Múltipla. Assim Linn da Quebrada se descreveu para o país inteiro como integrante do Camarote no “Big Brother Brasil 22” na tradicional rodinha de apresentação feita pelos participantes quando o jogo começa.
Atriz, cantora, mãe de pet, canceriana e uma série de outros adjetivos foram usados por ela para tentar definir a si mesma no discurso que terminou de forma emblemática: “Não sou homem nem sou mulher, sou travesti”.
A artista entrou no reality justamente em janeiro, mês em que ocorre o Dia da Visibilidade Trans, celebrado hoje, criado para promover reflexões sobre a cidadania de pessoas da comunidade trans e travestis.
"Afirmar-se travesti é impactante, mas ela o faz de maneira natural", aponta Keila Simpson, presidente da Associação Nacional de Travestis e Transsexuais (Antra), que explica: "Ainda hoje o termo carrega um estigma, por muito tempo as travestis foram pintadas como marginais, enquanto o termo mulher transsexual chegou como algo mais assimilado pela sociedade".
"Era muito colocado no contexto de 'se você não quer fazer a cirurgia, não é mulher transsexual, é travesti'. Isso passou, não se debate mais. Conceituar esses termos é uma coisa tão démodé, porque não existe diferença, nem na biologia, nem no social", afirma.
"Uma mulher trans é normal, natural como uma travesti. São pessoas iguais, que se identificam como quiserem a partir de suas individualidades. Para nós enquanto sociedade compete aceitar", comenta.
Além da veia artística, o ativismo também tem forte presença na vida da paulistana de 31 anos. O envolvimento da sister com pautas ligadas à comunidade LGBTQIAP+, principalmente trans e travestis, vem de longa data, como conta Indianarae Siqueira, ativista e amiga:
"Ela se envolve diretamente com as ativistas, principalmente no meio artístico. Se entrega totalmente quando se trata de causas sociais. Faz por ser da comunidade, mas também porque acho que é algo já natural dela", diz.
Linn é madrinha de um projeto social do qual Indianarae é líder, a CasaNem. A instituição acolhe pessoas LGBTQIAP+ em situação de vulnerabilidade, oferecendo moradia, cursos, empregabilidade e cestas básicas. Para ajudar o abrigo, que fica no bairro do Flamengo, no Rio de Janeiro, a artista já fez doações e shows gratuitos. Com a ONG desde 2016, ela já reuniu quase 10 mil pessoas em apresentações beneficentes.
A participação de Lina Pereira, nome de registro da artista, no "BBB 22", já levantou debates interessantes sobre questões identitárias. Em um dos programas ao vivo, ela teve espaço para explicar para os participantes da casa e para todo o Brasil que deseja ser tratada com pronomes e termos femininos por conta da identidade com a qual se identifica, que é travesti.
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"A Linn pode mudar completamente a visão do brasileiro com sua participação ativa dentro da casa", avalia Keila.
E Indianarae completa: "a presença da Linn no “BBB” vai ficar marcada na vida dela e na de pessoas da comunidade que ela defende.
Buscando ir contra os rumores de que sua participação seria resumida como “a nova geração militante” do programa, como disse na casa, Lina quer viver o reality de forma leve, algo que faz parte de sua personalidade, como conta a amiga:
"Por mais que suas músicas mostrem um perfil mais agressivo, ela sempre teve tranquilidade na fala ao abordar as coisas. Às vezes perde a paciência, como todos nós, mas não é o natural dela".
Do limão, uma limonada
Situações transfóbicas já aconteceram no “BBB 22” . Houve o uso do termo pejorativo “traveco” na casa e Linn foi tratada com pronomes e termos no masculino, mesmo explicando que deveria ser feminino. A participante não se exaltou em nenhum episódio.
Corrigiu, esclareceu, conversou e até deu um corte mais seco, mas nada de briga. Indianarae observa que, apesar de serem experiências dolorosas, podem servir para apontar questões importantes e necessárias, ainda mais quando levantadas no país que mais matou pessoas trans no mundo em 2021 como o Brasil, segundo dados divulgados pela Antra.
"É muito constrangedor. Mas, ao mesmo tempo, sabemos que é necessário para que a população também aprenda como lidar com essas situações. Eu sei o quanto é doloroso, mas a Linn tem uma força para lidar com isso que talvez outras pessoas não teriam. É o que me deixa mais tranquila", confessa a amiga, que analisa:
"Ninguém é obrigado a ser pedagógico. Se a Linn vai se dispor a discutir e ensinar, ela quem decide. Mas é importante podermos explicar e debater. A educação é o melhor caminho contra opressões". E Keila conclui:
"Estamos em um processo ainda inicial dessa discussão, infelizmente. Mas estaremos todos os dias, seja Linn no “BBB”, seja a gente dos movimentos sociais, batendo nessa tecla. Travestis e mulheres trans são pessoas como qualquer outra e queremos o respeito da sociedade".