Visibilidade Bissexual: conheça os principais estigmas acerca dessa sexualidade
Dia 23 de setembro é comemorado o Dia da Visibilidade Bissexual; dentro e fora da comunidade, essa população sofre com os estereótipos e a bifobia enraizada
O Dia da Visibilidade Bissexual é celebrado no dia 23 de setembro e a escolha da data partiu de Wendy Curry, Michael Page e Gigi Raven Wilbur, ativistas norte-americanos do movimento em 1999, que perceberam a necessidade de existir uma data para celebrar a comunidade bi em resposta à invisibilidade que sofriam -- e sofrem até hoje. A escolha marca a morte de Sigmund Freud, o famoso psicanalista que foi o primeiro a abordar a questão bissexual. Na 22ª Conferência da ILGA (International Lesbian and Gay Association), em 1999, a data foi oficializada.
Dentre as reivindicações da comunidade bissexual, se destaca principalmente a luta contra os estereótipos que rondam as pessoas bi, vistas como indecisas, por exemplo, como explica Victória Franco, mulher bi e estudante de pedagogia. “[As pessoas dizem] que os bissexuais não podem ser fiéis ao seu parceiro ou parceira. Além disso, homens héteros acham que podem ter duas mulheres na cama só por elas serem bissexuais”.
O psicólogo Ailton Gomes, coautor do livro “Angústias contemporâneas e gestalt-terapia” (Summus Editorial), ressalta também a invisibilidade que acomete as pessoas bissexuais e alimenta os tabus em torno dessa orientação sexual. “A invisibilidade é a maior violência vivida por pessoas bissexuais, o que emocionalmente pode gerar angústia, sofrimento e não pertencimento. A expectativa social colocada sobre essas pessoas é para que cumpram uma binariedade e ‘desçam do muro’. Quando não fazem isso são desacolhidos, significando nem sequer serem vistos ou considerados em sua humanidade e genuinidade”.
Lucas Veríssimo Souza, homem bi, relata que já tiveram casos, por exemplo, em que a sua sexualidade foi negada e invalidade devido ao seu comportamento quando, na verdade, orientação sexual e personalidade, gostos e expressão de gênero não estão diretamente ligados.
“Recebo alegações de que eu não sou bissexual por ser afeminado, sendo que a personalidade, os trejeitos e as roupas não dizem nada sobre a sua sexualidade. É muito ruim ouvir isso porque reforça o estereótipo de que é preciso ser ‘machão’ para estar com uma mulher. Há cobrança por um comportamento específico. Tenho amigos que são bissexuais e, quando vão ficar com uma mulher, engrossam a voz e mudam o comportamento. Eu acho isso desconfortável e frustrante”, conta.
Outra alegação recorrente que pessoas bissexuais escutam é “você só está confuso”. O fato de atrair-se por mais de um gênero remete à indecisão para alguns, algo que afeta diretamente na imagem de pessoas bissexuais e cultiva mais estereótipos equivocados. Lucas comenta como isso pode gerar desconforto.
“Não é legal perguntar para alguém: ‘Tem certeza de que você tem tal sexualidade?’. Todos passam por um processo de autoconhecimento e reflexão para descobrir a sexualidade, e é complicado duvidar de alguém desse jeito. Também pensam que somos tarados, queremos sempre ficar com todo mundo, e que todos nós somos não-monogâmicos. Todos esses estereótipos são bem cansativos”, explica.
Além de todos os fatores externos -- a bifobia, os tabus e as visões estereotipadas --, as pessoas bissexuais encontram muitas barreiras dentro da própria comunidade LGBTQIAP+ que, em teoria, deveria acolhê-las. Ailton traz essa questão à tona e destaca a segregação da bissexualidade, algo que ainda acontece dentro da comunidade.
“Ainda há invalidação e não acolhimento da bissexualidade dentro da comunidade LGBTQIAP+. Existe um discurso de respeito à diversidade, mas meus pacientes ainda relatam um movimento velado de olhar para bissexuais como se fossem heterossexuais, gays ou lésbicas a depender da pessoa com quem estiverem se relacionando no momento”, esclarece.
Lucas acrescenta ainda que os estereótipos de “pessoas confusas” ainda reverbera na comunidade, além da ideia de que pessoas bi estão apenas “tentando se encaixar” dentro da comunidade, mas na verdade são heterossexuais.
“A própria comunidade nos força a reproduzir um comportamento específico relacionado à nossa sexualidade. Acho que, na cabeça de algumas pessoas, homens mais afeminados obrigatoriamente são gays, enquanto homens mais ‘masculinos’ são hétero. Como eu não me encaixo nesse padrão, às vezes sinto isso mais diretamente, e é bem frustrante. Sempre achamos que todas as pessoas da comunidade vão nos compreender, mas não é assim. Algumas pessoas ainda têm pensamentos fechados”, declara.
A representatividade funciona?
Quando se trata da comunidade LGBTQIAP+, ter referências e conteúdos difundidos nos mais diversos meios que abordem temas e vivências da comunidade é muito importante para normalizar, educar e incentivar o respeito a essas vidas. Lucas diz que a representatividade bissexual existe, mas o retorno nem sempre é positivo por parte do público.
“O que vejo acontecer é que, quando alguém se assume bi e se relaciona com alguém do gênero oposto, as pessoas apontam e negam a bissexualidade daquele indivíduo. Parece que as pessoas não enxergam, e pensam que existe apenas o gay e o hétero. A representatividade é importante, principalmente para as pessoas olharem e lembrarem que os bissexuais existem”, expõe.
Como qualquer sexualidade que fuja da heteronormatividade, a bissexualidade enfrenta suas barreiras sociais, mas a principal diferença da homofobia e lesbofobia, por exemplo, é que a bifobia ainda está enraizada na comunidade LGBTQIAP+, o que mostra como datas como o dia 23 são importantes: ouvir e absorver as diferentes vivências dentro das letras da sigla LGBT é fundamental e um processo constante -- tanto de quem não é quanto de quem é da comunidade.