Transgênero conversando
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Transgênero conversando





Encontrar uma voz adequada é uma etapa fundamental na busca pela liberdade de ser quem se é e a constante luta por uma vida plena das pessoas trans. Para isso, mais do que alteração fisiológica (imagem) é a alteração da voz. É com este objetivo que o especialista em fonoterapia João Lopes criou um programa gratuito na Universidade Veiga de Almeida (UVA), em 2016, no Rio de Janeiro, para o tratamento vocal ou alteração vocal de pessoas trans e travestis, também chamado de fonoterapia para confirmação vocal de pessoas trans. 

Neste projeto já passaram cerca de 88 mulheres e homens trans, tornando-se uma referência na Europa. “Começamos com apenas quatro pessoas trans e hoje somos uma referência internacional pela qualidade do nosso atendimento”, comenta o fundador.

Para a pesquisadora Esalba Silveira, o indivíduo transexual caracteriza-se por apresentar incompatibilidade entre sexo e gênero, tais como mulheres em corpos biológicos de homens. Em busca de se encontrar nesta realidade, muitos transexuais têm se submetido a tratamentos hormonais de voz e a cirurgias para adequar seu corpo biológico à identidade feminina ou à identidade masculina. 

A fonoaudiologia é essencial neste trabalho de confirmação vocal do homem e da mulher trans, pois “a voz precisa ser adequada à identidade de gênero de uma determinada pessoa”, comenta o especialista João Lopes. Embora alguns chamem de “adequação vocal”, ele explica que o melhor termo a ser usado é a “confirmação vocal”, tendo em vista que as pessoas trans e travestis apenas estão confirmando o seu timbre vocal de acordo com a sua identidade. 

O tratamento de voz não é uma realidade para todas as pessoas trans ainda, mas João acredita que seja uma etapa fundamental para a qualidade de vida das pessoas não-cis. “A alteração da voz, por meio de tratamento fonaudiólogo, vem sendo uma mudança fundamental na adequação de pessoas trans e transexuais às suas verdadeiras identidades”, ressalta. 

“Você é linda, mas sua voz que não engana mesmo”

A transfobia inicia pela voz. São muitos relatos de quem evita falar em público para não chamar atenção pela voz que não combina mais com a imagem apresentada. Mais que isso, mesmo antes da transição, é pela voz que várias violências são direcionadas às pessoas trans. 

Caetana*, de 42 anos, bancária, mulher trans, mas que dependendo da ocasião se identifica com travesti, compartilha que a voz sempre foi o primeiro fator que levou as pessoas a enxergarem como uma mulher trans e, muitas vezes, porta de entrada para a transfobia. 

“O banco onde trabalho possui ainda regras de proteção, inclusive às pessoas trans. Claro que isso ajuda bastante, embora não resolva. Já houve alguns casos de clientes que, sabendo que sou trans, por já me conhecerem por atendimentos anteriores, insistirem em me tratar no masculino e pelo nome morto, mesmo eu corrigindo sempre e pedindo que não procedesse assim”, comenta Caetana.

Uma estratégia adotada por ela para atravessar por essa transfobia é se recusar a atender estes clientes ou a encerrar atendimentos em andamento sempre que isso ocorre.

Para João, não se trata somente de transfobia pela voz, mas também de retirada de direitos, tendo em vista que, muitas vezes, a voz masculina em mulheres trans as impede de conseguir empregos. Dados divulgados pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) apontam que mais 90% das pessoas trans têm a prostituição como destino por falta de oportunidades de emprego.

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A dinâmica do projeto 

Um tratamento vocal que vem dando mais autoestima, sociabilidade e pertencimento para as pessoas não-cis. “Iniciei em 2019 o tratamento vocal, antes deste processo de transição e uma das coisas que me incomodava era a voz e eu não me sentia com confiança para continuar a transição. Hoje me sinto mais dona de mim, mais segura na vida e no trabalho, além de conseguir evitar um conjunto de constrangimentos e preconceitos”, ressalta Caetana.

O tratamento envolve várias etapas e a primeira delas é o acolhimento. “Esta etapa é muito importante porque é quando a gente oferece a nossa escuta para saber da necessidade de se trabalhar esta voz, qual a importância desta mudança na vida social, emocional e de trabalho para este ou esta paciente”, explica João.  

Considerando que encontrar a própria voz é o lema deste projeto para confirmação vocal, o tratamento precisa envolver muitas técnicas vocais, respiratórias, uso de aparelhos, inclusive formas de se expressar e pronunciar palavras com sessões semanais e também para realizar em casa. “Queremos trazer as pessoas trans para o mercado de trabalho e o nosso meio social, principalmente dando direito à cidadania a eles”, ressalta João.

Ele ainda explica que o trabalho promovido no projeto não há nenhum tipo de cirurgia, apesar de existirem e consistirem em diminuir o tamanho das pregas para obter mais agudo. “O nosso trabalho é terapêutico, sem medicações e a hormonização ajuda o homem trans porque tomar testosterona dá mais massa à prega vocal”, explica o especialista.

Como Participar

Pessoas trans e travestis podem participar do projeto a partir do momento que elas se autodeclarem transgênero. A única exigência do projeto é que sejam pessoas trans e que queiram passar por este processo de confirmação ou readequação vocal. Por conta da pandemia, os atendimentos estão sendo reduzidos tomando todos os cuidados necessários.

Mais informações e candidaturas podem ser enviadas para o perfil do Instagram  de João Lopes. 

*nome alterado a pedido da entrevistada


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