Festas sexuais queer: uma resposta à opressão e LGBTfobia

Produtores, frequentadores e psicólogo são unânimes: eventos sexuais representam liberdade contra repressão experienciada culturalmente pela comunidade

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Pessoas LGBT+ vivem 'adolescência tardia' e buscam em festas de sexo suprir tempo perdido, segundo psicólogo

Neste dia 31 de julho é comemorado o Dia do Orgasmo  e, ainda em 2022, a sexualidade continua como um dos maiores tabus na sociedade, o que se agrava quando tratamos da sexualidade LGBTQIAP+ . As pessoas queer, desde pequenas, têm suas identidades reprimidas, o que gera uma série de desfalques no desenvolvimento da maturidade , resultando em problemas como baixa autoestima e dificuldade de estabelecer vínculos afetivos estáveis.

As festas de sexo, ou liberais, ou adultas – o que você considerar melhor – fazem parte da cultura LGBT+, contudo, ainda são alvo de conservadorismo e preconceito, mesmo dentro da comunidade.

O que é importante considerar é que essas festas vão muito além do sexo, elas são um símbolo da transgressão queer, materializam a busca por liberdade e luta contra a opressão social que estigmatiza as pessoas LGBT+, principalmente em um país que há 13 anos está no topo da lista do ranking mundial das nações que mais matam pessoas LGBTQIAP+, segundo o  relatório 2021 da Transgender Europe (TGEU).

“A relação dessas festas com a opressão da sexualidade LGBTQIAP+ é muito grande porque desde criança as pessoas queer não têm suas identidades reconhecidas e acabam sem espaço para expressar algum comportamento que fuja do padrão cis heteronormativo”, afirma o psicólogo focado em sexualidade LGBT+, Lucas De Vito.

O profissional explica que a pessoa LGBT+ acaba, muitas vezes, tendo seu primeiro contato com sexualidade por meio da pornografia , já que é algo “sempre escondido, que deve ser consumido no anonimato, pois é encarado socialmente como “sujo””. Para o especialista, esse comportamento acaba gerando “uma opressão sexual muito grande, além da opressão social que a pessoa queer já sofre desde a infância”.

Outra questão que a pessoa LGBT+ precisa lidar é o retardamento das experiências sexuais – que têm relação direta com as festas de sexo. Com a falta de aprendizado e construção nessa área, sem apoio familiar, referências próximas e midiáticas, a relação com o sexo acaba se desenvolvendo de uma forma conturbada, segundo De Vito.

“Muitos LGBT+ têm pais LGBTfóbicos, o que impede, inclusive, que a pessoa tenha um espaço seguro para ter suas relações sexuais. É aí que entram as festas de sexo. Esses lugares servem para as pessoas queer se sentirem à vontade com suas sexualidades e se expressarem neste sentido – já que foram oprimidas durante toda a vida”, afirma.

Festa da Cueca

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A 'Festa da Cueca' ocorre em Salvador desde o ano de 2002.


Frequentadas majoritariamente por homens gays cis, as festas de sexo ocorrem em todo o país e são espaços de referência para a expressão segura de efetividade e sexualidade queer. Um exemplo, é a “Festa da Cueca”, que ocorre na capital baiana Salvador.

“Salvador ainda é muito provinciana, sempre foi, não é cosmopolita como Rio e São Paulo, mas a 'Festa da Cueca' é uma resistência na região desde 2002. Nós proporcionamos um espaço seguro para homens que buscam sexo casual. É melhor do que correr o risco de ser filmado em um banheiro ou algum outro espaço público”, explica o produtor do evento, Haeckel Júnior, 61.

O produtor traça um histórico de vida da festa: “Começamos em uma boate chamada 'Queens'. O clube fechou e migramos para a boate 'Tropical', mas só colocamos a 'Festa da Cueca' lá depois de quatro anos, durante uma Parada LGBT+. Foi um tremendo sucesso, mas meu chefe na época era careta e não permitiu outras edições. Quando a direção mudou, voltamos com a festa e só interrompemos com a chegada da pandemia. Ficamos um ano parados”.

Uma pessoa que frequenta a festa desde 2019 é Douglas (que preferiu se identificar apenas com o primeiro nome). Ele explica que sua maior motivação de frequentar este nicho de evento é a liberdade.

“É a possibilidade de poder fazer com que meu corpo exista naquele ambiente. E, também, penso na questão do ego, em que as pessoas vão ver, desejar e elogiar meu corpo”. Outra pessoa que também frequenta as festas de sexo, mas no Rio de Janeiro, e que também tem o fetiche do olhar do público, é o publicitário Saulo Mendes, 32.

“No meu caso eu acho que é um fetiche, ou tesão, pelo público. É estar na frente das pessoas e não ter pudor por causa disso. Eu acho que é isso que eu gosto, além da facilidade de sexo. A nossa sexualidade foi tão problematizada por tanto tempo que eu acho que nesses momentos a gente se solta um pouco mais, e é muito mais fácil”, defende o frequentador.

Apesar de não ver problemas com as pessoas saberem que ele gosta de frequentar essas festas, o publicitário afirma que já recebeu críticas e reações negativas.

“Já rolou de alguém que eu estou ficando descobrir e depois ficar me olhando torto. Apesar dessas festas proporcionarem um sexo bem livre, ninguém é obrigado a fazer nada. Eu acho muita hipocrisia as pessoas julgarem achando que é algo promíscuo, porque não se trata disso. Existe o sexo, mas não é só isso. Algumas pessoas frequentam porque gostam de olhar, ou porque gostam deste tipo de evento e vão até com os amigos, inclusive”, diz.

Espaço para todos os corpos (mas nem tanto)

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Frequentador afirma que as pessoas se sentem mais livres nas festas de sexo, mas que ainda ocorre uma busca por corpos padrões


Além da “Festa da Cueca”, em Salvador, Douglas também frequenta a “Nú Sem Mão no Bolso”, conhecida também como “Festa Naturalista”, onde é obrigatório todos que estiverem presentes ficarem pelados.

“Todos os tipos de corpos estão presentes nessas festas, o que para mim representa uma forma das pessoas quebrarem os tabus que muitas vezes fazem a comunidade LGBTQIAP+ se tornar tóxica”, afirma Douglas, que completa: “É uma válvula de escape para as pessoas aceitarem seus corpos do jeito que são”.

Contudo, o publicitário Saulo Mendes, tem outra visão sobre a pluralidade de corpos nestas festas. Ele enxerga que há “busca por corpos padrões”, mas que é diferente se comparado a uma festa que não tenha essa finalidade sexual.

“Eu vejo que tem segregação e preconceito com os corpos sim porque acho que até nessas festas as pessoas buscam perfis mais padrões, mas acho que elas se soltam um pouco mais no sentido de que todos estão ali com o mesmo intuito, sabendo onde estão e o que estão fazendo”, afirma.

De toda a forma, o publicitário é um entusiasta deste tipo de evento e defende a liberdade que essas festas proporcionam.

“Eu acho lindo porque não existe coisa melhor do que duas pessoas que desejam transar, transarem só por transar. Se duas pessoas estão a fim de fazer sexo, por que elas não podem fazer sem sentir culpa por isso ou serem julgadas?”, indaga Mendes.

Adolescência tardia LGBT+

O psicólogo focado em sexualidade LGBT+ Lucas De Vito, afirma que a opressão e a discriminação contra pessoas LGBT+ acaba gerando um efeito chamado de “adolescência tardia”, que é a busca por experiências na fase adulta que não foram vividas na adolescência.

“Primeiro romance e primeiro sexo, e outras questões relacionadas, por exemplo, que devem ser vividas de preferência na adolescência, não ocorrem no tempo certo para pessoas LGBTQIAP+, que experienciam isto tudo mais velhos”, diz o psicólogo.

“O adolescente tem permissão social para ser mais impulsivo, mas o adulto não. Por não viver essas fases em seus tempos corretos, a pessoa LGBT+ acaba vivendo uma adolescência tardia e essas festas, que representam um universo de exploração e experimentação, têm muita importância neste processo”, explica De Vito.

Por mais que os eventos sexuais tenham uma importância simbólica, histórica e cultural, eles demandam atenção e equilíbrio para que não se tornem um problema para a vida de quem busca prazer por meio deles.

“Muitas pessoas buscam intensidade nessas festas, mas acabam se reprimindo no dia a dia, o que é compreensível, mas o excesso pode gerar uma comparação repetida com o corpo dos outros, ou relacionar a autoestima e estímulo sexual apenas nessas festas, gerando dificuldades de manter relacionamentos fora desses ambientes”, alerta De Vito.

Outro ponto de atenção que o psicólogo traz é o uso de substâncias ilícitas e álcool, que geram “a desinibição, o descontrole do discernimento e a falta tomada de decisões ponderadas, o que pode fazer com que a pessoa não use camisinha, por exemplo, ou que tome atitudes das quais se arrepende no outro dia”, finaliza.

É importante ressaltar que o mundo vive no momento um surto da varíola dos macacos, que tem como um das suas principais formas do contágio o sexo. O vírus têm se concentrado em grupo HSH (homens cis que fazem sexo com outros homens).  Até a última quarta-feira (27), o Brasil registrava 978 casos pelo infecção do vírus , segundo o Ministério da Saúde, que anunciou a primeira morte causada pela doença no Brasil na sexta-feira da mesma semana.

Shows interativos

Uma das festas que o publicitário Saulo Mendes já frequentou no Rio de Janeiro é a LePutation, na qual o ator e produtor de conteúdo adulto Lukas Alviti trabalha com shows interativos, que são as apresentações de sexo ao vivo que os frequentadores das festas também podem participar junto com os atores.

Alviti começou sua carreira com conteúdo adulto no Twitter. Logo ele migrou para as plataformas de conteúdo pago e, em seguida, começou a se apresentar nas festas.

“No início foi muito complicado, eu não mostrava rosto. Um produtor de festas aqui do Rio me reconheceu em um dos vídeos, por conta de uma tatuagem minha, e me chamou para fazer um 'interativo'. Eu gravava os vídeos mascarado, então não topei participar das festas, mas o produtor permitiu que eu também me mascarasse nos 'interativos'. Então aceitei”, conta o ator.

Com o tempo, o produtor de conteúdo foi ganhando confiança e se desinibindo. Hoje ele já participa das festas sem a utilização de máscaras e é conhecido como “vascaíno”. Alviti é torcedor do time e sempre usa alguma peça que remeta ao clube e ao esporte em seus vídeos – marca que ele levou para os shows ao vivo.

Lukas Alviti conta que chega a fazer três shows em uma noite, o que demanda um alinhamento entre a saúde mental e física.

“Meu preparo já começa na terapia. No dia, eu procuro me alimentar bem, para não passar mal, porque eu costumo fazer até três shows numa noite. E não bebo e não uso droga também porque eu acho que é um caminho sem volta. Conheço gente que trabalha só para sustentar vício”, revela.

Além da saúde mental, o ator também tem um cuidado redobrado com sua saúde física. Ele conta que faz exames de três em três meses e que utiliza medicações como a PreP (Profilaxia Pré-Exposição), que previnem o contágio pelo vírus do HIV.

“Me consulto com endocrinologista e infectologista. Se eu falar para você ‘eu faço até sexo oral de camisinha’ vou estar mentindo. Não tem condições na prática devido a demanda. Então eu faço acompanhamento, tomo o que eu preciso, vou para academia, tenho uma alimentação mais saudável e vou me cuidando assim”, finaliza.

Cruising bars

Além das festas onde o sexo é permitido e que ocorrem os shows interativos, também existe outro conceito de evento adulto LGBTQIAP+, que são os cruising bars.

“São festas com bares que têm cabines, iguais as de navios, que são destinadas para as pessoas fazerem sexo”, explica um DJ e produtor de festas deste nicho no Rio de Janeiro, que preferiu não se identificar.

Ele conta que, a partir da sua observação, percebe que o público que procura os cruising bars, assim como saunas, são geralmente pessoas que não são abertamente LGBT+.

“São pessoas 'fora do meio', mais discretas, homens bissexuais – geralmente casados -, ou que fingem ser heterossexuais na sociedade, e que vão lá buscar experiências que não têm no seu cotidiano”, explica.

O DJ defende, assim como os outros entrevistados, que essas festas têm muita importância, principalmente em sociedades mais conservadoras e opressoras.

“Com o governo LGBTfóbico atual, que nos discrimina, a gente precisa de um lugar seguro que nos ajude a liberar essa tensão que todo o preconceito gera. Essas festas de sexo são uma bolha segura para as pessoas vivenciarem ao máximo o que é ser gay – que neste caso acontece por meio do sexo”, afirma o produtor.

Ele conclui afirmando que “as pessoas ficam mais livres em todos os sentidos. Seja para dançar, para serem elas mesmas e fazer sexo também. São lugares com menos julgamento e as pessoas procuram isso”.

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