O Brasil já vem despontando como o país que mais mata transexuais em todo o mundo há muitos anos e, em 2020, este número não foi diferente. No ano passado, 175 pessoas trans, sendo todas travestis e mulheres transexuais, foram assassinadas no país
, de acordo com o dossiê "Assassinatos e violência contra travestis e transexuais brasileiras em 2020", feito pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra).
A pesquisa publicada nesta sexta-feira (29) foi feita em parceria com o Instituto Brasileiro Trans de Educação (IBTE) e teve apoio de diversas instituições e organizações nacionais e institucionais. Os dados mostram que o Brasil se mantém como líder mundial no ranking de assassinatos de pessoas trans no mundo, seguido do México (57) e Estados Unidos (38).
No ano anterior, 124 pessoas trans foram mortas em todo o território nacional e a presidenta da ANTRA, Keila Simpson Sousa , afirma que os números alarmantes inevitavelmente já eram esperados.
"Nestes últimos dois anos a gente percebeu um aumento da violência por conta da falta de políticas públicas e o aumento de discursos violentos das autoridades. O que é mais cruel é que esses assassinatos não são comuns. A maioria das mortes são violentas e com requintes de crueldade”, analisa.
Para ela, existe uma dificuldade em registrar essas ocorrências, por conta da não utilização do nome social e da ausência de dados governamentais.
“Quando os números diminuem, como ocorreu em 2019, é decorrência da subnotificação dessas informações. Nós não acreditamos que uma violência possa diminuir se não é feito absolutamente nada para erradicá-la”, explica.
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Contexto pandêmico
Em 2020, a Covid-19 teve um grande impacto na população trans. Cerca de 70% das pessoas trans não tiveram acesso às medidas emergenciais ou auxílio por parte do Estado, devido a questões como falta de documentação, acesso à internet e meios tecnológicos insuficientes. Além disso, também encontraram dificuldade no preenchimento do cadastro, que não contava com campo para o uso do nome social.
Já 90% da população de travestis e mulheres transexuais utilizam a prostituição como fonte primária de renda e as medidas de distanciamento social impactaram diretamente no trabalho dessa população.
“Essas pessoas não costumam ter reservas financeiras para emergências. Muitas delas acabam indo para as casas de familiares, são violentadas dentro de casa e acabam voltando para a rua. É lá que essas pessoas estão mais vulneráveis a serem assassinadas”, explica Keila.
São Paulo é o estado que mais mata
Ainda no ano passado, São Paulo teve um aumento de 38% de casos, com 29 assassinatos, em relação a 2019. O Ceará se encontra em segundo lugar, com 22 casos, um aumento de 100% em relação ao ano anterior. Em seguida estão Bahia e Minas Gerais, com 19 e 17 mortes cada um. O Rio de Janeiro se encontra em quinto lugar, seguido de Alagoas e Pernambuco.
A jovem trans, negra e periférica é o perfil médio das vítimas de assassinato entre pessoas transexuais no Brasil. Dentre as vítimas, 56% delas têm entre 15 a 29 anos. Dos 175 assassinatos, 8 vítimas tinham entre 15 e 18 anos. Não foram encontrados casos de pessoas trans assassinadas em 2020 com mais de 60 anos. Em relação à cor, 78% dos casos aconteceram com pessoas pretas ou pardas.
Outros dados
Além de mapear o número de assassinatos da população trans, o dossiê registra as tentativas de homicidio e casos de suicídio. Em 2020, foram catalogados 23 casos de suicídio e foram registradas 77 tentativas de homicídio.
O relatório também propõe alternativas e prevenções para este cenário e oferece uma lista de delegacias especializadas para a população LGBTQIA+.
“É necessário educar a sociedade para respeitar o outro, desenvolver políticas no âmbito do trabalho e na formação dessas pessoas trans e que a figura de autoridade maior da República combata esses casos e não consinta. Nós não vamos voltar à margem novamente. O armário não nos cabe mais, nossa história é daqui para frente”, finaliza a presidenta da ANTRA.