Eloá Rodrigues, mulher preta e travesti que ganhou o Miss Beleza T Brasil
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Eloá Rodrigues, mulher preta e travesti que ganhou o Miss Beleza T Brasil


A primeira vez que Eloá Rodrigues tentou se inscrever em um concurso de beleza em 2014 foi recusada porque a organização não entendia sua beleza enquanto possível. Naquela época, eles alegaram que a candidata estaria "fora dos padrões". No ano seguinte, outra tentativa, novamente recusada. Até que, em 2016, participou de um concurso municipal na cidade de Niterói, na região metropolitana do Rio de Janeiro, mas não venceu. Eloá tentou participar do concurso Miss Beleza T Brasil mais uma vez em 2017 e não foi selecionada.

“Apesar de acreditar e querer muito, voltou um pouco daquela insegurança de grande parte da minha existência. De passar a entender que talvez aquele lugar de fato não seria para mim. Comecei a repensar se, de fato, era isso que eu queria. Foi quando, em 2019, eu fui escolhida para representar o Rio de Janeiro no Miss Beleza T Brasil. Então eu me vi pertencente a esse espaço”, diz.


A miss relata que, mesmo após conseguir alcançar o título, algumas pessoas tentaram invalidar a participação e a questionaram se era bonita de verdade, se estava realmente no lugar certo. A partir daí, Eloá mudou completamente a visão sobre o mundo e sobre si própria. Na edição daquele ano foi a primeira vez que um concurso a nível nacional teve uma quantidade considerável de mulheres pretas, embora não houvesse nenhuma mulher preta no pódio.

“Foi histórico ter um número tão relevante de mulheres pretas participando, é muito importante ter mulheres da minha cor ocupando esses espaços. Apresentando seus espaços”, conta. 

Miss Beleza T Brasil

Eloá irá representar o país no Miss International Queen, na Tailândia
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Eloá irá representar o país no Miss International Queen, na Tailândia


Eloá Rodrigues foi a vencedora do Miss Beleza T Brasil em 2020 e vai representar o país no Miss International Queen, na Tailândia. Para ela, a sociedade ainda não se libertou dos antigos ideais de beleza. “As pessoas não estão preparadas para que alguém com uma realidade como a minha, um corpo, um rosto ou tom de pele parecido com o meu, ocupem esses lugares de destaque, de referência, principalmente positiva”, diz.

Assumir-se como travesti, de acordo com ela, foi um processo. Ela lembra que passou grande parte da vida escutando que ser travesti era algo ruim, então até o início da transição, preferia não se à trangenereidade como travesti porque foi ensinada que "ser trans" era um termo mais "higiênico".

"Por conta desse termo (travesti) ser carregado de tanta história, de tanta luta, o termo ‘uma travesti’ só é usado na América Latina e por isso tem um peso, uma importância e uma relevância tão grande. É algo muito único, muito particular. Mais especificamente no Brasil, a realidade para travestis é algo que por si só já é uma história muito rica, mas que muitas vezes acaba sendo invisibilizada por esse processo heteronormativo que tenta padronizar e higienizar essas identidades, então eu acredito que, em paralelo ao termo travesti, o termo trans ele vem muito nessa pegada de tentar higienizar as nossas identidades. Eu particularmente também me refiro a mim enquanto uma pessoa travesti”. 

Ao receber mensagens negativas, Eloá revela que busca não se abalar. “Esse ódio não é uma questão minha, é uma questão do outro. Ele é que tem que lidar, que não está preparado para conviver com essa questão. Eu sou a vencedora e vou representar o Brasil na Tailândia. Então, se o outro não está disposto a rever a sua visão de mundo, o seu conceito, o seu olhar sobre determinada população ou determinado estereótipo do que foi criado em cima do que é a beleza, infelizmente não tem como dialogar com essa pessoa”, comenta.

Além disso, ela conta que a representatividade é de suma importância para que mais pessoas negras atinjam posições de visibilidade. Eloá salienta que sua existência não é negociável, então é muito importante que o maior concurso de beleza para travestis e transexuais no Brasil hoje tenha uma representante negra e que esteja a par de todas as questões que estejam acontecendo com a comunidade.

“Quando eu chego aqui na minha periferia, onde sempre foi dito que ser travesti é errado, é ser puta, que automaticamente já liga o termo a esses estereótipos que já tão dados e eu chego dizendo ‘não, eu sou uma travesti e consegui chegar em outros lugares’, as pessoas também repensam sobre o que é esse lugar. Então acho que é muito importante, é muito significativo, mas também é um papel social e um papel de transformação”, afirma. “Repensar essa transformação em passo de formiguinha, na coletividade, nos espaços em que a gente ‘tá ali transitando, nas nossas conversas diárias... eu acho que isso é muito importante para desmistificar isso que foi criado em torno do termo travesti”, completa. 

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Humanidade e existência

Eloá Rodrigues
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Eloá Rodrigues


Eloá pontua que a principal violência que uma mulher preta sofre em um ambiente ligado à beleza é quando seus traços não são considerados “bonitos”. “Muitas vezes as existências que são reconhecidas enquanto legítimas nesses espaços, são de mulheres pretas com traços finos, com mais proximidade com realidades brancas”, relata. 

No mais, ainda existe uma constante tentativa de tentar encaixar pessoas trans nos traços que se assemelham à cisgeneridade. A miss reconhece que não necessariamente todas as pessoas pretas ou trans estão diretamente ligadas a esse estereótipo, portanto ela acredita que esta seja a maior violência que a comunidade sofre porque é uma tentativa de higienizar esses corpos. 

“O maior desafio é como a gente pensa enquanto sociedade em um lugar melhor para que as futuras gerações consigam enxergar essas pessoas enquanto possíveis, mas principalmente enquanto humanas, enquanto dignas de viver sua plenitude. O Brasil é o país que mais mata travestis, mas que também mais consome pornografia dessa população. A gente sempre vai ter um movimento reativo ao mínimo de avanço que a gente consiga nos espaços sociais e na coletividade, então a todo momento que a gente consegue dar algum passo, volta dois porque a sociedade ainda não entendeu o quanto é necessário as pessoas compreenderem a nossa humanidade”, desabafa. 

Sobre o termo “humanidade”, Eloá aprofunda a discussão e explica a importância desse termo no que diz respeito à integridade física, emocional e mental de mulheres trans e travestis pretas. A miss diz que quando as pessoas a enxergam como um ser humano, elas não permitem que a sociedade a agrida em praça pública, que seja violentada ou que seja expulsa de um banheiro.

"As pessoas conseguem entender que fazer isso não é algo legal, que fazer isso não é tolerável. Enquanto mulher preta e trans, eu acho que a gente precisa repensar esse ideal de sociedade que foi criado por tanto tempo e, a partir disso, a gente conseguir de fato enfrentar e debater sobre o racismo estrutural que permeia as nossas existências e sobre a transfobia que já está dada, que também permeia a existência de pessoas trans e travestis. Acaba que essas duas questões estão de mãos dadas. Tanto transfobia quanto racismo simbolizam esse hábito de olhar para o outro e se sentir superior”.

Presente e futuro

Quando questionada sobre o futuro da causa e a abertura de mais oportunidades para mulheres trans e travestis pretas, Eloá expõe a situação atual enfrentada por essa população e ressalta a continuidade da luta diária.

“A gente resiste à negligência da sociedade, das nossas famílias, da exclusão religiosa, de todas as espécies; a gente tem resistido cada vez mais, então esse movimento acaba sendo inerente à nossa existência. Eu acredito que a gente tem feito um movimento muito grandioso. Se hoje a gente consegue estar aqui conversando sobre isso, sobre essas questões que permeiam as nossas existências e a gente já consegue acessar esse espaço, falar das nossas realidades, das nossas questões, eu acho que já é de extrema importância, de extrema relevância, mas ainda existem muitos desafios."

Ela conclui que a comunidade trans e travesti vai continuar resistindo, fazendo uma movimentação e não apenas resistindo, mas também reagindo para que os trangêneros consigam avançar mais nos direitos trans, nos direitos de pessoas travestis, nos direitos da população LGBT como um todo. "A gente acaba levando essa bandeira porque não tem como dissociar a luta”, finaliza.

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