Lisa Gomes é figura carimbada nas tardes e noites da TV aberta. A repórter, parte do elenco de jornalismo da RedeTV!, é uma das repórteres mais conhecidas por seu trabalho no programa ‘TV Fama’. Contratada como a primeira repórter trans da televisão há sete anos, Lisa continua a ser a única em frente às câmeras.
Apesar de afirmar que houve avanços em relação à inserção de pessoas LGBTQIAP+ no mercado de trabalho, ainda existem muitos obstáculos para a comunidade. “A gente ainda tem muita barreira para quebrar”, diz a repórter ao iG Queer.
Se o espaço ainda é pequeno hoje, era muito menor na época em que Lisa era estudante de jornalismo, a começar pela falta de referências LGBTQIAP+ na área: a repórter afirma que a representatividade era zero. A exceção era Nany People. “Ela era minha referência como repórter pela forma como conduzia as matérias, o foco dela… A Nany levava as matérias de uma forma divertida e informativa”. Mais tarde, ela passou a se tornar uma grande admiradora do trabalho de Léo Áquilla.
Sem referências trans, Lisa se inspirava nas repórteres e âncoras negras da televisão, como Glória Maria, Zileide Silva e Graça Araújo, que faleceu em 2018. “Eu pegava um pouquinho de cada uma delas para mim e comecei a jogar isso no meu profissional”, lembra.
A falta de representatividade se estende até hoje. Por isso, a repórter entende que sua permanência na televisão é um motor para outras pessoas trans, principalmente mulheres, que querem uma vaga no mercado formal de trabalho, principalmente na televisão. A maior demonstração disso são as mensagens que Lisa recebe em suas redes sociais. Grande parte são de mulheres que querem iniciar a transição de gênero ou as que não querem mais ser trabalhadoras sexuais.
“Muitas meninas deixaram de ir para a prostituição e começaram a se dedicar ao estudo quando começaram a me ver na televisão. Hoje, prego pelo lugar no mercado de trabalho. Não estou pedindo cota, eu estou falando justamente sobre espaço. Também bato na tecla de que essas meninas precisam estudar, falo: ‘Primeiro se capacita, depois vocês vão atrás do mercado de trabalho’”, afirma Lisa.
Você viu?
A repórter cobra ainda que as empresas enxerguem o potencial dessas pessoas e abram as portas. “Precisam acreditar que uma transexual é capaz de trabalhar em qualquer área, seja dentro da televisão, no rádio, no shopping ou em uma loja de doces. Nós somos capazes de produzir, a dificuldade é justamente dar de cara com o preconceito”, acrescenta.
Lisa passou pelo mesmo depois de se formar. Antes de ser admitida pela RedeTV!, ela foi atrás de outras emissoras que, de acordo com a própria Lisa, bateram as portas em sua cara. “Muitos me disseram: ‘Não tenho espaço para você assim’. Você já fica um pouco assustada ao ouvir isso. Cheguei a montar um projeto e mostrar, mas já diziam que não tinham vaga, que não tinha como. Só que depois eu ficava sabendo que era sempre um amigo com a mesma qualificação que conseguiu a vaga”, diz.
A única emissora que a acolheu e deu incentivo foi a RedeTV!. “Sou muito grata por terem me dado esse espaço, por poder trabalhar e poder dar esperança para muitas meninas que estão aí fora.”
Primeira trans como âncora de telejornal
Um dos principais sonhos de Lisa, atualmente, é se tornar a primeira âncora trans a comandar um telejornal no Brasil. A possibilidade quase se tornou real recentemente, quando foi chamada para alguns testes por uma grande emissora que queria criar um programa voltado para pessoas LGBTQIA+, mas que não foi para frente.
Apesar de ter desanimado no começo, isso não parou Lisa, que está conduzindo diversos projetos novos, como podcasts e produções audiovisuais ao lado do marido, Paulo Roberto, com a produtora, administrada por ambos. Além disso, ela continua a frente de sua própria assessoria de imprensa, a Lisa Comunicação.
Perguntada sobre se a pandemia comprometeu sua rotina profissional, Lisa afirma que trabalhou quase como em tempos normais. “O TV Fama foi o único programa de entretenimento que continuou funcionando normalmente, só que sem as externas [entrevistas fora do estúdio]. Não mudou absolutamente nada”.
A carga de trabalho se tornou ainda maior em seu próprio canal no YouTube, chamado “Lisa, Leve e Solta”. O projeto, que começou antes da pandemia, teve crescimento depois do isolamento social.
Mesmo com todos esses projetos, a bancada do telejornal não ficou esquecida. “Insisto na bancada porque o jornalismo tem poder de falar com as pessoas em casa, de atingir aquela senhorinha que me assiste e que gosta de mim porque sei me comunicar, sei dar uma notícia bacana. O jornalismo tem o dom de quebrar preconceitos”, explica.