"É intolerável que riam às custas da nossa dor", diz trans sobre makes no "BBB"
Os brothers passaram a tarde se maquiando no reality show e o assunto levantou debates dentro e fora do programa sobre violência contra pessoas trans e travestis
O Big Brother Brasil 21 mal começou a dar os primeiros passos e uma verdadeira polêmica se instaurou tanto dentro do programa quanto nas redes sociais. Sisters e brothers foram convidados para uma sessão de automaquiagem, promovida por uma marca de cosméticos, quando Caio Afiune (do time Pipoca) teve a ideia de que os homens deveriam ser maquiados pelas mulheres. Ao se apresentarem para os demais da casa, brincando com poses afeminadas, mulheres dentro e fora da casa se ofenderam com o uso da persona feminina para desenhar caricaturas dentro do reality show.
Magô Tonhon , que é mulher trans, mestra em filosofia e maquiadora, salienta em entrevista ao Queer que o Brasil é o país que mais mata pessoas trans e travestis no mundo e este tipo de "piada" já não pode ser considerado algo normal dentro de uma sociedade.
"É intolerável que tanta gente dê risada às custas da nossa dor”, afirma. "Há menos de dois anos, tivemos o nosso direito de corrigir o nosso nome no cartório, sem a necessidade de comprovar nada ao juiz. Além disso, durante 28 anos estivemos catalogadas em manuais de doenças de práticas médicas como doentes, transtornadas, com desvio", comenta.
A maquiadora --que já mostrou seu trabalho em rostos famosos como as cantoras Mel , Urias e Assussena (As Bahias) -- também destaca que as mulheres transexuais já tiveram conquistas fundamentais como a exclusão do sufixo "ismo", mas é preciso caminhar mais longe.
"O histórico da cisgeneridade definiu e normatizou as possibilidades de se identificar do ponto de vista da identidade de gênero. A única identidade de gênero saudável, desejável e considerada normal é a cisgenero”, explica ela.
No programa, a psicóloga baiana Lumena Aleluia também deixou bem claro seu incômodo. Ela disse que a atitude dos rapazes -- entre eles Fiuk , Projota , Rodolffo e Caio -- tocou em um lugar muito violento porque esta é uma realidade que o público LGBTQIA+ sofre diariamente e o que é brincadeira hoje para eles, para outro é sinônimo de violência.
A drag queen Spadina Banks concorda plenamente com as palavras da sister. Para ela, a maquiagem é uma forma de expressar sua arte e não um adereço de fantasia.
“É ofensivo e opressor ver um homem, que é um retrato da cis-heteronormatividade, brincando com algo que eu sei que pode me levar a sofrer alguma violência na rua, inclusive por pessoas no perfil dele. A questão não é a maquiagem em si, mas sim o que essa atitude representou", comenta. "Inclusive em outra situação ou cenário essa mesma maquiagem poderia servir para a reflexão e conscientização”, completa.
A artista e Magô lembram que é comum que homens se "fantasiem de mulheres" no período do Carnaval e, ao mesmo tempo que estão se divertindo com o estereótipo feminino, também assediam mulheres, travestis e gays.
“O grande problema é 'quem tem autorização do quê?'. A princípio, a piada e a brincadeira podem parecer inofensivas, mas escondem a autorização dessa cisgeneridade de poder até mesmo trair a própria cisgeneridade e a própria definição de expressão de gênero. Então quem tem autorização para fazer piada quando a gente está em um país que mais assassina a gente?”, questiona a maquiadora.