’. A questão veio muito mais forte quando ele começou a se montar de fato, porque eu não entendia bem o que estava acontecendo, se ele era uma pessoa trans ou não, ou se queria mudar a própria aparência. Nunca tinha tido contato com a cultura drag”. 

Quando se fala da relação de pessoas LGBTQIAP+ com as famílias, e especificamente com as mães, usa-se com frequência o termo “aceitação”. Maria Rafart, psicóloga, diz ser contra o uso desta palavra. “Sou contrária porque passa a ideia de que é algo que necessite passar pelo crivo de alguém, por um carimbo, antes de ser aprovado e consolidado. Prefiro usar a palavra ‘acolhimento’, pois com ela temos carinho, abrigo, compreensão e apoio. Temos amor”, esclarece.

Durante esse processo de acolhida, Gislaine conta que se arrepende por não ter tomado a iniciativa de conversar com o filho diretamente, pois isso poderia ter evitado bastante da tensão que os envolveu perante o assunto. “Eu já sabia, mas fiquei esperando ele falar alguma coisa. Aquilo foi sofrido para ele, pois estava inseguro e com medo do que eu ia pensar e como iria reagir, e acho que eu podia ter evitado esses estresse se tivesse chego e dito ‘eu sei, está tudo bem, pode falar comigo’”, relata. 

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Para as mães com filhos LGBTQIAP+, algumas ações e práticas podem ser de grande ajuda tanto para ela quanto para o filho ou filha, pois promovem um ambiente mais saudável para ambas as partes em prol de evitar conflitos e rupturas que podem ser muito dolorosas e derivar traumas. Bianca Martins explica mais sobre isso. 

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“A mãe num primeiro momento terá que fazer o luto do filho ou da filha idealizados. Ou seja, aquele que foi sonhado por ela", avisa. "Para algumas mães é muito difícil. Para outras, menos. Isso também vai depender de como é a relação dessa mãe com aquele filho. Às vezes, é necessário tempo para reorganizar os laços entre mãe e filho, e vai depender também da capacidade de aceitação dessa mãe. Não há regras”, orienta. “Em seguida, o respeito pela filho. Quando uma mãe acolhe e o respeita quanto à orientação sexual, os vínculos parental/filial se mantêm, o que assegura a esse filho um lugar na linhagem e pertencimento à família. Trata-se de um exercício íntimo que cada um terá que realizar”. 

Gislaine, como destaca em sua biografia no Instagram, é uma “mãe em construção”. Ela alega que, no começo, mesmo acolhendo o filho de braços abertos, havia alguns detalhes que ela levou tempo para se habituar. “Naquela época, eu não tinha o conhecimento que tenho hoje. Sentamos, conversamos e ele me explicou as coisas. Nas primeiras vezes em que o vi montado, pensei ‘nossa, o que está acontecendo? Será que ele realmente sabe quem é e o que quer?’. Foi preciso muita pesquisa e desconstrução. Hoje consigo entender um pouco melhor e sou mais aberta, mas ainda preciso continuar aprendendo”. 

Ao ser questionada se a sociedade prepara as mães para a possibilidade de terem um filho LGBTQIAP+, Gislaine deixa claro que esse debate ainda não é suficientemente fomentado e promovido entre as famílias. “É uma busca individual, até porque cada um tem suas particularidades, mas preparadas nós nunca estamos e a sociedade como um todo também não está. As mães estão inseridas nesses padrões e nesses costumes, então depende de cada um para buscarmos uma mudança de comportamento”. 

Ainda sobre os ambientes sociais e, em específico, sobre as hostilidades recorrentes que atingem pessoas LGBT+, Gislaine desabafa dizendo que tem medo do que o filho pode sofrer por ser quem é e, mais do que isso, esse temor, no começo, ainda refletia alguns preconceitos internalizados. 

“No começo eu pensava ‘ok, meu filho é gay, eu aceito, mas tenho medo do que pode acontecer com ele’. Depois, refletindo mais sobre isso, percebi que não era apenas medo do que ele poderia sofrer, na verdade. Mesmo sendo duro de enxergar, temos preconceitos", lamenta. "Hoje, de fato, só tenho medo da violência. Com 23 anos ele já mora sozinho, mas conversamos muito. Ele sempre me avisa quando vai sair e onde está indo, mas simplesmente não durmo quando ele está na rua. Falo: ‘Quando você sair da festa me avisa e quando chegar em casa me avise também’”, relata. 

Questionada sobre o que sente sabendo que o filho está lutando contra todo o preconceito vigente, Gislaine é sucinta, mas sincera: “Eu só tenho orgulho”. Em contrapartida, muitas pessoas LGBT crescem sem o devido apoio por parte das mães, o que influencia diretamente na forma como esses indivíduos criarão os próprios filhos no futuro. 

Esse é o caso de Luciana de Almeida Silva. Lésbica e mãe, ela conta que não teve apoio quando se assumiu e passou por conflitos. Em vista disso, Luciana cria a filha prezando, acima de tudo, a liberdade e o apoio em todas as ocasiões. “Quando eu me assumi, não tive nenhum apoio de minha mãe. Ficamos meses sem nos falar direito, xingamentos, brigas… ela não aceitava principalmente pelo que a família iria pensar sobre isso. Minha relação com ela não me afeta em nada, na verdade, me inspirou a não agir como ela em muitos aspectos. Quero que minha filha seja feliz, realizada”, conta. 

Sobre as vivências, obstáculos e hostilidades enfrentadas pela comunidade LGBTQIAP+ no país, Luciana pontua como é a pressão de ser ameaçada pela sua existência, e como isso reflete na forma que pessoas LGBT criam os próprios filhos e o que significa ser visto como algo que deve ser extinguido.

“Ser LGBT no Brasil é viver com uma arma apontada na cabeça 24 horas por dia. Temos medo de tudo e de todos. Medo de não sermos aceitos, medos da violência gratuita que sofremos. Ser uma mãe LGBT é sentir medo não apenas pela gente, mas principalmente pela possibilidade de nossos filhos pagarem por nós uma conta que grande parte da sociedade acha que existe”.

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