Na última quarta-feira (8) foi comemorado o Dia Internacional da Mulher, o que abarca todas as expressões de mulheridades existentes, sejam trans, travestis ou cis. Contudo, este não é pensamento de todos os brasileiros, em vista que o país é que mais mata pessoas trans e travestis no mundo.
O deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) aproveitou a data para atacar as mulheres trans e travestis. Em discurso na Câmara, nesta quarta, ele, utilizando uma peruca, se apresentou como "Nikole" e disse que as mulheres estão "perdendo seu espaço para homens que se sentem mulheres".
“Hoje, o Dia Internacional das Mulheres, a esquerda disse que eu não poderia falar, pois eu não estava no meu local de fala. Então, eu solucionei esse problema aqui. Hoje eu me sinto mulher. Deputada Nikole”, disse Nikolas enquanto colocava uma peruca amarela.
Ele ainda afirmou que corria o risco de ir para a cadeia por transfobia por ter parabenizado apenas as “mulheres [cromossomo] XX”. “É uma imposição. Ou você concorda com o que eles estão dizendo, ou caso contrário você é um transfóbico, homofóbico e preconceituoso”, disse.
Já sem a peruca, ele aproveitou para criticar o feminismo, dizendo que as mulheres cis não deviam nada ao movimento, e reforçou esteriótipos sobre mulheres: “Retomem sua feminilidade, tenham filhos, amem a maternidade e formem sua família [se direcionando às mulheres cis]. Dessa forma vocês colocarão luz no mundo e serão valorosas”.
A ação transfóbica do deputado ocorreu logo após o primeiro discurso na Câmara de uma das duas deputadas federais trans eleitas no ano passado, Erika Hilton (PSOL/SP).
"Usa essa tribuna pela primeira vez, primeiro para dizer a importância da chegada das primeiras representantes transexuais, travestis, a este importante espaço da política nacional que até então nunca havia contado com a nossa presença. Isso é uma grave denúncia ao processo democrático", disse Erika no ínicio do seu discurso.
"Quero descatar também a importância da semana, do mês das mulheres, que não é só em março, mas é durante todos os anos", afirmou ela em outro trecho.
Erika, após seu discurso, tinha uma viagem marcada a São Paulo, para participar do Ato das Mulheres, mas devido as chuvas pousou no Rio de Janeiro. Ao chegar na cidade, ela comentou sobre as falas transfóbicas do deputado bolsonarista.
"Quando tenho acesso à internet, me deparo com essa fala criminosa, nojenta e asquerosa, praticada por esse bolsonarista no plenário da Câmara. É preciso ressaltar que a imunidade parlamentar não dá direito ao parlamentar de comenter crime contra pessoas. Nossa chegada no Congresso Nacional significa exatamente o enfrentamento a essa violência", disse a deputada no Twitter.
Duda Salabert (PDT/MG), a segunda deputada federal trans eleita, discursou ainda no plenário logo após as falas de Ferreira.
"Hoje no Dia das Mulheres é importante lembrar que o Brasil há 14 anos consecutivos é o país que mais mata travestis e transexuais do planeta e que 80% desses assassinatos ocorreram e ocorrem com a violência exagerada, hiperbolizada [...] É crime de ódio. E é essa estrutura de ódio que nos exclui do mercado formal de trabalho, de sala de aula e do espaço político", disse a parlamentar no início de seu discurso.
"Quero dizer para esses facistas que querem nos ridiculizar que nós somos do tamanho do nosso desejo", acrescentou Duda.
Reações
As reações nas redes sociais e no Congresso às falas de Nikolas foram imediatas, com a oposição acusando o deputado de transfobia. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) repreendeu o deputado do PL nas redes sociais, afirmando que o plenário “não é palco para exibicionismo”.
"Não admitirei o desrespeito contra ninguém. O deputado Nikolas Ferreira merece minha reprimenda pública por sua atitude no dia de hoje", escreveu o presidente.
A presidente do PT e deputada federal Gleisi Hoffmann (PT-PR), chamou a atenção de Lira e afirmou que "passou da hora de agir".
A deputada Tabata Amaral (PSB-SP) anunciou, ainda na quarta (8), que está “entrando com um pedido de cassação do mandato do deputado Nikolas Ferreira”.
"A transfobia ultrapassa a liberdade de discurso garantida pela imunidade parlamentar", afirmou Tábata.
O iG Queer
teve acesso à notícia-crime, que é assinada ainda pelo senador Alessandro Vieira (PSDB-SE), pela deputada federal Duda Salabert (PDT-MG), pelo deputado federal Pedro Campos (PSB-PE), pela deputada federal Camila Jara (PT-MS), e pelo deputado federal Duarte Junior (PSB-MA).
"Importante destacar que entre a população de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT), as travestis e transexuais são as que mais sofrem com o preconceito e a discriminação no ambiente familiar e social, e por extensão, os serviços de saúde, entre outros, nos quais prepondera a dificuldade de aceitabilidade e empregabilidade no mundo do trabalho e ocupação", diz trecho da notícia-crime, que ainda afirma que Ferreira está "alheio à realidade de violência que assola a população trans".
"O Deputado Nikolas Ferreira entendeu por bem subir à Tribuna da Câmara dos Deputados e, sem qualquer conexão com o debate democrático, proferir ofensas às mulheres transexuais", continua o texto.
"Os ataques perpetrados pelo Deputado ora denunciado afrontam o próprio Estado Democrático de Direito, princípio fundamental da República Federativa, fazendo uso de suas prerrogativas parlamentares para ofender, insultar, instigar o ódio e violência contra parte da população", denuncia a notícia-crime, direcionada à ministra presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber.
O texto finaliza solicitando que o Procurador-Geral da República "proceda à realização das diligências necessárias à apuração dos fatos".
Tentamos contato com Duda Salabert, Erika Hilton, Tabata Amaral e Nikolas Ferreiras. Estamos no aguardo de um retorno para que a nota seja atualizada.
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