No Dia da Visibilidade Trans, artistas transexuais falam sobre a data

No Brasil, a comunidade possui um longo histórico de luta e resistência contra a discriminação e a violência

Foto: Leila Penteado
Liniker é do gênero soul e black music


Nesta sexta-feira, dia 29 de janeiro, se comemora o Dia Nacional da Visibilidade de Transexuais e Travestis . No Brasil, a comunidade possui um longo histórico de luta e resistência contra a discriminação e a violência , uma vez que o país ainda é o que mais mata trans no mundo, segundo um levantamento divulgado pela ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais).


No entanto, nos últimos anos, mais artistas trans estão surgindo na TV e na música, ocupando seu espaço e sendo representatividade para outros homens e mulheres transexuais. Algumas cantoras da comunidade falaram sobre o significado de ser trans e da importância de uma reflexão profunda sobre a data, criada em 2004.

Urias

Após ganhar visibilidade com covers, a cantora investiu na carreira musical, incentivada pela drag queen Pabllo Vitar. Sobre o Dia da Visibilidade Trans, a intérprete do hit ''Diaba'' reflete: "A gente é livre para ser quem a gente quer? O dia da visibilidade trans é um momento de reflexão, de reafirmarmos nossa existência. Nossa luta é construída diariamente. A gente não quer mais viver com medo."

Raquel Virginia

Integrante do trio "As Baías'', a cantora reflete: "Numa sociedade saudável, se um grupo é mais atacado, todos nós devemos parar e refletir os motivos para que aconteça a mudança. O dia da visibilidade trans serve para refletirmos os motivos pelos quais temos um grupo tão atacado como o das pessoas trans. É o dia para dar luz a nossa dignidade. Que é a dignidade humana."

Assucena Assucena

Parceira de Raquel no "As Baías'', a artista faz questão de reafirmar que ser trans não é pecado. "Nós não nascemos no corpo errado, nós não somos um pecado, nós não somos uma vergonha. Nascemos com uma missão linda de expandir liberdade e amor e de conquistar espaços para transformar esse mundo num lugar efetivamente de respeito e paz. O lugar de pessoas trans é o lugar no qual queremos estar", define.

Abaixo, conheça outros artistas trans da música brasileira.

Nick Cruz

Capixaba, Nick demonstrou o primeiro interesse por música aos 13 anos. Com 15, o cantor Nick saiu de casa para viver experiências maiores através da arte, rodando todo o estado do Espírito Santo. Nesse tempo, ele trabalhou como ajudante de obras, eletricista, servente, pintor e mais, até, aos 17 anos, começar a cantar em bares de Vitória, no Espírito Santo. Em 2018, o jovem cantor escreveu a sua primeira música autoral, "Me Sinto Bem", lançada no ano seguinte. Atualmente, com 22 anos, ele é contratado da Warner music.

Pepita

Dona do bordão ''Raaaaam'', Priscila Nogueira, mais conhecida como Pepita ou Mulher Pepita, é uma das primeiras funkeiras trans do Brasil. No ano passado, a artista emocionou a comunidade LGBTQIA+ ao se casar com o dançarino Kayque Nogueira. Na cerimônia reservada, por causa da pandemia da Covid-19, Pepita usou um vestido branco e, em 2021, pretender ser mãe.

Liniker

Liniker faz parte da banda Liniker e os Caramelows, do gênero soul e black music. Nascida em uma família de músicos, a artista, de 25 anos, cresceu ouvindo samba e soul, mas só se arriscou na carreira de cantora depois de entrar no teatro. Ela foi criada por sua mãe, sem a presença do pai.

Benjamin Damini

O cantor ficou conhecido nacionalmente após interpretar a vilã Martinha em ''Malhação: toda forma de amar'', em 2019. Em setembro de 2020, ele anunciou sua transição de gênero com um longo texto no Instagram: ''“Eu sou transexual, e pra você que está lendo, isso apenas deve significar que meu nome de verdade é Benjamin e desejo ser tratado no masculino. Eu sou transexual, e nem por isso eu nasci no corpo errado ou odeio minha genitália ou não me amo como sou. (…) Eu sou transexual e tenho orgulho da minha história e da minha existência. Eu sou.''

Linn da Quebrada

A paulistana Linn da Quebrada é conheccida por ser uma revelação da música brasileira e, também, por ter assumido sua transexualidade sem realizar transição hormonal e apenas mudando seu identidade de gênero. Nas redes sociais, Linn se posiciona diante de causas LGBTQIA+ e questiona tabus. Ela também atua como atriz, tendo participado da série ''Segunda chamada'', da TV Globo, em 2019.

A origem do dia da visibilidade trans

O Dia Nacional da Visibilidade de Transexuais e Travestis é comemorado desde 2004. A data foi fixada pelo lançamento da campanha “Travesti e respeito”, elaborada por lideranças históricas do movimento de transexuais no país em parceria com o Programa Nacional de DST/Aids, do Ministério da Saúde.

Em 29 de janeiro de 2004, a campanha foi um marco por ter levado 27 transexuais e travestis aos salões do Congresso Nacional, em Brasília. Em anos anteriores a 2019, o governo federal divulgou ações e se pronunciou em nota sobre a data.

Alguns dos principais direitos adquiridos pela população trans no Brasil ao longo da última década e meia, e também algumas limitações ou ameaças recentes a essas conquistas.

Quatro aspectos que mudaram desde 2004

Uso do nome social

Reconhecido ao longo dos últimos anos em diferentes instâncias do Executivo e Judiciário, o direito de pessoas trans serem tratadas pelo nome com o qual se identificam foi legitimado por uma decisão histórica do Supremo Tribunal Federal em 2018. Ela garantiu a possibilidade de alteração do sexo e do nome presentes no registro civil sem obtenção de autorização judicial. Na prática, isso significa que o registro pode ser alterado sem a pessoa entrar na Justiça e sem a realização de cirurgia de redesignação ou de terapias hormonais, antes um requisito para a mudança.

Cirurgia de redesignação sexual no SUS

A cirurgia realizada por parte das pessoas trans para adequar as características genitais ao gênero com o qual se identificam é realizada pelo Sistema Único de Saúde desde 2008. Isso a tornou mais acessível, mas o número de procedimentos realizados por ano ainda não atende à demanda: a fila de espera é de quase dez anos. O Conselho Federal de Medicina divulgou em janeiro de 2020 uma resolução que reduziu de 21 para 18 anos a idade mínima para a realização da cirurgia. No estado de São Paulo, uma emenda a um projeto de lei quer proibir terapias hormonais para jovens trans menores de 18 anos. Atualmente, o projeto está na etapa de avaliação pelas comissões da Assembleia Legislativa. Os medicamentos que bloqueiam a puberdade são usados atualmente como parte do processo de redesignação sexual.

Cotas

Por uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral, travestis e transexuais mulheres passaram a poder se beneficiar da cota que estabelece a obrigatoriedade mínima de 30% de candidaturas femininas por partido nas eleições. Também foram criadas cotas para que estudantes trans acessem as universidades públicas, mas a política ainda esbarra na alta evasão escolar por parte dessa população no ensino básico. Em 2019, a Unilab (Universidade da Integração da Lusofonia Afro-Brasileira), instituição federal com campi no Ceará e na Bahia, acabou suspendendo e, por fim, anulando seu processo seletivo específico para candidatos trans e intersexuais após o Ministério da Educação intervir por meio da Procuradoria Geral da União.

Candidaturas na política

As eleições de 2018 foram marcadas por um número recorde de candidaturas de travestis ou transexuais: foram mais de 50, segundo levantamento da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais). O número foi dez vezes maior em relação a 2014. Três mulheres trans se elegeram para as assembleias estaduais: Erica Malunguinho, primeira transexual eleita deputada estadual no Brasil por São Paulo, e outras duas em mandatos coletivos, Erika Hilton, da Bancada Ativista, também em São Paulo, e Robeyoncé Lima, das Juntas, em Pernambuco.