Já faz sete anos que o vídeo da Luisa Marilac na piscina, tomando seus “bons drink” no verão espanhol, virou hit na internet. O vídeo foi o primeiro a atingir 50 mil visualizações no Youtube Brasil. De lá paca cá, Luisa, hoje com 42 anos, voltou para o Brasil, recebeu convites para participar de programas de televisão e lançou o livro "Eu, Travesti", assinado por ela e pela escritora Nana Queiroz.
Hoje, Luisa promove seu canal no Youtube e mantém uma conta com 221 mil seguidores no Instagram. No passado, precisou se prostituir, chegou a dormir na rua e sofreu agressões. Aos 16 anos, ela recorda, foi a um bar com uma amiga e, de repente, sentiu as costas queimando. Quando virou para trás, percebeu que estava sendo esfaqueada por um homem desconhecido.
“Eu caí no chão e uma das facadas perfurou um pulmão. Eu chutava ele para me defender. Tenho sete cicatrizes e carrego essa lembraça para a vida. São daquelas coisas que a gente nunca esquece. Infelizmente, isso faz parte do mundo das travestis. É uma triste realidade. Mas eu sou uma sobrevivente”, afirma.
Aos 19 anos, Luisa se prostituía. Ela diz que, apesar de não gostar, era o que podia fazer para ganhar dinheiro. Foi quando conheceu uma cafetina que a levou para a Itália.
“Ela me fez uma proposta de me levar para lá por 18 mil dólares. Chegando lá, de 18 foi para 20. Além da dívida, eu tinha que pagar pela casa, onde eu vivia presa, e tinha que comprar tudo superfaturado da mão dela. Mas eu fui na época da Lira [moeda italiana], quando dava para ganhar milhões. Se não tivesse tanta exploração, eu teria pagado a dívida mais rápido. Mas, em um ano, consegui. Depois que paguei, eu me livrei da cafetina e comecei a viver a minha vida na Europa”, conta Luisa.
Ainda na prostituição, ela conheceu um italiano por quem se apaixonou. “Ele queria me tirar da clandestinidade”, diz. Juntos, foram para a Espanha, onde tentariam se casar. Mas, para isso, era necessário traduzir todos os documentos de Luisa, o que custaria muito mais do que ela havia economizado.
A alternativa que ela encontrou para conseguir mais dinheiro foi, novamente, a prostituição. “Aluguei uma casa, coloquei o italiano lá, e saí trabalhando nos puteiros da vida para juntar 12 mil Euros, para traduzir os documentos e a gente poder casar. Eu mandava todo o dinheiro para ele, para nenhuma outra prostituta me roubar. Quando eu fiz entre 15 e 20 mil Euros, mais ou menos, e voltei para casa, ele tinha ido embora, me roubou."
Sem dinheiro para pagar o aluguel, Luisa conta que sentou na frente da casa e chorou, até que uma mulher desconhecida passou, falou com ela, em espanhol, sem que a Luisa entendesse o que ela estava dizendo direito, e a convidou para entrar em um carro.
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“Nunca tinha visto aquela mulher na minha vida. Foi um anjo da guarda. E eu não entendia nada do que ela dizia, nem ela me entendia. Ela me mandou entrar no carro e, quando chegamos na casa dela, achei que ela ia me dar um quartinho, mas ela me alugou o apartamento inteiro, me deu a chave e disse que, no dia seguinte, colocaria um anúncio de prostituição”, conta Luisa.
Luisa conta que entendeu que a mulher, certamente, já cohecia travestis brasileiras e deveria ter vários apartamentos. "Ela fez essa obra de caridade. Um anjo, mesmo. Ela foi tão ligeira que já sabia que travesti se prostitui e que eu iria conseguir pagá-la. E paguei. A gente fez uma amizade, mas, depois que fui embora [da Europa], a gente perdeu contato.”
O famoso vídeo da piscina foi feito no prédio deste apartamento, onde Luisa morou por quase um ano. “Subi no último andar e descobri a piscina com a vista da praia lá atrás. Decidi entrar e gravar aquele vídeo." O recado era para o italiano por quem Luisa foi apaixonada e a roubou: "As pessoas aqui no Brasil acharam que eu estivesse dando close para os brasileiros, mas, não, gravei o vídeo para ele”, afirma Luisa.
Depois do vídeo, logo Luisa Marilac voltaria ao Brasil. Aqui, foi convidada para entrevistas e para participar de vários programas de televisão.
“Eu tinha uma possibilidade de entrar para um reality show, 'A Fazenda', então, eu tinha que estar em bastante evidência. Por isso, fui a todos os programas que me convidaram. Mas não entendia muito dessas coisas de televisão. Nunca quis isso. Sempre fui muito tímida."
“A única coisa que eu me arrependo de ter feito foi ter ido o 'SuperPop' ao lado do Bolsonaro. Eu estava há muito tempo fora do país e não sabia quem ele era e o que estava fazendo. Eu era inocente. Acho que quem elegeu Bolsonaro para presidente foi a Luciana Gimenez. Foi ela que deu luz para ele”, afirma.
Luisa critica os programas de televisão em que participou. Ela diz que nunca recebeu nenhuma oportunidade de trabalho fixo e remunerado. “Sempre trabalhei de graça para eles. Nunca tive a oportunidade de trabalhar e receber um salário fixo. Só queriam me usar. Teve um período em que eu estava me prostituindo para comprar roupa para aparecer na televisão. Não dava, tinha alguma coisa errada nisso”, diz.
Quando voltou para o Brasil, Luisa não queria mais se prostituir -- "Nada contra, mas eu não gosto"-- e decidiu tentar cobrar pelas participações na TV. "Quando pedi um cachê, eles pararam de me chamar.”
Depois da fama, Luisa conta que ficou um período “na pior”. “Dormi na rua dois dias e não tinha o que comer. Entrei no meu Facebook e disse que queria trabalhar, perguntando se alguém tinha um emprego para mim. Ninguém teve coragem de me dar a mão. A mídia caiu matando em cima de mim, fizeram matérias sensacionalistas. Eu me senti muito humilhada. Foi quando eu fiz 35 anos e pensei em me suicidar. Mas Deus é maravilhoso e o fundo do poço tem uma mola: quando você bate nela, sobe numa velocidade gigante.”
Mais uma vez na prostituição, Luisa voltou a ganhar dinheiro, alugou uma casa em Guarulhos e começou a se dedicar ao canal dela no YouTube. “Logo depois que arrumei uma casa, consegui um emprego formal, onde eu era faxineira e cheguei a ser sub-governanta. Foi legal, aprendi muito. Depois, entendi que a minha vocação era o YouTube e decidi que não iria mais trabalhar para ninguém.”
Marilac já atua na plataforma há nove anos e atingiu, recentemente, a marca de 100 mil inscritos no canal dela. Ela diz que fala sobre tudo. “Tem vídeos sobre experiências de vida, acertos e erros meus, para que a geração futura não repita, como não colocar silicone industrial, mas, também, tenho vídeos sobre vegetarianismo. Meus vídeos de cozinha vendem muito”, diz.
Luisa Marilac já foi chamada para campanhas de empresas grandes, como Skoll, Trindent e Hoteis.com. Atualmente, ela vive do que consegue ganhar com seus vídeos.
“Eu me sinto lisonjeada. É uma vitória para todas nós transexuais. Temos o direito de ocupar todos os espaços: limpando o chão, no YouTube, no governo... Está na hora de as pessoas deixarem de ver a travesti sempre como vítima, a pobrezinha coitada. Existe travesti que arrasa no YouTube, que abala na propaganda de televisão, que é vereadora. São novos tempos e as pessoas têm que se atualizar. Nós viemos para ficar. Queremos fazer parte dessa sociedade. E a prostituição não é a única opção”, afirma Marilac.
Veja um os últimos vídeos publicados pela Luisa: