Explorar novos estilos aumenta a autoestima e melhora a saúde mental

No contexto de diversidade sexual e de gênero, uma boa autoestima é fundamental para arriscar novos estilos que geram maior identificação

Entenda como fazer a manutenção da autoestima sendo uma pessoa LGBT
Foto: Anna Shvets/Pexels
Entenda como fazer a manutenção da autoestima sendo uma pessoa LGBT


Para a população LGBTQIAP+, descobrir-se pode ser um divisor de águas. Se aceitar e se compreender é o primeiro passo para deixar de lado antigas amarras e descobrir mais sobre si mesmo, inclusive sobre o próprio estilo e forma de se expressar. Sabrina Amaral, psicóloga, explica um pouco mais sobre o conceito de autoestima e como ele se aplica no contexto de pessoas LGBT.

“A autoestima está ligada ao autoconceito que cada pessoa tem de si. Ela permeia nossas decisões, seja no trabalho ou na vida pessoal, e contribui para termos relacionamentos mais saudáveis (com nós mesmos e com os outros). Não é à toa que autoestima e saúde mental andam de mãos dadas. Pensando especificamente sobre a população LGBTQIAP+, a construção de uma autoimagem positiva, acaba sendo um desafio ainda maior em virtude do preconceito, crenças de desvalor, da não aceitação do olhar do outro a começar de pessoas próximas e familiares”, explica.

A especialista pontua ainda que “uma autoestima bem trabalhada ajudará a pessoa a se fortalecer em sua identidade, valorizar aquilo que ela é, se posicionar mesmo mediante cenários desafiadores de desafeto e discriminação e saber que seu lugar de fala é um direito que não pode ser tirado”. 

Porém, esse processo de construção não é simples e envolve diferentes fatores, como o próprio ato de “sair do armário” – se assumir –, por exemplo, pois, como citado anteriormente, este pode ser um ponto de partida para reformular a própria visão de si mesmo e a forma de se expressar. Lara Cannone, psicóloga, comenta sobre como descobrir a sexualidade afeta diretamente na autoestima, principalmente no caso de indivíduos que vivem em ambientes pouco receptivos. 

“Saber mais sobre si pode ser libertador ou desesperador para qualquer sujeito. Muito disso tem relação com o contexto de vida da pessoa. Se há possibilidades de inclusão, de se expressar sem tabus, então aumentam as chances de melhorar a autoestima. No entanto, viver imerso em valores heteronormativos, sendo LGBT, cria obstáculos para a autoestima e até mesmo para dar o passo de ‘saída do armário’”, explica. 

Ênio Ricardo Macedo, psicólogo, pontua o fato de que estar submetido a um ciclo de estereótipos e expectativas cis-heteronormativas afeta diretamente na visão que os indivíduos possuem de si mesmos e na forma como desejam ser e se vestir.

“Quem nunca se viu pensando e desejando automaticamente ter o corpo das modelos de revista? Ou comprando a roupa que viu alguém usando nas redes sociais? Também podemos nos perceber um tanto desconfortáveis quando não conseguimos comprar tal roupa ou que o nosso biotipo é completamente diferente daquela modelo ou da edição daquela imagem. Quando falamos de uma população que desde de sempre está sendo ‘convidada’ a se moldar ou se esconder em um padrão no qual ele não se identifica, acaba por se tornar mais vulnerável a esse tipo de exposição e não só a autoestima mas a saúde mental de maneira mais geral podem ser afetadas, sim”, esclarece. 

O especialista vai mais a fundo e diz que os primeiros passos para conseguir construir uma autoestima mais sólida é essencialmente a autorreflexão e o autoconhecimento, que podem ser alimentados principalmente por meio da psicoterapia. 

“Acredito que o primeiro passo dessa grande jornada, seria iniciar um processo de autorreflexão e autoconhecimento, hoje em dia existem muitas formas de exercitar isso. A primeira que recomendo é a busca pela psicoterapia, é um processo difícil que por vezes temos até medo de iniciar, mas necessário na maioria das vezes, buscar um psicólogo ou uma política pública que oferte esse tipo de serviço é um grande passo”, ressalta. 

Contudo, é claro que esta jornada oferece alguns obstáculos, e Sabrina Amaral lista alguns deles. Entre os principais, pode-se colocar a exclusão social sofrida por pessoas LGBTQIAP+ justamente por elas não se adequarem às normas sexuais e de gênero impostas como “corretas”.

“Ser diferente da maioria nunca é fácil. As pessoas temem e rejeitam aquilo que elas não entendem. As reações negativas são diversas e vão desde a exclusão até a violência física e emocional. A pessoa LGBT sofre com estas reações, e eventualmente duvida de si, fica questionando suas escolhas e valores e sente-se inadequada. É como se ela estivesse ‘errada’ e à margem daquilo que ela aprendeu como sendo ‘correto’, de acordo com o modelo cis-heteronormativo. Estes sentimentos não são os melhores ingredientes para se ter uma boa autoestima, pois reforçam crenças de desamparo, desamor e desvalor. A pessoa LGBT precisa fazer um trabalho dobrado para desenvolver autoconfiança e amor próprio, comparada a pessoas hétero”, explica a especialista.

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Estilo como componente da boa autoestima: veja como desenvolvê-lo

Entre um dos fatores que compõem uma boa autoestima, estar de bem com a própria imagem é um deles. A consultora de imagem Thaís Lourenço explica como as roupas e os acessórios contribuem para a construção de uma autoestima forte e, consequentemente, para a sensação de bem-estar e confiança. Ela adianta ainda alguns fatores que podem ser incorporados aos looks para proporcionar o sentimento de poder. 

“Quando falamos de usar as roupas como ferramentas para melhorar a autoestima, não falamos só sobre ser bonito e feio, pois esse reducionismo não pode ser aplicado em um mundo tão plural em que a beleza é relativa. Falar de aliados da autoestima é falar basicamente de sentir-se com poder, e isso, de forma muito simples, pode ser alcançado com a verticalização da imagem: uso de linhas verticais, modelagens mais retas, penteados altos, etc. Os acessórios podem vir para criar essa verticalização de forma muito simples e ao mesmo tempo criativa. Você pode por exemplo estar de camiseta branca e calça jeans, mas se colocar um colar pendente, uma gravata e/ou um coque alto/topete, já é suficiente para que se sinta prestes a dominar o mundo”, aponta. 

Para conseguir construir o próprio estilo, a consultora de imagem aconselha principalmente a análise das próprias roupas e os questionamentos acerca de quais peças o indivíduo gosta mais, com os quais se sentem mais confortáveis e possíveis padrões entre os looks que já são usados frequentemente. 

“Observar bem o próprio guarda-roupa, fazer um inventário de quais são as peças e cores que se repetem, para entender o que você mais gosta de comprar e usar. Criar uma pasta de referências de estilos que goste também é uma ótima saída (Pinterest é ótimo e eu superindico). Depois, começar criticamente a perceber qual o padrão dos looks que você selecionou: todos têm algo brilhante? Ou todos têm um blazer? Ou salto? Fazendo isso, fica simples direcionar seu desejo de consumo e entender como usar os estilos na sua comunicação individual. Fazer uma consultoria de imagem e estilo também ajuda em vários aspectos da vida, não só em escolher o que vestir, mas em alinhar sua comunicação com a sua imagem, com o que você verdadeiramente é”, aconselha. 

Quando questionada sobre como as vertentes mais tradicionais da moda podem gerar insegurança nas pessoas LGBT no momento de buscarem pelo próprio estilo, Thaís confirma que esta é sim uma realidade e que a chave para tudo é não deixar de experimentar coisas novas até encontrar um padrão que se encaixe aos gostos pessoais de cada um. 

“Muitas pessoas ainda se sentem desconfortáveis com o diferente no sentido de: todo mundo vai olhar para mim na rua. Dependendo do seu estilo, você vai achar isso ótimo ou vai achar extremamente desconfortável. O segredo é experimentar. A gente só sabe do que gosta quando testa. E vamos relativizar o ‘diferente’ porque o que é diferente para mim pode não ser para você, certo? Tudo depende do meio social no qual você está inserido. A moda de São Paulo, por exemplo, pode parecer bem exótica para quem mora no Rio de Janeiro e vice-versa”, comenta.

Além das vertentes tradicionais, os estereótipos de “masculino” e “feminino” também contribuem para a insegurança em buscar por estilos novos, de acordo com a especialista. Ela também dá um parecer sobre como grandes lojas de roupas fazem essa distinção e ressalta ainda que, para conseguir achar o próprio estilo, é fundamental se desprender de tudo que é culturalmente imposto e começar do zero. 

“Essa é uma luta antiga – alô, Chanel – e perpetuada principalmente pelas famosas lojas de departamento. Algumas mais famosas separam as seções masculinas e femininas por andares, ou seja, caso você queira provar alguma coisa que seja culturalmente atribuída ao gênero oposto, você precisa se locomover conscientemente até outro piso. Isso gera naturalmente uma sensação de não pertencimento em quem não se identifica com um estilo binário ou quem simplesmente gosta de experimentar novas combinações. Logo, se você se sente deslocado, sua autoestima tende a ser abalada. O segredo aqui é justamente a subversão. Se você quer entender qual é realmente o seu estilo, não fique preso ao que culturalmente lhe é imposto, vá fazer um tour em toda a loja, procure peças que goste, sejam elas femininas ou masculinas, e busque fazer sua misturinha única com elas. Uma coisa importante e que vou repetir sempre: a roupa é quem deve servir teu corpo e seu gosto, e não o contrário”, declara. 

A consultora também indica estar em constante contato com meios nos quais o indivíduo se sinta livre de julgamentos e tenha maior liberdade para vivenciar diferentes estilos até encontrar um que lhe sirva devidamente. “É importante circular em meios onde se sente confortável e livre de julgamentos. Se a sua família discorda do seu estilo, por exemplo, talvez valha a pena começar essas experimentações longe deste ambiente para sentir mais segurança e só então adotar esse estilo em outros lugares”, orienta. 

Por fim, ao ser questionada sobre qual a melhor forma de fazer as pazes com o espelho, Thaís pontua os obstáculos que interceptam essa jornada e destaca que a aversão ao próprio corpo e ao próprio estilo são comportamentos ensinados para os indivíduos, e abrir mão disso não é simples. Para ela, a liberdade de experimentação é a chave de tudo. 

“Se olhar com delicadeza e sem julgamento é uma das coisas mais difíceis que temos que fazer e exige coragem, porque a gente tende a ser cruel com a nossa imagem. Fomos ensinados a fazer isso a vida toda, buscando um padrão inexistente e inalcançável porque, afinal de contas, é disso que a indústria da moda e da beleza se alimentam. Se olhe com a delicadeza com a qual você olha outras pessoas, reconheça que a roupa foi feita para caber em você e não o contrário. A roupa é um pedaço de pano e a gente a molda de acordo com as nossas necessidades. Faça experiências de compra, vá às lojas e prove tudo o que quiser, mesmo o que achar estranho e pensar que não vai ficar bom. Não se preocupe com o tamanho na etiqueta, a tabela de numeração no Brasil não é padronizada e ao mesmo tempo que você pode usar P em uma loja, pode usar G em outra. A roupa precisa te servir, então não tenha medo de se sentir confortável na sua pele, no seu corpo, porque ela é sua casa”, conclui.

** Estagiário das editorias Queer, Canal do Pet e Turismo desde 2021, Miguel Trombini já passou pelas editorias Delas e Receitas. Produz majoritariamente para a página LGBTQIAP+ do iG e utiliza um pouco da experiência como homem trans e gay para oferecer o conteúdo mais completo possível acerca da diversidade sexual e de gênero.