Caminhoneira trans, Marcela Porto lembra que não se via no espelho

Ela descobriu-se ainda jovem, quando percebeu que não se identificava com o próprio corpo: "Me sentia reprimida"

Marcela Porto é caminhoneira, operadora de máquinas e dona de uma transportadora de minérios
Foto: Allan Bertozzi
Marcela Porto é caminhoneira, operadora de máquinas e dona de uma transportadora de minérios


Marcela Porto, mulher trans, é carreteira, operadora de máquinas pesadas e dona da própria transportadora de minérios. Em entrevista ao iG Queer, ela compartilhou um pouco das próprias experiências como transgênero neste meio. Com bom humor, comenta: “Nasci com diesel nas veias, conforme falamos neste meio. Meu pai era caminhoneiro, assim como meus irmãos e minha irmã”.

Marcela conta que aprendeu a dirigir caminhões sozinha aos 14 anos e hoje, aos 47 anos, lembra de sua trajetória enquanto mulher trans. Ela discorre que os primeiros sentimentos surgiram ainda na infância quando se sentia inadequada ao que lhe era imposto. Ainda criança, ela já enfrentava questões com o espelho e se achava feia.

"Não gostava de roupas ‘masculinas’ ou de cortar o cabelo. Eu me perguntava por que não tinha seios e uma vagina. Era muito complicado, eu não conseguia me encontrar. Me sentia reprimida, pois não era feliz 100%. Mesmo tendo muitos homens na minha família, nunca gostei das mesmas conversas deles ou dos mesmos hábitos. Apesar disso, só realizei a transição na fase adulta”. 

A caminhoneira declara ainda que tinha medo de como seria recebida no ambiente profissional após se assumir, mas ressalta que, contrariando as próprias expectativas, os colegas de trabalho mostraram-se receptivos e ela nunca sofreu nenhum ataque transfóbico direto.

“As pessoas já me conheciam desde antes da transição, então eu temia perder o respeito delas. Os caminhoneiros foram muitos respeitosos, e costumam me ajudar bastante. É como se tivessem conhecido outra pessoa e esqueceram quem eu era antes da transição. Não sabia que conseguiriam reconhecer a mulher que eu sou, mas conseguiram e me compreenderam”, comenta.

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Marcela atualmente deseja uma vida pacata e estável. De acordo com ela, após a perda da mãe as ambições tornaram-se mais tenras. “Depois de perdê-la [mãe], não almejo muita famosidade. Antes eu até tinha o sonho de entrar num reality show, ser famosa, mas agora minha maior felicidade é estar tranquila, cuidar das minhas duas cadelas, estar com meu marido, acordar às 5h da manhã e pegar meu caminhão. Sou feliz tomando meu café no início do dia e indo trabalhar”, declara. 

A carreira como caminhoneira, de acordo com Marcela, é responsável por constante aprendizado. O ramo possibilita que ela esteja em contato com diferentes tipos de pessoa e conheça realidades das mais variadas, o que sempre rende um novo ensinamento.

“Eu aprendo todos os dias. Mexo com minérios, compra e venda, então atendo várias pessoas, desde grandes empresários de obra a pessoas bem humildes. Estou sempre vendo coisas novas”. 

Por fim, Marcela faz um apelo ao respeito e acolhimento de mulheres trans, principalmente porque cada vivência é única, além da variação de passabilidade – o quanto a pessoa trans se aproxima dos estereótipos de gênero impostos.

“Por favor, vamos ter mais respeito, tanto pela 'passável' quanto pela 'não-passável'. Somos mulheres iguais. Assim como mulheres cis, viemos de várias maneiras: das mais altas às mais baixas. Tem que se respeitar a mulher. O seu direito começa quando o meu termina”, conclui.

** Estagiário das editorias Queer, Canal do Pet e Turismo desde 2021, Miguel Trombini já passou pelas editorias Delas e Receitas. Produz majoritariamente para a página LGBTQIAP+ do iG e utiliza um pouco da experiência como homem trans e gay para oferecer o conteúdo mais completo possível acerca da diversidade sexual e de gênero.