Sol Santos Rocha defende que está sendo processada injustamente por desacato à autoridade
Arquivo pessoal
Sol Santos Rocha defende que está sendo processada injustamente por desacato à autoridade

Sol Santos Rocha, de 27 anos, estava trabalhando na Casa 1, centro de acolhimento voltado para a população  LGBTQIA+ em São Paulo, quando ouviu uma confusão vinda da rua. Assim como outras pessoas, ela foi ver o que acontecia e se deparou com dois policiais militares dando um mata-leão em um homem. A maquiadora e professora usou seu celular para gravar a cena e pediu aos policiais que parassem com a violência. Por mais que outras pessoas fizessem o mesmo, Sol foi a única detida pelos PMs e levada à delegacia.

O caso aconteceu em fevereiro de 2020 e, mais de um ano depois, ela está sendo processada por desacato à autoridade e favorecimento pessoal. Em um vídeo publicado no Instagram no dia 13 de março, Sol mostra trechos da abordagem policial que aconteceu na Bela Vista, região central da capital paulista, em que é possível ver os policiais segurando um homem detido enquanto diversas pessoas gritavam para que soltassem o sujeito e que toda aquela violência não era necessária.

A maquiadora lembra que, inicialmente, eram apenas dois policias, mas depois chegaram mais viaturas com outros oficiais. De acordo com Sol, os PMs se enfileiraram e levaram o homem detido para trás deles, enquanto as pessoas que filmavam a situação estavam do outro lado da calçada. Foi nesse momento que ela foi abordada por um dos oficiais. 

Sol era a única mulher trans e negra presente e o PM pediu para que ela o acompanhasse para o outro lado da rua, atrás da fileira de policiais, mas ela se recusou a sair de onde estava. "Um deles me segurou e me arrastou pelo asfalto. Perdi a sandália que estava usando. Fiquei descalça e ralada", narra.

Sol diz ao iG Queer que as agressões não pararam quando ela foi levada para o outro lado da rua. "Eles me deram uma chave de braço bem forte, puxaram meu cabelo, me jogaram na parede e as outras agressões foram verbais. Sempre me tratando no masculino, me ofendendo com xingamentos de uma forma extremamente grosseira", detalha.

Ela também foi revistada por um policial homem, mesmo pedindo por seu direito de passar por uma revista por outra mulher. A maquiadora fala que os policiais diziam que havia uma PM mulher presente e isso já era o suficiente para que a revista fosse feita. "É um direito que eu tenho e em nenhum momento isso foi levado em consideração, o que eu já considero uma grande agressão", diz.

Em seguida, ela foi colocada em um camburão e levada à delegacia. "A única coisa que pensei é que eu ia morrer. Não tinha certeza se eles iam me levar para a delegacia ou não. Tem vários casos que isso acontece e esse era um dos meus maiores medos. Se eles não me respeitaram até ali, o que iam fazer comigo dentro do camburão? Estava morrendo de medo, totalmente apavorada", lamenta.

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A maquiadora foi encaminhada para o 78º DP, nos Jardins. A advogada Vivian Marconi da Silva, contatada pela equipe da Casa 1, seguiu o camburão onde Sol estava e encontrou a cliente na delegacia. Ela foi liberada no mesmo dia e, meses depois, recebeu a notificação de que está sendo processada por desacato à autoridade e favorecimento pessoal.

O processo

O advogado Marcelo Feller também está acompanhando o processo contra Sol e explica que a Polícia Militar entrou com o processo porque sua cliente teria resistido a ser revistada por um homem. Já a queixa de favorecimento pessoal seria porque "ela teria se envolvido na ocorrência para incitar a multidão e propiciar a fuga do acusado. Ela nem conhecia o sujeito e só estava se manifestando, como tantos outros, para que cessassem aquelas agressões".

Como esses crimes são considerados pequenos, Sol teve uma audiência com a promotoria no dia 22 de fevereiro de 2021 na qual foi oferecida uma proposta de transação penal no dia. Ou seja, a maquiadora não precisa assumir que cometeu desacato e favorecimento pessoal, mas deveria aceitar uma proposta para prestação de serviços ou o pagamento de um determinado valor.

Marconi argumenta que eles não aceitaram essa proposta. "Ainda que ela não tenha que assumir para ter direito a essa benesse processual, indiretamente ela está assumindo porque ela está aceitando essa penalização. Nós entendemos que deveríamos dar andamento no processo e não fizemos o aceite", afirma Feller.

Os advogados deram andamento no processo e uma nova audiência está marcada para o dia 31 de maio. Além de não aceitar a  proposta de transação penal, Feller também manifestou o desejo para que fosse aberta uma investigação sobre a ação policial do dia em que Sol foi abordada, mas o pedido não foi aceito.

"Um policial pode abordar alguém na rua quando tem fundada suspeita. Isso é um conceito muito amplo e não teria como delimitar fazendo uma regra taxativa. Mas, a partir do momento que uma pessoa é abordada pelo simples fato de estar gravando uma ação policial e se manifestando contra uma agressão física, todos os presentes deveriam ter o mesmo tratamento. A transfobia fica clara quando ela reitera o direito de ser abordada por uma mulher e tem isso negado", declara.

Traumas

Após passar por toda essa situação com a polícia, Sol conta que desenvolveu sequelas psicológicas e precisou buscar ajuda profissional. Ela relata que ficou uma semana sem conseguir sair de casa e ficava com falta de ar quando saia para a rua.

"Não conseguia sair na porta e ver os carros que já ficava muito ansiosa e morrendo de medo. Tem uma delegacia perto da minha casa e eu sempre corto o caminho. Eu não sei o que pode acontecer e até estou fazendo terapia para lidar com tudo. É muito assustador, as pessoas que deveriam ser contratadas para proteger você são as pessoas que estão te acusando", lamenta.

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