As cenas em que Zaquieu sofre homofobia na fazenda dos Leôncios, na novela “Pantanal”, foi um dos gatilhos mais dolorosos para a população LGBTQIA+ que se viu retratado na televisão. Ele precisou ir embora para que as pessoas pudessem entender que um preconceito vestido de “brincadeira” pode ser tão doloroso quanto uma violência física. Só que a vida de uma pessoa da comunidade é para ser celebrada e o personagem de Silvero Pereira está de volta à trama e com status de rei do Pantanal.
O ator está radiante com a repercussão da história de Zaquieu na internet e nas ruas. Ele assistiu à primeira versão da novela, escrita por Benedito Ruy Barbosa e exibida pela extinta TV Manchete em 1990, e comemora o espaço dado aos assuntos pertinentes da população LGBTQIA+ nesta nova versão escrita pelo neto do autor, Bruno Luperi.
“Fiquei muito feliz ao ver que tudo que planejamos com a personagem chegou no público com mais força do que esperava. Esse é um remake de 30 anos depois, então seria um descaso completo se não houvesse um novo olhar, uma repaginada nessa história e podem esperar porque o folhetim ainda tem muito para cumprir nessa história.”
Ele conta, em entrevista exclusiva ao iG Queer, que assistiu à primeira versão da novela e se identificava muito com o personagem que foi vivido pelo ator João Alberto Pinheiro e que morreu apenas um ano após o fim da trama. Na época, Silvero tinha oito anos de idade e se via naquele Zaqueu, mas rejeitava essa identificação para não correr o risco de sofrer em sua vida o mesmo que aconteceu com o personagem na ficção.
“Hoje, meu maior desejo é ser uma referência [para os meninos gays] interpretando Zaquieu, ou seja, espero que aconteça o contrário do que senti: que olhem para ele e se sintam fortes e seguros para ser quem são e exigir respeito”, declara.
Bruno Luperi tem seguido em muitos momentos da trama com o texto exatamente igual ao de Benedito Ruy Barbosa, mas a questão da homofobia tem sido tratada de maneira muito diferente da década de 1990. O ator acha que essa era uma dívida antiga que o audiovisual tinha com a comunidade e essa é uma oportunidade de se retratar.
“Bruno tem sido muito sensível nessa questão e muito aberto para sugestões. Acredito que o texto até pode ser o mesmo, mas a grande diferença tem sido no tom de interpretação. Essa mudança é necessária e uma dívida do mercado audiovisual na questão da educação.”
Na trama, o personagem Tadeu (José Loreto) chegou a ganhar muitas mensagens de ódio nas redes sociais pelo discurso homofóbico que fez sobre Zaquieu. Silvero aposta que esse seja um reflexo positivo de uma nova geração que não tolera mais a LGBTfobia.
“Superacredito nisso! Não tolerar a atitude do Tadeu é uma resposta ao nosso não silenciamento das violências cotidianas”, completa.
Nova fase
O mordomo de Mariana (Selma Egrei) voltou para a fazenda e foi recebido com uma verdadeira festa feita por José Leôncio (Marcos Palmeira), com direito a moda de viola e, claro, “Cavalo Preto”, a música predileta de todo mundo que passa por ali. Ele tentou se ajeitar pela cozinha, mas agora Zaquieu está com apenas um objetivo na cabeça: quer ser respeitado como peão, tal qual os outros homens que ali trabalham.
A profissão, na vida real, é muito heteronormativizada e, quando o personagem fala sobre seu desejo, cai sempre em descrédito. Assim também é na vida real e os homens gays ainda sofrem bloqueios e preconceitos para conseguirem espaço em profissões supostamente “de macho”, como jogador de futebol ou mecânicos, por exemplo. Silvero acredita que ainda falte reconhecimento para que as pessoas entendam que um homem gay, seja mais feminino ou não, pode exercer qualquer tipo de profissão.
“Falta aceitação. Durante minha estadia no Pantanal ouvi várias histórias de peões gays. Nós LGBTQIAPN+ estamos em todos os lugares e todas as profissões e o que nos falta é reconhecimento, respeito e proporcionalidade no mercado”, opina.
Até bem pouco tempo atrás, os próprios atores gays não eram bem vistos pelo grande público porque “poderiam perder a credibilidade”, mas esse pensamento está mudando. Hoje são vários profissionais, galãs ou não, protagonistas ou coadjuvantes, que não têm medo de mostrarem quem realmente são por trás das câmeras. Silvero garante que nunca fez parte do grupo que tentava esconder sua sexualidade e sempre viveu sua vida da forma que lhe convinha.
“Entrei na TV sendo quem sou e nunca me senti intimidado por isso. Alcancei os lugares que tenho por demonstrar competência, estudo e disciplina”, enumera ele que começou na TV como a personagem Elis Miranda, em “A Força do Querer” (2017), uma mulher trans que se escondia atrás de um “personagem” chamado Nonato.
A previsão é que “Pantanal” acabe somente dia 14 de outubro deste ano e o ator está ansioso para ver seu personagem com um par romântico. Em entrevista ao programa “Encontro”, na Globo, ele fez um pedido especial para que Bruno Luperi não esqueça de um amor para Zaquieu e, ao iG Queer, comenta que a população gay também precisa se sentir representada nesse sentido.
“Confesso que torço muito por essa mudança na nossa versão. Zaquieu merecia um amor. O que posso adiantar é que se não for para ser amado, o personagem gay não pode mais nutrir uma paixão platônica. Ele precisa ser correspondido.”
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