A apresentadora Hebe Camargo abria espaço na TV para a comunidade LGBTQIA+
Reprodução/Instagram 29.09.2022
A apresentadora Hebe Camargo abria espaço na TV para a comunidade LGBTQIA+

Hebe Camargo não era apenas “uma gracinha”, mas uma mulher que enfrentou os costumes do Brasil para dar voz à comunidade LGBTQIA+, quando esta ainda nem usava a atual sigla e era invisibilizada na televisão. A apresentadora foi uma das primeiras a abrir as portas para que homens gays, mulheres lésbicas, travestis e drag queens – antes chamadas de “transformistas” – tivessem uma oportunidade de ter a liberdade para serem quem são.

Nascida em 1929, em Taubaté, no interior de São Paulo , ela não permitiu que a velha desculpa “releve, ela é de uma outra época” dominasse o seu discurso e defendia com veemência o direito e o respeito aos LGBTQIA+. Marcello Camargo, único filho dela, mantém viva a memória da artista que ficou conhecida por ser uma mulher à frente do seu tempo.

“Ela ficava indignada com o preconceito. Inclusive teve um episódio, se não estou enganado, em que ela pediu que a plateia toda se levantasse para fazer uma oração em favor do cabeleireiro dela que era homossexual e havia morrido. Havia um padre que se recusou, demonstrando total preconceito por se tratar de um homem gay. Ela ficou indignada por conta dessa negativa do pároco. Então, ela se posicionava, achava um absurdo”, lembra em entrevista exclusiva ao iG Queer.

Hebe ficou conhecida como a “Rainha da Televisão Brasileira” e estava ao lado do jornalista Assis Chateaubriand quando os primeiros aparelhos de TV chegaram de navio ao Brasil. No programa “Hebe” – exibido entre 1986 e 2010 no SBT e entre 2011 e 2012 na RedeTV! –, ela abria espaço para diversos assuntos, inclusive sobre a aprovação do casamento igualitário, medida aprovada por unanimidade pelo Supremo Tribunal Federal no dia 5 de maio de 2011.    

“Minha mãe tomava essa frente e defendia a causa ainda na época da ditadura. Ela sofreu preconceito e censura por se posicionar dessa maneira, mas nada abalava o posicionamento dela. Quando tinha um ideal e uma posição, nem mesmo a censura e a política eram fortes contra ela”, destaca.

“Proliferando o homossexualismo”

Em agosto de 1987, Hebe Camargo deu uma entrevista para o programa “Roda Viva” , no ar até hoje pela TV Cultura, em que foi questionada sobre diversos assuntos, inclusive sobre sua vida pessoal. Marcello lembra que a mãe estava muito nervosa porque estava com medo do que seria questionado e não era para menos: o jornalista Augusto Nunes, mediador do debate, trouxe uma pergunta em comum de vários telespectadores que queriam saber o porquê ela “defendia os homossexuais”.

“Por que não defender?”, rebateu ela na época. “Eles são piores do que a gente? Eles escolheram ser assim? São seres humanos como nós, têm pai, mãe, irmãos, trabalham, pagam seus impostos”, concluía quando foi surpreendida pelo jornalista José Roberto Paladino que a interrompeu: “Você não acha que, como formadora de opinião, defender estaria proliferando?”

“Não, não, queridinho! O fato de eu falar não vai mudar. Ou as pessoas nascem assim ou não nascem. Não é porque a Hebe Camargo falou que as pessoas vão dizer ‘eu vou ser’. Não! Quem tem de ser assim, é. Tenho muitos amigos assim. São pessoas educadas, maravilhosas, com uma cultura que eu gostaria de ter e não tenho. Temos um profundo respeito e converso muito com eles.”

De acordo com o filho, Hebe ficava chocada com esse tipo de declaração. Marcello diz que, mesmo 25 anos depois, o discurso da mãe no “Roda Viva” reverbera muito até hoje e destaca que os vídeos da participação dela no programa – na íntegra ou em partes – já soma mais de 2 milhões de visualizações somente no Youtube. “Ao final, todos a aplaudiram de pé, algo jamais acontecido”, comenta.

“Teve muita repercussão naquela época, mas acho que hoje tem sido ainda mais. É impressionante como isso viralizou. A todo tempo, sempre tem alguém repostando isso nas redes sociais. É incrível ver a força da palavra dela. Uma vez, ela levou a Roberta Close ao programa e a censura caiu em cima por levar para a TV uma travesti, mas ela sempre se posicionou contra esse preconceito.”

Sexualidade do filho

Marcello era do tipo de filho companheiro, que estava com a mãe em todos os momentos, confidente e garante que sabia exatamente como ela pensava. O único assunto nunca conversado em casa era sobre a sexualidade dele. Ao contrário do que é mostrado no filme “Hebe – A Estrela do Brasil” (2018), do diretor Maurício Farias, os dois não tocavam nesse assunto porque, segundo ele, não havia motivos para tal.

“Fui totalmente contrário ao filme porque não mostrava a realidade. Ele mostrava uma barreira entre nós, ela querendo questionar algo e isso nunca existiu. Na verdade, nós nunca falamos sobre sexualidade, de nenhuma das partes. Tínhamos uma relação de muito amor, de declarações todos os dias, eu tinha um orgulho dela como mãe, assim como eu sei que ela tinha orgulho de mim. Essa parte da sexualidade nunca foi comentada porque não era necessário”, garante.

O herdeiro assegura que nunca existiu qualquer tipo de tabu entre os assuntos conversados entre eles. “Ela nunca me perguntou nada como ‘tem algo que você queira conversar comigo?’. Nada! Nossa relação era leve e minha mãe não estava preocupada com preferências sexuais, mas queria ter um filho bom caráter, independentemente do que ele gostasse, que tivesse uma boa conduta. Ela sempre disse ‘eu quero que o Marcello seja feliz com as escolhas que ele tiver na vida, em qualquer âmbito’”.

Trans e travestis

Hebe não tinha preconceitos com qualquer tipo de pessoa. Além de levar a única travesti brasileira a estampar a capa da Playboy, também recebia sempre em seu sofá a atriz trans Rogéria, que morreu em 2017, e abriu espaço para a atriz Nany People, que virou repórter fixa de seu programa.

“Ela tinha uma admiração muito grande. Ela sempre admirou demais as travestis e as transformistas, abria o programa para todas. Não importava se a pessoa era homem, mulher, travesti, trans, ela admirava o artista em si. Ela gostava de mostrar no programa dela o talento das pessoas, independentemente de sexo, preferência sexual, cor e ela estava aberta a todos os artistas”, conta.

Além disso, a apresentadora dava espaço a atores que performavam personagens femininos, hoje conhecidas como drag queens, como o ator argentino Patrício Bisso, que vivia a sexóloga chamada Olga del Volga (1987), e o brasileiro Eduardo Martini, que interpretava Neide Boasorte.

“Minha mãe adorava. Era bárbaro! Era fantástico! Ela morria de rir com as personagens e eu sempre estava na plateia admirando.”

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