De estresse à demência: como a LGBTfobia compromete a saúde mental

LGBTs possuem maior propensão a desenvolver declínio cognitivo na terceira idade, aponta estudo

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Uma pesquisad a Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, apontou que indivíduos LGBTQIA+ têm maior propensão a desenvolver comprometimento cognitivo leve ou demência precoce na terceira idade

Um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e da Universidade de São Paulo (USP), publicado na revista científica Nature Scientific Reports, revelou que o percentual de brasileiros adultos declarados assexuais , lésbicas , gays , bissexuais e transgêneros  é de 12%, o que representa cerca de 19 milhões de pessoas, levando em consideração os dados populacionais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Os resultados da pesquisa apontaram que, dentre os 12% considerados LGBTQIA+ , 5,76% são assexuais, 2,12% são bissexuais, 1,37% são gays, 0,93% são lésbicas, 0,68% são trans e 1,18% são  pessoas não binárias.

Esse número significativo de pessoas, contudo, sofre de um problema que se arrasta por anos no Brasil: a LGBTfobia. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública , o número de agressões contra LGBTQIA+ registradas no ano de 2021 foi de 1.719, um aumento de 35,2% em relação a 2020, quando foram registradas 1.271. Já o número de estupros passou de 95 para 179.

“Em pleno século 21, mesmo após anos de esforços dos movimentos em prol dos direitos humanos, a identidade transgênero e a afeição por indivíduos do mesmo gênero continuam sendo encaradas como uma anormalidade por alguns segmentos da sociedade”, afirma Monica Machado, psicóloga, fundadora da Clínica Ame.C, pós-graduada em Psicanálise e Saúde Mental pelo Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Albert Einstein.

Segundo Claudia Petry, pedagoga com especialização em sexologia clínica, membro da Sociedade Brasileira de Sexualidade Humana (SBRASH) e especialista em educação para a sexualidade pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a comunidade LGBTQIA+ passa diariamente pela sensação de não pertencimento à sociedade, de não se enquadrar no espectro binário de orientação sexual e identidade de gênero, sofrendo fortes gatilhos que podem desencadear transtornos comportamentais.

Como a LGBTfobia afeta a saúde mental?

O pesquisador Ilan H. Meyer, do Departamento de Ciências Sociais e Médicas da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, examinou a prevalência de distúrbios mentais em indivíduos LGBTQIA+.

O autor considerou fatores como preconceito , falta de apoio familiar , exclusão dos espaços públicos, discriminação no ambiente de trabalho , isolamento e, consequentemente, as experiências diárias de rejeição e hostilidade.

“O estudo concluiu que estes fatores contribuem para o desenvolvimento de estresse crônico, ansiedade generalizada, depressão, pensamentos suicidas, automutilação, abuso de álcool e substâncias, entre outras condições”, pontua a psicóloga Monica Machado.

De acordo com Claudia Petry, também é muito comum desenvolver a chamada homofobia internalizada : “A pessoa começa a criar uma negação da própria orientação sexual, gerando enfrentamento para aceitar a si mesma. Esse quadro costuma ocorrer devido à sobrecarga emocional que vai sendo internalizada ao longo da vida".

Declínio cognitivo

Outra pesquisa, esta da Universidade de Michigan (EUA), liderada por docentes de Sociologia da instituição e divulgada na revista científica The Gerontologist, trouxe mais um dado alarmante: indivíduos LGBTQIA+ possuem maior propensão a desenvolver comprometimento cognitivo leve ou demência precoce na terceira idade , em comparação a adultos heterossexuais na mesma faixa etária.

O trabalho comparou habilidades cognitivas de 3.500 adultos LGBTQIA+ e heterossexuais, usando uma ferramenta de triagem e um questionário que testa seis domínios. Essas áreas incluíam orientação temporal, linguagem, habilidades visuoespaciais, função executiva, atenção, concentração e memória de curto e longo prazo. 

Dentre as conclusões, o estresse e a depressão , comuns neste grupo, foram considerados os fatores de risco mais importantes para o declínio cognitivo ao decorrer da vida.

“De fato, lidar com ataques homofóbicos constantemente, seja por agressão física ou moral, pode causar danos irreparáveis e comprometer a saúde da pessoa como um todo. Daí a importância de buscar ajuda especializada e, principalmente, denunciar todo e qualquer episódio de LGBTfobia ”, avalia Monica Machado.

Perigos à saúde cardiovascular também chamam atenção

Dentre os muitos desafios que a população LGBTQIA+ precisa enfrentar em nossa sociedade, existe um que pode passar despercebido: a saúde do coração. Rekha Mankad, cardiologista da Mayo Clinic, explica o que pode estar colocando os adultos LGBTQ+ em maior risco de doenças cardiovasculares e o que pode ser feito para diminuir essa tendência.

"A comunidade LGBTQIA+ costuma ser um grupo mais marginalizado de indivíduos. E um dos primeiros problemas é que eles podem não procurar médicos para fazer exames de saúde regulares", afirma a especialista. "Se você está receoso para consultar um médico, não vai realmente falar sobre as coisas que o colocam em risco de doença cardíaca".

Ansiedade, depressão, estresse e relacionamentos com as famílias podem ser exacerbados para as pessoas da comunidade LGBTQ+ devido à suas identidades sexuais e de gênero marginalizadas. Isso é conhecido como estresse minoritário, segundo a especialista.

"Se você aumentar o estresse é provável que fique mais ansioso ou deprimido. Além disso, pode ser menos provável que você vá se exercitar porque se sente desconfortável em um vestiário, por exemplo", diz Rekha. "Esses são alguns dos muitos fatores que podem levar a uma maior probabilidade de desenvolver os fatores de risco sobre os quais falamos que aumentam o risco de doença cardíaca".

Pesquisa Smile

Foto: Reprodução/Instagram 23.08.2023
Membros da equipe brasileira da Pesquisa Smile, na primeira reunião presencial do grupo

Liderado pela Universidade Duke (EUA), a pesquisa Smile tem se dedicado a estudar a saúde mental - incluindo desafios e bem-estar geral - de pessoas que são identificadas como minorias sexuais e/ou de gênero.

Ela tem como objetivo coletar dados da maior quantidade possível de pessoas LGBTI+ vivendo no Brasil, Quênia e Vietnã, para documentar os variados desafios enfrentados por eles, e entender como políticas públicas , programas e serviços podem ser melhor desenvolvidos ou adaptados para ajudar e dar suporte em cada país.

Além de participar da pesquisa, que é totalmente on-line, os voluntários também contam com acesso a serviços como o Planejamento de Segurança, que consiste em um material de prevenção para lidar com pensamentos e comportamentos suicidas.

"Nós criamos o planejamento para a autoinstrução e cuidado de pessoas que correm riscos relacionados a idealização e planejamento suicidas. É uma forma de indicar estratégias de autocuidado, desenho da rede de cuidado próxima e autoavaliação, e, com isso, também conseguir uma orientação para uma listagem de contatos e busca por instituições", afirma a Profa. Dra. Jaqueline Gomes de Jesus, vinculada ao Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ) e à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), e responsável pelo estudo Smile no Brasil.

A Profa. Dra. Angélica B. Silva, vinculada à Fiocruz, explica que o estudo no território brasileiro tem como objetivo analisar as condições de vida e saúde de 3.500 pessoas que são identificadas como minorias sexuais e de gênero no país.

“Para esta importante investigação, que trará benefícios para nosso país e em especial à comunidade LGBTI+, o projeto conta com importantes parceiros, como a Fiocruz e o IFRJ, que contribuem com seu conhecimento e expertise no campo da saúde pública e pesquisa científica”, afirma.


Como os resultados do estudo serão comunicados?

O Prof. Ms. Estevão Leite comenta que os resultados sobre o estudo estarão disponíveis quando todos os participantes estiverem cadastrados e tiverem completado a pesquisa.

“Temos o compromisso de divulgar resumos dos dados apurados na pesquisa, que serão postados no site do estudo  [em que os interessados também podem acessar para participar] juntamente com os links para todas as publicações que serão produzidas. Além disso, vamos disseminar e comunicar apontamentos para as comunidades dos comitês de aconselhamento local e investidores locais assim que estiverem disponíveis”, finaliza o pesquisador, vinculado ao IFRJ.


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