Na noite da última sexta-feira (4), o jovem Luís Carlos Sousa de Almeida, 19, foi encontrado morto em trecho do Rio Tocantins após se suicidar na cidade de Porto Franco, no Maranhão. Luís Carlos andava nu pela cidade e passava por um surto psicótico, e sua morte não foi impedido pela população ou pela polícia.
O jovem caminhou nu por cerca de 2km por vias como Avenida Beira Rio, que leva ao rio Tocantins, e Avenida Valentim Aguiar, algumas das mais movimentadas do município. Moradores que estavam nos arredores gravaram Luís Carlos, riam e faziam comentários cômicos, mas não prestaram assistência.
O caso começou a repercutir nas redes sociais, principalmente no Twitter, e perfis afirmam que suicídio foi “motivado” por homofobia e psicofobia.
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Luís Carlos tinha diagnóstico de depressão profunda e recebia tratamento em um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). No entanto, o acompanhamento estava interrompido naquele momento, o que amplificou o quadro depressivo do jovem.
“Nos vídeos, todo mundo da lanchonete ficou em pé para ver quando ele passou, com os celulares filmando. Eles caçoavam, riam e o julgavam como louco”, afirma Diego*, 22, amigo de Luís Carlos que está auxiliando a família após a morte do jovem.
Para a pedagoga Cirlei Almeida, 42, tia do jovem, a morte de seu sobrinho foi assistida pela população. “Dezenas de populares atrás filmando e rindo, fazendo chacota. Por que não fizeram nada para deter? É uma grande falta de respeito e empatia. Em vez de filmar para jogar em rede social, era para deter ou pelo menos tentar nos avisar”, afirma.
“A gente precisa entender o contexto social em que o Luís estava: em uma cidade com menos de 30 mil habitantes, conhecido por ser um corpo atípico, gay, preto, pobre, enfrentando problemas psicológicos. As pessoas não iriam ajudar por ele ser quem era. Preferiram julgar como louco”, diz Diego, em tom de lamento.
Após caminhar pelo centro da cidade, câmeras de segurança captaram Luís descendo uma rampa na Beira Mar que leva ao rio. “Tinha um vigilante lá, mas não fez nada”, diz Cirlei. No dia seguinte, um pescador encontrou o corpo na região enquanto a busca pelo Corpo de Bombeiros acontecia.
Antes de ir para o rio, uma viatura da Polícia Rodoviária Federal (PRF) escoltou o jovem, mas não o acompanhou em todo trajeto para impedir que ele fosse para o rio. Segundo nota emitida pela assessoria de imprensa da PRF estadual, os policiais teriam oferecido auxílio, que foi negado pelo jovem.
Luís Carlos ainda teria entrado em uma área particular “e não foi mais visto pelos policiais, pois a escuridão o encobriou”. Mas Diego explica que, de acordo com imagens das câmeras de segurança, Luís Carlos não entrou em nenhum terreno privado.
A nota segue afirmando que policiais fizeram buscas a pé no local para encontrar o jovem, mas não foram bem sucedidas. Por ser uma área de jurisdição da Polícia Militar, a PRF tentou contatar a PM, que não conseguiu deslocar policiais ao local por conta de outra operação. “Diante disto tomaram rumo à rodovia e retomaram suas atividades de ronda”, diz a nota da PRF.
Cirlei explica que a chegada da viatura fez com que o irmão de Luís Carlos, que voltava do trabalho naquela hora e o encontrou nu, voltasse para a casa para amparar a mãe, que não conseguiu impedir a saída do filho. “Ele veio cuidar da mãe e pensou que a polícia ia resolver, mas aconteceu exatamente o contrário. Se a PM não pode ir até o local, eles [a PRF] deviam ter feito alguma coisa”, afirma Cirlei.
No último domingo (6), a prefeitura de Porto Franco emitiu nota em que lamenta a morte de Luís Carlos e presta solidariedade aos familiares. Além disso, afirma que o prefeito Deoclides Macedo (PDT) solicitou apoio imediato ao Corpo de Bombeiros para fazer as buscas do corpo na Beira Rio e acompanhou o resgate junto da Administração Municipal.
A Secretaria dos Direitos Humanos do Maranhão (Sedihpop) afirmou que está acompanhando os desdobramentos do caso e se solidarizou com a família. A secretária informou ainda que trabalha ao lado de órgãos municipais e sociais para conquistar empoderamento à comunidade LGBTQIA+ “na garantia de direitos junto às instâncias governamentais e não governamentais, prestando apoio à qualquer cidadão LGBTI+ sempre que é solicitado”.
Quem foi Luís Carlos Almeida?
Luís Carlos era figura conhecida na cidade por dois motivos. O primeiro pela mãe, conhecida na comunidade religiosa do bairro em que vivia na periferia de Porto Franco. O segundo, e principalmente por esse, por ser considerado como uma pessoa diferente das demais e por se engajar a ajudar os outros.
“O Luís andava em todos os cantos, principalmente em meios marginalizados. Ele gostava de ajudar as pessoas, dizia para a mãe dele que essa era uma forma de conseguir trazer paz às pessoas”, conta o amigo. Quando era mais novo, dizia que queria ser médico. No entanto, Luís relatou à mãe em seus últimos dias de vida que já era um médico, mas que curava as pessoas com suas palavras.
Pelo Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), ele conseguiu uma vaga para fazer pedagogia, mas Cirlei conta que a veia dele era artística. “A vontade dele era ser poeta, ele trabalhava nas artes cênicas. Ele não gostava muito de sala de aula, apesar de ter sido professor de reforço. Ele era muito bom em matemática.”
Diego afirma que Luís Carlos era um tipo sonhador, que adorava filosofia e gostava de questionar conceitos. Gostava de escrever e, principalmente, de conversar, ainda mais com pessoas que fossem de mais idade ou que passavam por algum tipo de dificuldade.
“Ele era alegre, extremamente educado e transmitia muita paz. Por isso, muita gente procurava ele para ajudar com problemas da depressão. Acabou que ele resolveu o problema de muita gente e não resolveu o dele”, afirma a tia.
“O Luís nunca teve vergonha de nada. Sempre nadou cheio de adereços, com muita maquiagem. Quando eu soube do que aconteceu, escrevi um texto em que digo que ele nunca gostou do simples, do comum. Ele sempre gostou do muito, do exagero. Para ele, era importante marcar presença e ser um corpo político numa sociedade que é tão igual, tão parecida”, diz Diego.
Por ter esse jeito destemido de se expressar, a homofobia era muito presente em sua vida — e, Diego diz, foi assim até mesmo em sua morte. “As pessoas riram e caçoaram dele, mas ele sempre se manteve firme. Ele sofreu homofobia durante todo esse período”, diz.
Sua orientação afetivo-sexual foi motivo de embate com a mãe por conta dos ideais religiosos, algo que foi se amenizando. Nos últimos anos, os dois tinham uma convivência harmoniosa. “A mãe dele lutou feito uma leoa com a igreja e com o mundo todo pelo filho, pela aceitação”, diz Cirlei.
A mãe, que não quis dar entrevista, afirmou a Diego que a morte de Luís Carlos será um despertar para as pessoas, para a igreja e para a sociedade. “Ela diz que a morte do filho dela não vai ser em vão. A partir de agora, ela vai começar um grande trabalho de conscientização para que as pessoas amem as outras independente de quem elas sejam”, explica o amigo.
Cirlei espera que haja punição para as pessoas que estavam presentes no local mas que não prestaram socorro. “Isso não vai trazer o Luís de volta, mas vai evitar que aconteça com outras famílias o que aconteceu com a nossa”, diz.
*O nome foi alterado para preservar a identidade da fonte.