Tiago Abravanel no BBB 22: a importância do corpo gordo e gay

Membros do ativismo gordo explicam como a presença do ator e apresentador mostra como os corpos gordos e LGBTs precisam ser cada vez mais naturalizados

Tiago Abravanel viralizou nas redes após aparecer de sunga na piscina da casa
Foto: Reprodução/Globo
Tiago Abravanel viralizou nas redes após aparecer de sunga na piscina da casa


Desde que o Big Brother Brasil 22 estreou nesta segunda-feira (17), já há muito o que falar sobre vários participantes. Entre os temas mais discutidos nas redes sociais está a importância da presença do apresentador Tiago Abravanel no reality, especialmente devido ao fato dele ser um homem gordo e gay. Na terça-feira, o brother apareceu de sunga com estampa arco-íris na piscina da casa e aproveitou o calor do Rio de Janeiro sem tabus.

Os internautas comentaram sobre o episódio, levantando o tópico da importância da liberdade dos corpos dissidentes que destoam do padrão da magreza. Além dos espectadores anônimos do programa, o influenciador Caio Revela, homem gay e gordo, assim como Tiago, se pronunciou sobre como o participante está representando a população gorda e LGBT. Além disso, o apresentador já tem outras cenas icônicas na conta: o coque invisível e o rebolado ao som de Pedro Sampaio e Luísa Sonza. 







Naiana Ribeiro , jornalista, criadora de conteúdo, ativista gorda e bissexual, comenta que os corpos gordos precisam estar presentes, principalmente em programas como o BBB, que nunca tiveram muita diversidade nesse aspecto. “Corpos dissidentes existem e precisam estar representados na televisão e em todos os lugares. A falta de representatividade e diversidade corporal no BBB 22 reforça não apenas a gordofobia como um problema estrutural, mas também evidencia a invisibilização desses corpos, sobretudo gordos maiores, na sociedade como um todo”, explica.

A comoção da internet em torno do fato de Tiago Abravanel ter se exposto de sunga prova também como os indivíduos não estão habituados a ver um corpo gordo que não faz questão de se esconder. Essa questão é destacada por Dave Avigdor , criador de conteúdo e ativista gordo e gay. Ele reforça que, ainda que a presença de Tiago seja importante no reality, as experiências gordas não podem ser resumidas apenas a ele, tampouco à luta contra a gordofobia (preconceito e exclusão sofridos por pessoas gordas).

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“Eu me sinto sim representado pelo Tiago no 'Big Brother', porém temos a ideia de que um corpo gordo irá representar todas as pessoas gordas. Existe gente gorda e preta, PcD, trans, gays, pessoas gordas maiores e menores, enfim, diversas. É uma característica em comum, mas os corpos são plurais. Fico feliz que tenha um gordo ali, de poder enxergar um corpo mais parecido com o meio em meio a tantos padrões, mas ainda sinto que um único corpo gordo não é suficiente para representar toda a luta contra a gordofobia”, expõe. 

Ao ver de Naiana, mais do que a presença de uma pessoa gorda, é importante, acima de tudo, naturalizar essa vida, pois, assim como qualquer outra, ela tem anseios, necessidades, hábitos, gostos e desgostos. Para ela, uma pessoa gorda viver a vida da forma mais livre possível é um grande ato político. 

“Precisamos não só de representatividade corporal, mas também da naturalização da nossa existência. Pessoas gordas também comem, divertem-se, jogam, dançam, brigam, choram, praticam exercícios físicos, etc. Foi demais ver o Tiago Abravanel tirando a camisa de boa, arrasando de sunga colorida, descendo até o chão e vivendo sua vida em paz sem fazer do corpo uma questão. Viver em paz é o nosso maior ato político”, diz.

Ainda sobre a naturalização, Dave comenta sobre a reação de algumas pessoas, que endeusam excessivamente o fato do Tiago Abravanel ter aparecido de sunga, chamando-o de “corajoso”, quando, na verdade, ele estava apenas fazendo algo que todas as pessoas magras também fazem, mas as reações são distintas. 

“Quanto há uma pessoa magra de sunga ninguém fala nada, mas por que chamar de ‘corajosa’ quando é uma pessoa gorda? É apenas alguém de sunga, como todas as outras que usam roupas de piscina e ninguém comenta nada. Sinto que quanto mais a sociedade reagir dessa forma, menos conseguiremos naturalizar que esses corpos existem e podem estar de sunga”, explica. 

Além do episódio da piscina, o participante Tiago Abravanel também levantou outros pontos importantes, como durante uma conversa com Jessilane, na qual comenta sobre o tamanho das toalhas. “A toalha não dá a volta na minha circunferência. Eu tive que pegar a toalha da piscina. Não sei nem se pode [usar a toalha da piscina no banheiro]”, disse ele. “Você concorda que é um pouco constrangedor pra mim fazer isso? É mais fácil dar uma toalha maior”. O fato disso ser abertamente falado em um reality que pauta os assuntos do dia a dia em nível nacional tem grande significado, principalmente quando a representatividade gorda ainda é tão diminuta e banalizada. Dave exemplifica essa questão. 

“Nunca me senti representado na televisão, na mídia, nas séries e nos filmes. O corpo gordo sempre aparece para cumprir um papel autodepreciativo ou humorístico, porque é como se ele precisasse ‘compensar’ o fato de ser gordo. Nunca é uma pessoa gorda simplesmente vivendo a vida dela”, coloca. 

Naiana complementa ainda que se sentiu emocionada ao ver Tiago curtindo o próprio corpo sem impedimentos. “Confesso que foi muito emocionante vê-lo vivendo normalmente, porque nós, pessoas gordas e LGBTQIA+, sempre somos estereotipados. Dizem que ‘quem é gordo tem que esconder a barriga’ e coisas assim. As pessoas acham que sabem sobre nós. Foi muito legal ver ele em paz e sendo uma pessoa normal, porque é o que buscamos no ativismo gordo e na militância LGBT: naturalizar os nossos corpos e as nossas existências”. 

A influência da representatividade desde o primeiro contato com a TV

Ao serem questionados sobre como a presença de pessoas gordas na televisão durante a infância deles teria os ajudado a enfrentar os conflitos pessoais, tanto Naiana quanto Dave foram unânimes em afirmar que isso teria sido positivo. “Se ver nos programas de televisão, nas campanhas, lojas, outdoors e todos os lugares é importante para possamos ver que está tudo bem sermos quem somos”, diz Naiana.

“Infelizmente, não tive essa possibilidade”, continua a jornalista. Ela ressalta o fato de não se ver representada nem na revista favorita quando era mais nova. “Na minha época, a revista Capricho, que eu mais lia, não tinha nenhuma pessoa gorda e quase ninguém LGBT. Dietas eram postas como algo natural, que as pessoas precisavam seguir, então não ver pessoas como eu nesses ambientes foi muito difícil. Acredito que para a nova geração, ver pessoas iguais a elas em alguns quesitos seja fundamental para que se sintam bem consigo mesmas. Mulheres gordas, por exemplo, não aparecem no Big Brother desde 2019. Em 2020 tivemos o Babu, mas em 2021, ninguém. Talvez o Tiago não tenha noção disso, mas a participação dele ali é histórica”, explica. 

Dave, por sua vez, conta que durante a infância era praticamente a única pessoa gorda no ambiente escolar. “Sempre me via como diferente e inferior, e sentia que precisava oferecer mais para os outros se quisesse ser aceito. O gordo sempre está na friendzone, nunca somos o crush de alguém, enfim. Internalizamos tanto isso numa fase tão importante [a infância] que até hoje me pego ouvindo essas vozes na minha cabeça e pensando: ‘Eu preciso dar mais de mim, porque se eu oferecer o mesmo que uma pessoa magra, não será o bastante’. Não concordo com isso, mas essa questão ficou tão internalizada que penso até hoje. Me senti inferior por ter um corpo gordo, então se eu tivesse visto mais pessoas gordas e gays sendo elas mesmas, as coisas provavelmente seriam diferentes”, declara.