Influenciadores bissexuais
Reprodução/Instagram (@klebiodamas, @larissavaiano e @uanalumertz) - 22.09.2022
Influenciadores bissexuais

Em 1999, ativistas dos direitos bissexuais dos Estados Unidos instituíram que dia 23 de setembro ficaria marcado como o  Dia da Visibilidade Bissexual. Desde então, a data é dedicada à luta e conscientização contra a bifobia – violência e opressão sofridas por pessoas bissexuais. A  invisibilidade do B da sigla torna importante que essa parcela da comunidade LGBTQIAP+ crie redes de apoio para expandir cada vez mais a discussão acerca dos tabus que ainda rondam essa orientação sexual. 

Como papel fundamental nesta luta está a internet, por onde atualmente grande parte dos conteúdos voltados para a reivindicação de direitos LGBT em geral se propaga. Ver-se representado e ter alguém que use a própria voz em prol de uma causa maior pode ser uma grande fonte de inspiração e suporte. Em vista disso, o trabalho dos influenciadores ocupa um espaço fundamental no que diz respeito à representatividade e construção de debates, seja de forma mais ativa ou simplesmente existindo e resistindo contra a heteronormatividade. 

Visão binária enquanto construção imposta

Klébio Damas , homem cis e bissexual, tem mais de 900 mil seguidores no Instagram, e no canal Mundo Paralelo, no YouTube, publica vídeos relacionados à cultura LGBT, por meio dos quais debate questões pertinentes à comunidade com bom humor e tom leve. O influenciador vem de uma cidade do interior e conta ao iG Queer que a internet teve um papel importante durante o processo de autoaceitação. 

“Pessoas LGBTs que moram no interior procuram por uma comunidade à qual possam pertencer. Acho que a internet proporcionou isso para mim, mesmo antes de eu me entender com relação à minha sexualidade. Eu sentia que tinha gostos diferentes dos garotos do interior. Todos eles gostavam de futebol e eu era fã da banda Rebelde, por exemplo”, relembra. 

“Sempre tentei me encaixar no padrão. Me forçava a viver determinado estilo de vida, até que, por meio da internet, descobri que não, eu não era obrigado a ser daquela forma. Comecei a ver outras realidades e perspectivas e, com relação à sexualidade, foi a mesma coisa porque eu sempre senti atração tanto por homens quanto por mulheres, mas me forçava a ficar só com mulheres porque era meio que uma zona de conforto”, complementa. 

Klebio narra que quando chegou a São Paulo e conseguiu contato mais direto com culturas e identidades dissidentes, foi um ponto de partida importante para se compreender, se aceitar e mudar a visão engessada que tinha sobre as coisas. “Passei a ver outras realidades porque naquela época eu ainda enxergava muito o gay e o hétero apenas – e o gay sob aquela perspectiva afeminada, entre outros preconceitos e estereótipos. A representatividade me trouxe o sentimento de liberdade, e meu trabalho com a internet foi a virada de chave para me entender”. 

Para ele, a presença da comunidade por meio das redes sociais representa um artifício bastante poderoso, não apenas no sentido de criar grupos de apoio, mas também no sentido político da luta – se fazer presente, se posicionar e desconstruir preconceitos. 

“Com a internet, conseguimos fazer a galera nos ‘engolir’”, explica ele. “Isso é muito bom tanto para nós, LGBTs, quanto para outras minorias sociais. Acho que por meio disso começamos a mostrar a nossa força, porque querendo ou não as minorias se agrupam em comunidades, e aquele ideal de ‘juntos somos mais fortes’ é essencial. Para mim, a internet foi o ponto inicial para ver as nossas ideias tomando ascensão”. 

Klébio destaca ainda que o rompimento das bolhas, ou seja, pequenas comunidades na internet – e na vida real também – que possuem interesses e pautas muito próprias, só é possível graças à internet, que de certo modo impulsiona alguns elementos para que eles cheguem a todos os tipos de público. 

“Se formos pensar na grandiosidade que é Pabllo Vittar, por exemplo, quando você pensaria que sem a internet uma drag queen seria esse fenômeno?", questiona. "Isso é graças à nossa força, aos números na internet, tanto que outros meios começaram a fazer parte desse movimento, como a televisão. A internet impulsiona tanto as bolhas menores quanto as maiores, justamente porque as minorias sociais são mais engajadas e unidas de modo geral, mesmo que existam algumas divergências”. 

O influenciador diz que nunca sofreu grandes ataques bifóbicos, mas alguns comentários sempre aparecem de vez em quando. “O que eu mais vejo são homens gays me dizendo: ‘Você é gay’”, conta. “Ou ‘como você é bi e namora há 6 anos com um homem?’. A bifobia bate muito mais na tecla da invisibilização porque constantemente tentam te colocar em outra letra. Também ouço muitas pessoas dizendo que não vão se relacionar com uma pessoa bi porque ela vai cometer traição”. 

Para Klébio Damas, um dos pontos fundamentais para desconstruir a bifobia de fato é conscientizar a população heteronormativa de que a sexualidade é muito mais ampla do que normalmente é mostrado: “Sempre ouvimos que ou gostamos de homem, ou gostamos de mulher, ou você é gay ou você é lésbica, mas as coisas vão muito além disso. Nós aprendemos a ver a vida dentro desse binarismo, então vale a pena colocar a mão na consciência e se perguntar até que ponto o que a gente aprendeu é verdade e até que ponto é uma construção imposta”. 

Romper barreiras pessoais e externas

Larissa Vaiano  é influenciadora, atriz, diretora e roteirista – além de bissexual. Ao iG Queer, ela conta que foi aos 30 anos que se permitiu de fato explorar a própria sexualidade e compreender a forma com a qual desenvolve atração sexual e romântica por outras pessoas. 

“Na época, eu terminei um casamento”, diz. “Decidi que era o momento de entender isso [sexualidade] de uma vez por todas. Fiquei com a primeira mulher da minha vida e estou com ela até hoje. Atualmente somos noivas, temos uma produtora juntas, estamos construindo uma casa e planejando nosso futuro”.

Ela pontua que o momento em que se descobriu foi ideal, pois até aquele momento já se conhecia até determinado ponto que a ajudou a lidar melhor com os próprios sentimentos. “Acredito que, por ter entendido minha sexualidade depois dos 30, tudo foi um pouco mais fácil. Eu já tinha mais certezas sobre quem eu era, o que eu queria e não queria para minha vida, já me importava um pouco menos com o que as pessoas iriam pensar de mim e estava disposta a fazer o que fosse preciso para ser feliz. Me entender bissexual foi a peça do quebra-cabeça que faltava para que eu me compreendesse por completo”. 

Ao ser questionada sobre os principais tabus acerca da bissexualidade, Vaiano cita três principais: “‘É uma fase’, ‘você é promíscua’ ou ‘indecisa’. Como vivemos num mundo muito binário, as pessoas têm dificuldade para entender que podemos gostar de gente, independentemente do gênero”.

Ela reforça ainda que a internet possui um papel fundamental na mobilização de pessoas bissexuais e na propagação de informação que permite naturalizar essa orientação sexual e fazê-la ser vista perante à invisibilização. Contudo, ela chama a atenção para o fato de que a representatividade não é suficiente quando está presente em apenas um segmento.

“Quanto mais conversamos sobre isso, mais informação trazemos para quem não tem muita intimidade com o assunto. É importante termos referências e acompanharmos pessoas independentemente da sua sexualidade. Mas também precisamos entender que a internet não deve ser o único lugar que vemos esses debates. Precisamos levar essas conversas para lugares que alcançam a população que não tem acesso à internet, como é o caso da TV aberta”, explica.

Para ela, o ambiente nas redes sociais foi acolhedor, de modo geral, mas sempre surgem percalços. Além disso, ela admite que no começo foi difícil lidar com o peso de ser um exemplo para outras pessoas bissexuais, mas que com o tempo compreendeu o poder e o valor que possui em mãos. Partindo desse ponto, a internet se mostra uma ponte fundamental para que diferentes realidades se cruzem e possam oferecer espaços seguros e de conforto. 

“Quando eu saí do armário para os meus seguidores fui acolhida pela maioria deles, mas é claro que um ou outro acaba colocando o preconceito para fora. Já aconteceu de eu participar de uma campanha junto com a minha noiva para uma marca e recebemos uma enxurrada de comentários bifóbicos. Mas nossa comunidade maravilhosa imediatamente se prontificou a nos acolher e defender nos comentários”, relata. 

“A maioria das pessoas me tem como uma referência e no começo isso me incomodava bastante, porque eu não gosto da ideia de me colocarem num lugar idealizado no qual eu sei que não estou. Mas hoje eu consigo entender que quando uma pessoa bissexual olha para mim ela vê alguém que tem um relacionamento muito feliz, tem um profissão que ama e uma família que acolhe, ou seja, ela entende que essa realidade pode existir para ela também. E é dessa forma que eu olho para as pessoas LGBTQIAP+ que eu acompanho. Quando eu vejo essas pessoas conquistando o que elas querem eu entendo que isso é possível para mim”. 

Voltando à questão das bolhas citadas anteriormente por Klébio, Larissa traz um ponto importante: para quem está dentro da bolha LGBT, seja na internet ou fora dela, a intimidade com determinadas pautas se desenvolve muito mais fácil, mas quem está fora desse espaço vai apresentar maior resistência, ou seja, a luta ainda não conseguiu se dissipar em todos os meios. 

“Eu acredito que, para as pessoas que já estão inseridas na comunidade LGBTQIAP+, sendo um de nós ou um aliado, essas conversas estejam bastante avançadas. Mas, ao meu ver, nós ainda estamos dentro de uma bolha e existe uma dificuldade muito grande de furá-la. Precisamos trazer essas conversas para os meios de comunicação de massa e normalizar esses debates para que todas as pessoas entendam e respeitem a sexualidade de cada um”, expõe. 

Para aqueles que estão se descobrindo ou se descobriram bissexuais recentemente, a influenciadora aconselha: “Eu acho que essa descoberta pode ser encarada como algo leve e divertido. Enquanto isso é só seu, não precisa existir nenhuma neura e preocupação. Eu entendo que dependendo da sua idade, família e condição financeira muita coisa pode estar em jogo. Mas enquanto essa jornada for sua você tem a opção de encarar como a descoberta de algo incrível sobre você. Saiba que existem muitas pessoas - muitas mesmo - como você, que se amam e que são amadas”. 

Explorar as possibilidades e se permitir

A influenciadora  Luana Lumertz é bissexual e educadora sexual. Por meio das redes sociais, produz conteúdos voltados para a vida sexual, brinquedos eróticos – especialmente vibradores – e cuidados na hora do sexo. Para ela, a percepção da própria sexualidade começou na adolescência, mas até então não sabia que era uma possibilidade atrair-se tanto por homens quanto por mulheres. 

“Quando tinha por volta dos 17 anos, fazendo cursinho pré-vestibular, tive uma experiência com uma colega e entendi que realmente me atraía por mulheres. Para mim esse processo foi estranho porque até então não parecia normal, só depois fui entender que sim, é possível”, conta. Lumertz aponta ainda que muitas pessoas ainda ligam a bissexualidade à indecisão. 

“Isso me incomoda muito”, diz. “Quando me relaciono com homens, as pessoas dizem que sou hétero. Eu costumo sair mais com homens do que com mulheres, e me é dito que eu não sou bissexual. As pessoas acham que é uma fase, ou que estamos querendo chamar atenção. Existe também uma crença que se você é bi e namora um homem, automaticamente ‘vira’ hétero. Muito se fala sobre as outras letras da sigla, mas pouco se discute sobre a bissexualidade”. 

Apesar do hate que alguns posicionamentos podem causar, Luana concorda que a internet é uma ferramenta poderosa na luta contra a bifobia. “Por meio dela [internet], podemos trazer informação. Um dos meus vídeos com maior quantidade de visualizações no YouTube é sobre bissexualidade, contando minha experiência pessoal e como conversar com outras pessoas sobre isso. A ferramenta comunicação em si pode ajudar quem está se sentindo sem saída, mas também há a propagação de ódio”. 

Para ela, a luta pela conscientização e quebra de preconceitos ainda precisa avançar, pois o assunto continua sendo pouco discutido. “Precisamos situar as pessoas de que a bissexualidade existe, falar sobre como ela funciona e qual a importância de se nomear em algumas ocasiões. Muitas pessoas não gostam de rótulos, mas dar nome é uma forma de fornecer visibilidade para a causa, então acredito que podemos sim falar mais sobre o assunto”. 

Lumertz acrescenta ainda que descobrir a própria sexualidade é um processo muito particular e, portanto, não deve ser feito às pressas. Ela ressalta a importância da individualidade e do respeito a si mesmo. “Vá com calma”, aconselha. “Analise como você se sente. Nada é fixo, pré-estabelecido ou determinado para sempre. Você pode perceber aos poucos como se sente confortável. A aceitação às vezes vem com o tempo”, conclui.

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