A cantora e apresentadora pretende processar o hotel pelo ocorrido
Reprodução/Instagram - 14.10.2022
A cantora e apresentadora pretende processar o hotel pelo ocorrido

A cantora MC Trans foi às redes sociais reportar um caso de  transfobia que sofreu em Blumenau, Santa Catarina, na madrugada desta sexta-feira (14). Por meio de um Reels no Instagram, a artista gravou o recepcionista de um hotel que não permitiu que ela subisse para o quarto. Ao iG Queer, MC Trans explicou os detalhes do ocorrido.

“Eu vim até a cidade para fazer um peeling de fenol”, diz. “Como minha cirurgia está marcada para amanhã, às 7h, o hotel já tinha sido reservado para mim e para o meu marido pelo meu assessor. Chegando lá, meu esposo entrou na frente. Quando eu cheguei e o recepcionista viu que sou uma mulher trans, ele disse que não me hospedaria e que não tinham avisado que eu, Ana Vitória, era uma mulher trans. Eu disse que o quarto já estava reservado, mas de acordo com ele o dono do hotel não libera a hospedagem de ‘pessoas assim’. Eu perguntei: ‘Assim como?’. Ele respondeu: ‘Como você’”. 

No vídeo, o homem, que teve o rosto censurado para preservar sua identidade, tenta dar justificativas diversas. Segundo a artista, “ele não mediu esforços para ser transfóbico e preconceituoso”. “Ele disse que o dono do hotel é muito conservador”, explicou ela ao iG Queer. “Eu disse que sou uma pessoa casada e estava vestida com roupas comuns, mas nada adiantou. Ele se negou a me hospedar porque sou uma mulher trans”. 

Sobre a gravação, MC Trans diz que avisou ao homem que filmaria a ocasião, e mesmo ciente disso ele continuou seu discurso. “Ele disse que o hotel não hospeda pessoas trans e que, se me deixasse subir, estaria colocando o trabalho dele em risco. De acordo com ele, o motivo é: existem muitas mulheres trans que são prostitutas e o estabelecimento não aceita isso”. No vídeo publicado pela artista, o homem chega a usar o termo “os travestis”, e MC Trans rapidamente corrige, dizendo “são as travestis”. 

A cantora conta que buscou vaga em outros hotéis, mas devido ao Oktoberfest Blumenau, que atrai muitos turistas, não tinha mais quartos disponíveis. “Fiquei embaixo de chuva, de madrugada, sem saber para onde ir”, diz. Ela acrescenta que pretende acionar a justiça sobre o caso. 

“Eu vou processar o hotel. A minha vida ficou totalmente em risco, sofri transfobia apenas por existir. A minha profissão não tinha valor algum. O fato de eu estar simplesmente respirando na recepção daquele hotel era um problema para eles. A minha existência foi o maior motivo de eu não poder me hospedar”. Ela lamenta o episódio, e diz que não tem como prever esse tipo de situação e é sempre uma surpresa muito desagradável. 

“Não esperava passar por isso em Blumenau”, comenta. “É uma cidade que eu amo e que abriga a maior clínica de procedimentos de transição de gênero do país”. A artista se refere à Transgender Center Brazil, que realiza diversos procedimentos estéticos e de saúde direcionados apenas à população transgênero. É lá que a artista realizou a operação de feminização facial e fará também o processo de peeling. 

“Eu estou chocada e devastada”, desabafa ela. “Não postei o vídeo completo porque é muito pesado, e preservei o rosto dele porque acho que crime não se combate com crime. O Uber que nos levou até lá chegou a falar com o homem e disse que eu sou uma pessoa pública e que não tenho onde ficar, que ele não podia me barrar. Tudo que o recepcionista fez foi dizer que ele estaria colocando o emprego em risco se nos deixasse subir, e o máximo que poderia fazer era nos deixar ficar até de manhã. Mas toda fala dele foi com muito nojo e grosseria, além de ter cobrado mais caro para ficarmos por algumas horas. Resumindo: foi a situação mais horrorosa da minha vida”. 

O iG Queer entrou em contato com o hotel para conseguir um posicionamento, e o estabelecimento retornou com uma nota de esclarecimento sobre o caso. O documento de três páginas destaca "divergência entre a narrativa da ofendida e o que aparenta ser a verdade". Sobre a reserva,a hotelaria supostamente recebeu uma ligação 30 minutos antes do ocorrido questionando sobre a disponibilidade de um quarto para comportar um casal. Em resposta, o hotel disse que tinha um quarto disponível para duas pessoas, com check-out obrigatório às 12h do dia seguinte.

Assim que MC Trans e o marido chegaram, de acordo com a nota de esclarecimento o assessor informou que as três pessoas da reserva por telefone chegaram e perguntou o valor de três pernoites. "O funcionário -- que até então só tinha visto o assessor, sendo impossível a ela àquela altura praticar qualquer ato racista à ofendida -- informou que a casa não comportaria aquela nova condição informada -- por questões de responsabilidade pelo conforto, segurança e estrutura (café da manhã, por exemplo)".

A nota também pontua que "a negativa se deu sem o conhecimento prévio das características de gênero individuais das pessoas recém-chegadas, porque somente o assessor teria se apresentado até aquele momento. Há imagens da câmera do circuinto interno de segurança nesse sentido".

O documento aponta que o assessor saiu para informar aos demais que não havia como permanecerem no hotel, e que MC Trans adentrou o saguão e, antes de gravar a conversa, se dirigiu ao atendente de "forma ríspida" e "o informou repetidas vezes de que ela se trata de pessoa 'famosa', trans, sugerindo a ele fosse revisto o posicionamento sobre a lotação. A ofendida parecia ciente de que não havia leitos disponíveis na cidade".

Segundo a nota, na tentativa de explicar que o hotel não podeia abrigá-los naquela noite, o atendente usa o termo "conservador". "O atendente, senhor com mais de 70 anos e que não sabia da politização da expressão, viu a ofendida solicitar a ajuda dos companheiros, a sacarem os celulares e, partindod ela, iniciou o gravação narrando 'então quer dizer que o senhor não quer me atender porque eu sou trans? É isso?' e assim seguiu, sucessivamente, apesar de nada a esse respeito ter sido mencionado até aquele momento".

O hotel lamenta a situação. O pronunciamento afirma que "a questão de gênero foi presumida pela ofendida que buscava a todo custo a confirmação do atendente. Aliás, há indícios graves de que os vídeos divulgados foram selecionados em pontos específicos, cortados e divulgados fora de ordem para desvirtuar o foco da 'lotação máxima excedida' e do 'excesso de hóspedes por quarto' para 'trasnfobia' -- o que, a princípio, não ocorreu".

"O hotel sempre acolheu pessoas trans, e nunca houve em sua história quaisquer incidentes de discriminação", continua o documento. "Registra-se, que tanto o atendente quanto o administrador possuem idade acima de 70 anos, sendo que o administrador possui quase 90 anos de idade, e nenhum deles possuem antecedentes criminais ou responder a processos judiciais".

Por fim, o estabelecimento se compromete a continuar apurando os fatos em busca da verdade e se colocou à disposição de quaisuqe autoridades para esclarecer ou contribuir com informações pertinentes ao caso.

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