A terapia hormonal é uma das possibilidades mais comuns de transição de gênero oferecidas atualmente para pessoas trans. Esse tratamento não submete a pessoa a intervenções cirúrgicas, como no caso das cirurgias de redesignação sexual , e proporciona os hormônios corretos para fazer a adequação de gênero.
De acordo com Bárbara Arranz, biomédica, CEO da Linha Canábica e pioneira no tratamento com fitocanabinoides no Brasil, a maconha também pode contribuir com o tratamento hormonal. Ela explica que medicamentos à base de canabinoides podem auxiliar no equilíbrio hormonal e tornar a transição de gênero mais confortável para pessoas trans.
A especialista trabalha há pelo menos dez anos com tratamento à base de canabinoides para diversas frentes, desde epilepsia até estudando os benefícios da maconha para a saúde feminina. Há meses ela estuda como a planta e óleos derivados podem auxiliar pessoas trans. “Os estudos são superescassos e é difícil encontrar material que fale de gênero e cannabis. Mas é possível perceber que a maconha pode auxiliar no conforto e no nível de acolhimento durante o processo”, explica.
Apesar de ser de extrema importância, a terapia hormonal pode ser um pouco desconfortável, principalmente no início, por conta da alta quantidade de hormônios que o organismo recebe. “A pessoa toma um hormônio e o corpo está produzindo outro. Isso causa um desequilíbrio e, com ele, adversidades como insônia, falta de apetite e acne, por exemplo. O estado emocional também fica abalado por conta dos ciclos hormonais”, explica.
Arranz explica que alguns canabinoides têm propriedades capazes de auxiliar no equilíbrio desses hormônios, diminuindo as reações adversas do tratamento hormonal para pessoas trans. O organismo produz canabinoides endógenos e a planta, canabinoides exógenos. Os canabinoides endógenos formam o sistema endocanabinóide, que é responsável pelo controle de processos motores, sensoriais, metabólicos, qualidade de sono, humor, entre outras funções.
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“Dentro do nosso corpo é liberado um monte de substâncias químicas para o funcionamento de tudo acontecer e existem os mediadores químicos que se conectam com os receptores para que exista o estado de homeostase, que é o estado de equilíbrio do organismo. Isto ocorre quando os mediadores químicos são regulados”, explica a biomédica.
No caso do uso aliado ao tratamento hormonal, esse equilíbrio pode impactar diretamente na qualidade de vida da pessoa trans. “O sono fica mais tranquilo, consegue-se superar o nível de ansiedade, a alimentação se equilibra e essa transição fica mais tranquila”, diz.
O emocional fica controlado devido aos mediadores químicos passarem a trabalhar da maneira correta. "Alguns têm interação positiva entre os canabinoides e os receptores de serotonina. Alguns são considerados antidepressivos, outros a regulação de humor. Isso ocorre porque os endocanabinoides modulam a resposta dos neurotransmissores como dopamina e serotonina, o que promove bem-estar", explica.
Canabinoides utilizados na terapia hormonal
O canabidiol (CDB) e o tetra-hidrocanabinol (THC) são os hormônios comumente utilizados por Arranz em pessoas trans em tratamento hormonal. Os dois se assemelham aos canabinoides do endocanabinoides e podem estimular os receptores importantes para o bom funcionamento do organismo.
A especialista afirma que, de acordo com estudos, o THC tem um grande impacto na regulação de hormônios do corpo e é o único capaz de regular diferentes tipos de hormônio, como a prolactina e hormônios que estimulam o crescimento.
“O THC pode modular diferentes neurotransmissores dentro do hipotálamo - a seção central-inferior do cérebro que conecta o sistema endócrino com o sistema nervoso central”, explica.
Já os efeitos do CBD influenciam no ciclo estral (ou seja, nas mudanças fisiológicas). Estudos apontam que este canabinóide possui efeito terapêutico maior em pessoas que possuem hormônios reprodutivos considerados femininos.
Como os óleos de canabinoides devem ser manuseados?
“Hoje os médicos brasileiros não têm nem ideia do que é a maconha medicinal”, explica a especialista. O motivo: os medicamentos à base de maconha não podem ser prescritos da mesma maneira que outros tipos de medicamentos ou com macrodosagens. Isto porque a resposta do organismo à maconha pode variar de pessoa para pessoa.
Dosagens e tipos de canabinoides aplicadas de maneira equivocada podem causar uma série de danos. Arranz ilustra isso por meio da prescrição de CBD. “A macrodosagem pode trazer transtornos como agitação noturna, enjoo, náusea e, no cas de mulheres, calor. Tudo isso pode ser evitado com uma microdosagem”.
A microdosagem é definida de maneira mais específica, a partir de informações como idade, peso, rotina, queixas, alimentação e até mesmo cotidiano. O autoconhecimento também se mostra um atributo importante para pacientes. “Com isso, é possível montar uma tabela de dosagem para que aquela pessoa vá se adequando”, explica.
Mesmo que o tratamento funcione bem, a especialista afirma que é preciso ficar alerta para os efeitos rebote que podem acontecer. Isso indica que pode ser necessário fazer novas adaptações. “Cada organismo funciona de uma forma, então é importante esse conhecimento para que as pessoas levem o tratamento adiante”, diz.